terça-feira, 29 de outubro de 2019

Mês Missionário extraordinário: 29 de outubro - Beata Victorie Rasoamanarivo


A rainha Ranavalona I reinou em Madagascar de 1828 a 1861. Inimiga implacável da religião cristã, venerava os sampy (uma espécie de ídolos) e seguia, como proteção da sua pessoa e do seu reino, milhares de práticas de superstição. A família mais poderosa e mais próxima da rainha era a de Victoire Rasoamanarivo. O seu avô, Rainiharo, foi primeiro-ministro da soberana durante mais de vinte anos. Dois dos seus filhos, Raharo e Rainilaiarivony, sucederam-lhe nas suas funções.
Rainiharo teve uma filha de nome Rambahinoro. Do casamento dessa filha com um primo nasceu Victoire Rasoamanarivo, terceira de sete ou oito filhos. Nascida em 1848, com a revolução industrial, proletária, e o despertar das nacionalidades, também Victoire adotará um comportamento que terá um forte impacto no seu ambiente, determinando o seu destino e a admiração que acabará por suscitar.

Victoire tinha treze anos quando os primeiros missionários católicos chegaram a Tananarive (hoje Antananarivo), em novembro de 1861, após a morte da rainha Ranavalona I. Foi uma das primeiras alunas das Irmãs de São José de Cluny, distinguindo-se pela sua modéstia e devoção, sobretudo pela assiduidade com que assistia à Missa todas as manhãs.

Foi batizada a 1 de novembro de 1863, aos quinze anos, fez a sua primeira comunhão a 17 de janeiro do ano seguinte e, alguns meses mais tarde, a 13 de maio, contando dezesseis anos, foi dada em casamento a Radriaka, seu primo. Com essa idade, afirmaria mais tarde, desejaria tornar-se religiosa, acrescentando, porém, que a Providência tinha decidido de outra maneira.

Todavia, a sua nova condição não a separou das irmãs. Continuou a frequentar a escola, visto que os trabalhos domésticos estavam a cargo da criadagem. Foi assim que começaram as dificuldades, porque os pais e as famílias de ambos tentaram convertê-la ao Protestantismo, religião do Estado e da alta sociedade.

O calvário de Victoire começou nesse momento, mas ela mostrou-se irrepreensível e paciente. Não se lamentava, mas chamava a atenção do marido para o mal que as famílias estavam a fazer à sua dignidade de mulher. O marido, consciente de que Victoire tinha razão, por vezes ajoelhava-se a seu lado para rezar.
O destino tomou a forma paradoxal da esterilidade conjugal: Victoire experimentou toda a amargura do estigma social associado a essa condição, interrogando-se por isso se tal não seria resultado de uma má conduta esponsal. Rejeitada pelos seus, Victoire começou a fazer da Igreja a sua segunda morada. Passava aí sete ou oito horas por dia, encaminhando-se para lá às quatro da manhã, ao longo de todo o ano e apesar de todas as ameaças.
Tinha criado um oratório em casa, onde muitas vezes passava o tempo de joelhos, prolongando as suas orações até altas horas da noite. Tinha uma especial devoção pela Virgem Santa, pelo que o rosário nunca deixava as suas mãos. Aquela vida de oração, longe de absorvê-la em detrimento dos outros deveres, ajudava-a a cumpri-los com total dedicação.

Governava sua casa, que compreendia cerca de trinta servos. Era assídua nas visitas aos doentes, sem qualquer distinção de classe, dava esmolas com frequência e recebia pobres e doentes em sua casa. Quando a Congregação laical da Virgem Santa foi fundada, em 1876, Victoire foi sua presidente, esforçando-se por infundir nas suas companheiras o zelo pela caridade.

Criou um ateliê destinado à confecção de roupas para os pobres e os leprosos. Além disso, ajudou as igrejas pobres; mandou construir a capela da cidade sagrada, Ambohimanga. Na qualidade de membro da família do primeiro-ministro, Victoire era dama da Corte. Forçada a apresentar-se no palácio, ia lá como cristã, com o seu rosário na mão, bem à vista, e rezava antes e depois das refeições.
Ao ouvir tocar o sino, pedia desculpa e saía para se recolher num lugar à parte e rezar o Angelus. E quando a interrogavam sobre a razão de tal conduta, respondia simplesmente: É um costume nosso, dos católicos!

Nela não havia rigidez, ostentação ou intolerância, mas apenas fé, fidelidade a Deus e respeito absoluto pelos outros. Aquilo que mais suscitava a admiração da Corte era a heroica paciência demonstrada por Victoire, durante quase três anos, frente ao seu indigno marido. Nunca ninguém a ouviu proferir a mínima queixa contra ele. Todavia, as suas atitudes abusivas eram de tal ordem que o primeiro-ministro, de acordo com a rainha, tentou separar Victoire dele, mediante o divórcio. Mal Victoire teve conhecimento de tal projeto, lançou-se aos pés do sogro suplicando-lhe que renunciasse à sua decisão, pois, dizia ela, o matrimônio católico é indissolúvel.

Em 25 de maio de 1883 deflagrou uma perseguição contra a missão católica e, depois de terem sido expulsos todos os missionários franceses, os fiéis católicos viriam a ser acusados como traidores dos costumes da ilha e, portanto, da sua pátria. No mesmo dia em que os missionários saíram de Tananarive, uma ordem emitida por uma autoridade desconhecida, divulgada por todos os funcionários civis e religiosos, proclamava que, sendo o Catolicismo a religião dos inimigos da pátria, os seus adeptos seriam considerados traidores.
No domingo seguinte ao êxodo dos missionários, os católicos olhavam com tristeza para as suas igrejas fechadas, mas nem sequer se atreviam a aproximar-se delas.
Às nove da manhã, Victoire chegou diante da catedral. Ao vê-la fechada, enviou uma mensagem ao primeiro-ministro perguntando-lhe se uma ordem emitida pela rainha proibia os católicos de entrar na igreja. Não tinha havido nenhuma ordem real a esse respeito. Então Victoire, aproximando-se do oficial que liderava os guardas, ordenou que se abrissem as portas. Se vos opuserdes pela força, o meu sangue será o primeiro que tereis de derramar. Não tendes direito algum de nos impedir de entrar nas nossas igrejas para rezar.
As portas foram abertas. Victoire foi a primeira a entrar, sendo seguida por um grande número de cristãos. Era uma primeira vitória, a vitória mais importante, visto que, com ela, se estabelecia o princípio da liberdade da oração.

Durante a guerra franco-malgaxe, a nacionalidade francesa dos missionários pôs em risco o futuro do Catolicismo, como religião do agressor. Victoire não tinha preconceitos em relação aos missionários franceses, com os quais mantinha ótimas relações, mas tinha pedido, escrevendo para o estrangeiro e tendo em conta a situação local, que fossem enviados para ali missionários católicos, mas ingleses.
Ora, a expulsão abarcou tanto os missionários franceses como o único inglês do grupo, o que tornou patente a oposição ao Catolicismo em si, independentemente da nacionalidade dos missionários.

O padre Caussèque, pároco da catedral, tinha fundado uma associação de homens chamada União Católica. Esta associação devia ser o instrumento do qual Victoire se viria a servir para manter a fé e a prática do culto em toda a missão. Os membros da União Católica reabriam as capelas, reuniam os cristãos e restauravam as escolas.
Não foi tarefa fácil. Victoire viu-se forçada a visitar os principais ambientes para infundir coragem nos débeis com a sua presença. Alguns relatos da época descrevem as manifestações de entusiasmo que tais visitas suscitavam. Tende confiança, dizia Victoire, a religião católica não é proibida. Os franceses partiram, mas a religião permanece.

Quando os missionários regressaram ao seu posto, Victoire retomou a sua vida simples, modesta e humilde.
A única coisa que ainda a preocupava era a conversão do seu marido. Rezava e punha outros a rezar por essa intenção. A sua última obra de “maternidade espiritual” teve precisamente que ver com o seu marido. Uma noite levaram-no para casa embriagado, depois de uma queda que viria a revelar-se fatal. Victoire convenceu-o a receber o Batismo, que lhe foi administrado no seu leito de morte, em 1887.

Como viúva, usou luto até morrer, seis anos mais tarde. Mandou dizer numerosas missas pelo repouso da alma do marido, e aproveitou a ocasião desse luto para usar roupa ainda mais simples e para se retirar quase completamente da Corte. Os seus filhos mais queridos eram os humildes: doentes, desfavorecidos, presos cruelmente acorrentados, leprosos continuamente atormentados pelo seu mal, marginalizados pela sociedade.

Após uma brevíssima doença, Victoire morreu a 21 de agosto de 1894. Dois meses depois, os missionários retomaram o caminho do exílio, que durou até ao fim de 1895. No seu leito de morte, Victoire ergueu as mãos ao céu, segurando o rosário, e pronunciando por três vezes Mãe, mãe, mãe, expirou.

 Foi beatificada pelo Papa João Paulo II a 30 de abril de 1989, em Antananarivo. A Igreja Católica celebra-a a 21 de agosto.

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