Um peregrino chega ao santuário de La
Louvesc. Prostra-se em profunda oração diante da urna de carvalho na qual estão
os restos mortais do apóstolo da região. Estávamos no início do século XIX.
O que foi pedir esse rapaz?
É um João, ainda não canonizado, que pede a
outro, já elevado à honra dos altares, que lhe obtenha a graça de conseguir
reter em sua memória, rebelde, os rudimentos de latim necessários para chegar
ao sacerdócio.
E o João canonizado - Francisco de
Régis - obtém para o João que virá a sê-lo - Maria
Vianney, futuro Cura d'Ars -, embora muito parcimoniosamente, o que
ele pede. É um santo ajudando a outro, para a maior glória de Deus.
João Francisco nasceu em 31 de janeiro de 1597
de uma abastada família que se distinguiu pela pureza da fé numa época e região
em que dominavam os protestantes calvinistas. Um de seus irmãos foi martirizado
pelos protestantes alguns anos mais tarde.
Aluno do colégio dos jesuítas de Béziers,
mostrou-se um apóstolo nato. Sua devoção a Nossa Senhora levou-o a ingressar na
Congregação Mariana do colégio, tornando-se apóstolo de seus colegas, cinco dos
quais, para levar uma vida mais perfeita, mudaram-se para a mesma casa que
Régis. Então, com pouco mais de 14 anos, compôs uma regra para eles, na qual
fixava as horas para o estudo, proibia toda conversação inútil, dispunha a
leitura espiritual durante as refeições, exame de consciência à noite, e
comunhão aos domingos.
Aos 19 anos, querendo dedicar-se de modo mais
especial a Deus, entrou no Noviciado dos Jesuítas, onde foi exemplo de
obediência, humildade e devotamento. Certo dia em que ele se levantou
furtivamente durante a noite para ir rezar na capela da casa, foi visto por um
colega que o denunciou ao superior. “Não turbeis as comunicações que esse
anjo mantém com Deus, respondeu-lhe o sacerdote, pois, ou muito me engano,
ou um dia celebrar-se-á na Igreja a festa de vosso companheiro”.
Após sua ordenação sacerdotal em 1630, foi para
Toulouse. Sua linguagem era simples e popular, mas o fogo da
caridade, do qual ele estava inflamado, dava a seus discursos um poder tal que
toda a cidade vinha escutá-lo e ninguém podia ouvi-lo sem derramar lágrimas
.... Um pregador eloquente e renomado, tendo-o ouvido, disse: ‘É em vão que
trabalhamos para ornar nossos discursos. Enquanto os catecismos deste santo
missionário convertem, nossa bela linguagem não faz senão entreter sem produzir
nenhum fruto”.
Com o bordão de peregrino e envolvido num pobre
casaco, percorria montes e campos, no inverno sobre a neve, e no verão sob os
raios abrasadores do sol. Onde havia uma casa para visitar, uma miséria para
socorrer, ou um coração para consolar e abrir para Deus, aí chegava sempre o
missionário por caminhos inverossímeis.
Em 1633 o Bispo de Viviers pediu ao Superior
dos Jesuítas um missionário para acompanhá-lo em sua Visita Pastoral à diocese,
onde não só havia decadência religiosa, mas também os erros protestantes de
Calvino haviam feito muito estrago entre o povo. São Francisco de Régis foi o
escolhido. Seus sermões inflamados e suas exortações atingiam diretamente o
coração de seus ouvintes, produzindo muitas conversões. Causou sensação, a de
uma notável senhora protestante, que abjurando sua heresia, foi recebida
solenemente no seio da Igreja. Esse fato ocasionou novas conversões.
Em Sommières, cidade conhecida pela corrupção
de costumes, os resultados foram tão notáveis que surpreendeu o próprio missionário.
Escreveu a seu superior dizendo que os frutos haviam sobrepujado de tal modo
sua expectativa, que ele não tinha palavras para explicá-los. Dir-se-ia que os
habitantes da cidade haviam nascido de novo.
Para consolidar esses frutos, o missionário instituiu
a Confraria do Santíssimo Sacramento, restabeleceu o costume das orações da
manhã e da noite nos lares, e um modo de socorrer os pobres da paróquia.
Sua energia contra as blasfêmias só igualava no
seu amor paternal no confessionário. Certa vez, tendo um homem ousado blasfemar
em sua presença, deu-lhe sonora bofetada. A uma mulher que fizera o mesmo,
cobriu-lhe a boca com barro. O mais surpreendente é que, em ambos os casos,
vendo que o sacerdote fora movido por seu amor inflamado pela glória de Deus, o
primeiro ajoelhou-se imediatamente a seus pés pedindo perdão, e a segunda
afastou-se compungida.
Para o zelo do missionário, não havia limites.
Dava aulas de catecismo às crianças, evangelizava os adultos, visitava os
prisioneiros e os doentes e conduzia à emenda mulheres de má vida. Assistia os
moribundos e tinha um dom especial para dispô-los a morrer santamente. Fundava,
com as senhoras da cidade, associações de caridade para amparar as famílias
pobres, e, quando necessário, ia ele mesmo mendigar para socorrê-las.
Chegou a La Louvesc doente e perigosamente
febril. Mas, como havia uma enorme multidão de fiéis que desejavam ouvir seus
sermões, pregou por três dias seguidos. Os intervalos de descanso foram
utilizados para o atendimento no confessionário. Pediu então para ser levado a
um estábulo, a fim de ter a consolação de expirar num estado semelhante ao do
nascimento de Cristo, era o dia 31 de dezembro de 1640.
Tantos foram os milagres ocorridos em seguida
junto à sua sepultura, que os Arcebispos e Bispos do Languedoc francês escreveram
uma carta ao Papa dizendo: “Somos testemunhas de que diante do túmulo do
Pe. João Francisco de Régis os cegos veem, os coxos andam, os surdos ouvem, os
mudos falam, e o ruído dessas assombrosas maravilhas espalhou-se por
todas as nações”. O Sumo Pontífice Clemente XI beatificou então o
grande jesuíta em 1716 e seu sucessor canonizou-o em 1737.