Filha de um brilhante advogado e excelente católico, sua
mãe era descendente da Venerável Ana Madalena Remuzat, a visitandina que
durante a peste de 1720 havia conseguido que Marselha se consagrasse ao Coração
de Jesus. Assim, a devoção ao Sagrado
Coração era considerada "patrimônio familiar".
Madre Maria de Jesus foi uma religiosa, uma
contemplativa, mas não vivia nas nuvens, fora do mundo. Nem era ignorante ou
ingênua. A família e o ambiente do qual provém lhe abriram os olhos a tudo.
Assim, o quadro que traça nesta carta de 8 de dezembro de 1882 é completo, a
visão da História do mundo é lúcida, com um conhecimento claro de quanto gera
na sociedade a rebelião contra Cristo e a Sua Igreja. Na segunda parte da
carta, ela escreve:
"Ao ver o
triunfo do erro, a aparente legalidade com que se quer legitimar tanto mal,
deveríamos nos desesperar do presente e do futuro? Não, irmãs, nunca! Jesus
venceu satanás e o mundo! A Jesus Cristo pertence todo poder; ao ouvir o seu
Nome todos os joelhos se dobram, inclusive nos abismos. As nações Lhe foram
dadas em herança. Enquanto Ele permite que o monstro infernal se
agite aos seus pés em fugazes e falsos sucessos, Ele vence e triunfa, os Anjos
já cantam a Sua vitória definitiva. As portas do inferno não prevalecerão
contra a Igreja fundada por Ele. O triunfo final não é para aqueles que
trazem as insígnias do dragão, mas para nós que levamos o nome de Jesus Cristo
sobre nossas frontes e o Seu amor em nossos corações!"
Maria nasceu em Marselha a 28 de maio de 1841. Foi
educada pelos pais e pelas religiosas da Visitação. Um dia as Irmãs contam suas
travessuras ao Monsenhor de Mazenod, fundador dos Oblatos de Maria Imaculada,
que lhes responde: "Não se
inquietem, são coisas de menina; verão que um dia será a Santa Maria de
Marselha".
Aos 16 anos, prossegue sua formação em Lyon com as
religiosas do Sagrado Coração, fundadas por Santa Sofia Barat.
Terminados os estudos superiores em 1858, fez exercícios
espirituais e consultou São João Batista Vianney, o Santo Cura d’Ars, sobre a
própria vocação. O Santo respondeu-lhe: “Minha
filha, antes de a conheceres, terás de rezar muitos Veni, Sancte Spiritus (Vem,
Espírito Santo). Sim, serás toda de Deus, mas deverás esperar longamente
no mundo”. De fato, aguardou durante anos a inspiração do que Deus queria
dela.
Embora ainda vivendo com a sua família, ocupando-se de
seus pais, pratica as obras de apostolado, coloca-se a serviço dos pobres,
ajuda os sacerdotes e as missões. Daniel Comboni, em sua viagem à França, teve
a ajuda da jovem Maria.
Em 1864, providencialmente cai em suas mãos um folheto
procedente da Visitação de Bourg-en-Bresse intitulado: Guarda de honra do
Sagrado Coração: finalidade da obra. A jovem lê e relê essas linhas que parecem
dirigidas a sua alma de fogo. A 7 de fevereiro escreve ao Mosteiro solicitando
ser inscrita na Guarda de honra e oferecendo-se, cheia de entusiasmo,
para trabalhar pela obra.
Inicia-se então uma ativa correspondência entre a Irmã
Maria do Sagrado Coração e a "pequena Maria", como a chama
carinhosamente a fundadora. Maria consegue seu primeiro êxito fazendo chegar a Guarda
de Honra até Santa Sofia Barat, que se inscreve com todas suas religiosas.
No dia 5 de junho do mesmo ano, o Cardeal de Villecourt
consagra solenemente a nova igreja de Nossa Senhora da Guarda, em Marselha.
Graças à direção espiritual do Padre Calage, ela vai
pouco a pouco conhecendo a sua vocação. O Bem-aventurado Papa Pio IX e o
Cardeal Dechamps, Arcebispo de Malines-Bruxelas, se interessaram por ela. Este
último a define como “a Santa Teresa d’Ávila do nosso século”.
Finalmente, a 20 de junho de 1873, solenidade do Sagrado
Coração de Jesus, com algumas amigas, funda
o Instituto das Filhas do Coração de Jesus, cuja finalidade é dedicar-se, na
clausura, à adoração da Eucaristia, à oração e à imolação pela conversão do mundo distante de Deus,
reparação pelos sacrilégios e pela santificação dos sacerdotes. O centro é Jesus Eucarístico oferecido ao
Pai em todos os altares do mundo, presente no Tabernáculo, adorado noite e dia,
vivido na intimidade da graça santificante e da caridade. O seu modelo, como
ela mesma explica, é Nossa Senhora.
Seguiram-se breves e densos anos. Muitas jovens acorreram
e Madre Maria de Jesus – nome que adotou quando se tornou religiosa – funda
mais dois mosteiros: Aix-en-Provence eLa Servianne, perto de Marselha, numa
propriedade herdada de sua mãe.
Madre Maria cresce na intimidade com Jesus, educa as suas
“filhas” nessa intimidade com Ele e na doação total. As suas “filhas” a amam
como a uma mãe.
No mês de abril de 1882 é obrigada a fechar o mosteiro de
Aix-en-Provence devido à ameaça de perseguição por parte do governo francês. As
religiosas são acolhidas parte em Berchem, parte em La Servianne.
Madre Maria de Jesus escreve: “Legalmente, eles não têm nenhum poder sobre nós na La Servianne:
estou na minha casa, na propriedade da minha família por quatro gerações e
nenhum tribunal pode me mandar sair daqui. Mas, em nome da revolução, com
o motim, os infames poderão quanto Deus permitir. Não haverá regras que os
detenham. Quanto a nós, permaneçamos muito tranquilas...”.
"A Igreja
prossegue de luta em luta, de conquista em conquista, até a eternidade bendita.
Engana-se quem quisesse, no momento presente, julgar o conjunto das coisas. Nós
temos a promessa e a certeza da vida eterna e, aquilo que conforta: Deus
triunfa tão mais grandiosamente quanto mais a nós custa a vitória...."
"A nossa tarefa
é lavrar a terra, trabalhar removendo penosamente o terreno! Outros colherão a
seara... Mas esta, fecunda e copiosa, será colocada certamente no celeiro do
Pai celeste... Modestas operárias desta grande obra, trabalhemos no silêncio e
na esperança. Rezemos - é a condição para o sucesso; reparemos,
porque a dor suprema é a de ver Deus ultrajado e blasfemado; soframos,
lutemos, morramos, se for preciso, certas de que lá no alto a Providência vela,
a Onipotência de Deus nos assiste e tornar-se-á vitoriosa..."
"Nós somos da
estirpe de Maria Santíssima, a qual Deus mesmo pôs na inimizade perpétua com a
raça de satanás, estirpe à qual Ele dá a vitória por meio de Jesus Cristo, sem,
entretanto, eximi-la da fadiga, nem privá-la da honra e do mérito da luta".
Madre Maria de Jesus teve que vencer não poucas
dificuldades até ver o seu Instituto aprovado. Governou-o apenas durante dez
anos, porque no dia 27 de fevereiro de 1884 foi barbaramente assassinada por um
jardineiro que havia sido despedido do Convento La Servianne por sua
preguiça e desleixo. Ele era ligado a grupos anarquistas e nela o assassino
descarregou o seu ódio à Fé. Suas últimas palavras são: "Eu o perdôo! Pela a Obra!" Ela
se tornou virgem e mártir como sempre havia desejado.
A 22 de outubro de 1989 foi solenemente beatificada pelo
Papa João Paulo II em Roma.