Marcela nasceu por volta do ano 325 em Roma,
tendo como ancestrais cônsules e governadores de províncias. Cresceu em meio ao
luxo, numa família ilustre, frequentando os mais altos ambientes de Roma.
A presença pagã ainda era forte no Império
quando Marcela nasceu. Havia decorrido pouco mais de uma década do Edito de
Milão (ano 313), pelo qual Constantino tirou a Igreja das catacumbas, dando-lhe
liberdade e permitindo sua expansão.
Santa Marcela viveu parte de sua vida durante o
reinado desse imperador. Roma já não era mais a orgulhosa cidade que causava
inveja a todos os povos. Com a divisão do Império e a importância que adquiriu
Bizâncio ao se tornar Constantinopla, perdera muito de sua grandeza.
Durante a vida de Santa Marcela, a Cidade
Eterna tornou-se cobiçada como possível presa por vários povos bárbaros. Foi
várias vezes sitiada e por fim saqueada a ferro e fogo.
Com a educação que recebeu, Marcela tornou-se
uma donzela muito culta, capaz de manter conversação em qualquer campo do
saber. Perdeu o pai após a adolescência, e o marido sete meses depois de
casada. Jovem, bela, de alta estirpe, logo apareceram vários pretendentes à sua
mão, mas ela tinha decidido consagrar-se inteiramente a Jesus Cristo.
Até essa época, nenhuma grande dama de Roma
tinha feito profissão de vida monástica, e era mesmo degradante aos olhos das
classes mais elevadas pensar em tal possibilidade. Teve, portanto, que desafiar
o ambiente mundano que a cercava, ao tornar-se a primeira grande dama romana a
professar abertamente a vida de devoção. Entretanto, “bela, rica, de alta linhagem, muito
culta, perfeitamente ao nível de tudo o que Roma encerrava de mais refinado e
erudito, ninguém se atrevia a desconsiderá-la”. As elites, quando
dão o bom exemplo, arrastam para Deus.
Marcela entrou em contacto com alguns
sacerdotes de Alexandria que se haviam refugiado em Roma, devido à perseguição ariana.
Deles ouviu o relato da vida de Santo Antão, ainda vivo, e de como funcionavam
os mosteiros da Tebaida fundados por São Pacômio para virgens e viúvas.
Resolveu pautar sua vida pela dessas virgens da solidão.
Vestiu-se com uma pobre túnica, passou a jejuar
moderadamente por causa de sua frágil saúde, e a dedicar longo tempo à oração e
ao estudo das Sagradas Escrituras. Aos poucos algumas virgens e viúvas,
seguindo seu exemplo, uniram-se a ela e passaram a dedicar-se também à vida de
piedade e ao estudo. Entre estas destacamos Santa Paula, de tão alta estirpe
quanto a sua, que também tinha consagrado a Deus sua viuvez.
São Jerônimo afirma que “foi na cela de Marcela que Eustóquia [filha
de Paula, ainda criança], esse
paradigma de virgens, foi gradualmente formada”. Mais tarde
Santa Eustóquia mudou-se com sua mãe para a Terra Santa, a fim de trabalharem
com São Jerônimo.
No ano 382 o imperador Teodósio (com razão
chamado “o Magno”) e o Papa São Dâmaso resolveram convocar um sínodo em Roma
para combater as heresias, que pululavam principalmente no Oriente. Entre os
que compareceram figuravam Santo Epifânio, bispo de Salamina (Chipre), e São
Paulino, bispo de Antioquia. Com eles veio a Roma o monge Jerônimo, já então
com fama de grande exegeta. Adoecendo Santo Ambrósio, que deveria ser o
secretário do sínodo, São Dâmaso nomeou São Jerônimo para substituí-lo.
Esse futuro Doutor da Igreja assinalou-se tanto
por sua erudição e segurança de doutrina que, terminado o sínodo, São Dâmaso
escolheu-o para seu secretário particular.
Santa Marcela, estudiosa erudita das
Escrituras, tudo fez para que o santo a dirigisse, com suas discípulas, nos
estudos e na vida de piedade. Conta São Jerônimo: “Em minha modéstia,
evitava os olhos das damas de alta categoria. Contudo ela pleiteou tão
pressurosamente — ‘oportuna e importunamente’ (2 Tm 4, 2), como diz o
Apóstolo — que por fim sua perseverança superou minha relutância. E, como
nesses dias meu nome tinha alguma fama como estudante das Escrituras, ela nunca
veio me ver sem que me perguntasse alguma questão relativa a elas; nem
aquiescia logo às minhas explicações, pelo contrário, as debatia. Não era,
entretanto, para discutir, mas para aprender as respostas às objeções que
poderiam ser feitas aos meus pronunciamentos”.
Com admiração, acrescenta: “Quanta
virtude e habilidade, quanta santidade e pureza encontrei nela, espanto-me em
dizer. [...] E o que em mim era o fruto de longo estudo e, como tal, feito pela
constante meditação que se tornou parte de minha natureza, isso ela saboreou e
fez como próprio dela” (Carta 127, 7).
Quando São Jerônimo retirou-se para Belém,
Santa Marcela ficou como árbitra em matéria de Sagrada Escritura para os
discípulos que o santo deixara em Roma, inclusive alguns sacerdotes.
Santa Marcela tinha uma irmã mais nova, Santa
Asélia, que fora consagrada a Deus desde o seio materno, e embora vivessem sob
o mesmo teto, as duas irmãs pouco se viam e pouco se falavam, cada uma entregue
às suas próprias orações e mortificações.
Falando ainda à virgem de nome Princípia,
discípula de Marcela, diz São Jerônimo: “Vós duas moráveis na mesma
casa e ocupáveis o mesmo quarto, de maneira que todo mundo na cidade soube com
certeza que encontrastes nela uma mãe, e ela em vós uma filha. Vós duas
encontrastes nos subúrbios uma reclusão monástica, e escolhestes o campo em vez
da cidade para vossa solidão. Por longo tempo morastes juntas, e como outras
senhoras pautaram sua conduta pelos vossos exemplos, tive a alegria de ver Roma
transformada em outra Jerusalém. Os estabelecimentos monásticos para virgens
tornaram-se numerosos, e os eremitas lá eram em número incontável”.
São Jerônimo diz que Sanat Marcela estava
atenta à pureza da fé. E quando surgiram em Roma, ou nela se tornaram
conhecidas algumas heresias como a dos pelagianos, ela pôs-se em guarda: “Consciente de que a fé de Roma —
louvada por um apóstolo (Rm 1, 8) — estava agora em perigo, e de que essa nova
heresia estava levando consigo não somente padres e monges, mas também muitos
leigos, [...] ela resistiu a seus mestres, escolhendo agradar antes a Deus que
aos homens”.
Em 410, quando Alarico e os seus bárbaros
invadiram Roma, encontraram no prestigioso bairro do Aventino a casa de Santa
Marcela. Apesar dos seus 85 anos de idade, ela os recebeu sem nenhum temor.
Quando perguntaram por ouro, mostrou-lhes seu pobre hábito como prova de que
vivia na pobreza. Mas eles não acreditaram, e flagelaram-na impiedosamente.
Esquecida de si mesma, ela só pedia que poupassem sua discípula Princípia,
então ainda nova, pois sabia que a ela, octogenária, eles não ultrajariam, o
mesmo não se dando com a jovem virgem. Afinal os bárbaros levaram as duas para
a basílica de São Paulo Apóstolo, e lá as abandonaram. Poucos dias depois,
Santa Marcela entregava sua alma a Deus.
A festa de Santa Marcela comemora-se a 31 de
janeiro.