Podemos
interrogar-nos se, ao menos uma vez por dia, confessamos ao Senhor o amor que
Lhe temos; se, entre tantas palavras de cada dia, nos lembramos de Lhe dizer: “Amo-Vos,
Senhor. Vós sois a minha vida”. Com efeito, se se perde de vista o amor, a vida
cristã torna-se estéril, torna-se um corpo sem alma, uma moral impossível, um
conjunto de princípios e leis a respeitar sem um porquê.
Papa Francisco –
Homilia de Canonização – 15 de outubro de 2017
Grande missionário
da Calábria, por mais de quarenta anos, anuncia o amor de Deus. À luz da sua
ardente palavra e do testemunho de vida, os bons tornam-se melhores, os
pecadores convertem-se: é uma autêntica ressurreição espiritual. Torna-se, assim,
o grande pregador popular da sua época.
Em Acri - Calábria,
em Outubro de 1669, nasce aquele que mais tarde viria a ser o grande apóstolo
da sua terra e uma genuína glória dos Capuchinhos. Montanhês de nascimento e
educação, o Beato Ângelo conservará no modo de falar e de agir, a par do seu temperamento, um tanto rude, o forte caráter e a indomável energia de seus
conterrâneos.
Manifesta desde criança um grande amor à
oração e à mortificação. Um dia, a mãe, no regresso da igreja, vê a sua casa
inundada de luz. Que aconteceu? O seu filhinho estava de joelhos, e da imagem
da Virgem Maria partiam raios luminosos que o transfiguravam totalmente e lhe
envolviam a cabeça como uma auréola. «Certamente
o meu filho será chamado por Deus a grandes coisas».
Um austero
Capuchinho, descalço e com palavras de fogo, viera pregar à sua terra. Sente o
chamamento de Deus: «Também eu quero ser como aquele Irmão e fazer o mesmo que ele faz».
Apresenta-se e expõe-lhe a sua inquietação.
Apesar de todos os obstáculos da família, ingressa como noviço na Fraternidade
para iniciar o itinerário da sua formação. Está com 18 anos. Mas, quando menos
se pensa, eis que o demônio o vem tentar. E são tão fortes as sugestões do
tentador que o pobre jovem volta para a família. Mas, no seu coração, ele
deseja ser Capuchinho, sente que deve ser Capuchinho.
Pede de novo para entrar e de novo é aceito.
Agora começa da melhor maneira e vai em frente. Mas eis que, mais uma vez, se
revela o espírito das trevas: apodera-se dele um desânimo destruidor e um
desinteresse por tudo. E, pela segunda vez, diz adeus ao Noviciado. Mas a voz
de Deus continua a inquietá–lo e a fazer-se sentir na sua vida. E ele procura
viver de uma maneira digna para poder ouvir a Sua voz.
Finalmente, em 1690, com vinte anos
completos, voltará, pela terceira vez, a pedir, a bater, a suplicar. Desta vez
vencerá. Enquanto se dirige para o convento de Bel-verde, sai ao seu encontro
um enorme cão que se põe a ladrar furiosamente: o animal parece querer
barrar-lhe o caminho. O santo jovem, amadurecido pela experiência, reconhece o
embuste. Enfrenta o furioso animal e grita–lhe: «Besta maldita, vai-te embora! Vai para as profundezas do inferno».
No mesmo instante o cão desaparece e ele pôde continuar a sua viagem. Poucos
dias depois consegue obter tudo o que o seu coração anseia.
Era o dia 12 de Novembro de 1690: veste o
santo hábito para nunca mais o deixar, e recebe o nome de Ângelo. Um dia,
desanimado e desesperado com novas angústias e tentações, lança-se aos pés do
crucifixo, e implora: «Senhor Jesus,
tende piedade de mim! Não posso mais! Ajudai-me». E obtém a resposta: «Caminha
sobre as pegadas de Bernardo de Corleone». Era um claro convite à
penitência. Frei Ângelo não rejeita esse convite. Desta maneira vence-se a si
mesmo, domina o seu amor próprio, atinge os confins do céu infinito e descansa
em Deus.
Desejava viver sempre na solidão do seu paradisíaco
quartinho e no recolhimento silencioso da igreja! Mas os Superiores
confiam-lhe o ministério da pregação. «Seja
feita a vontade de Deus».
Desde o início,
pensa dever dar aos seus sermões uma forma mais simples e agradável. Mas eis
que, num dos momentos mais empolgantes da sua prédica, perde o fio à meada e, completamente desorientado, não consegue acabar.
O servo de Deus, que se sentia seguro da sua memória e da sua preparação, não compreende o que se passa. Humanamente
falando era o fracasso total. Que queria Deus dele? No silêncio do convento
mortifica-se e chora mas, ao mesmo tempo, pede humildemente ao Senhor lhe manifeste a Sua vontade. E a resposta vem: «Não
temas, dar-te-ei o dom da pregação e abençoarei as tuas canseiras» — «Quem
sois vós»? De repente, o pavimento e as paredes do quarto são
sacudidas como que por um terremoto, e ele ouve distintamente estas palavras: «Eu sou o que sou»! Doravante prega de
forma simples e popular, de modo que todos entendam.
Excepcionalmente aos 42 anos, devido à
ressonância carismática da sua pregação, o Cardeal Pignatelli convida-o a
pregar a Quaresma em Nápoles. A obediência é sempre santa. E aceita o convite.
Começa a Quaresma. A maior parte da gente, habituada a outro estilo de
pregação, mostra-se desiludida, descontente e não se cansa de o criticar. No
segundo dia, o auditório é reduzidíssimo; ao terceiro dia, cinco a seis
pessoas. O pároco sente-se no dever de intervir, e faz compreender ao padre
Ângelo que será melhor regressar às aldeias da Calábria. Ele parte. À noite chega a Torre dei Greco.
Entretanto o Arcebispo, informado do
acontecido, não aceita de maneira alguma a sua substituição. Manda-o chamar «para que prossiga a quaresma». «Os Superiores querem que seja assim, pois que
assim seja». E regressa ao púlpito. Desta vez o auditório é numerosíssimo e
ouve-o com atenção. Também lá se encontra um jornalista, vindo, como outras
vezes, com o único objetivo de anotar as suas imperfeições de forma e de o
tornar objeto de mofa e de riso entre os amigos. Mas a brincadeira sai-lhe
cara. Terminada a pregação, o servo de Deus recomenda em voz alta: «Recitemos
um Pai Nosso e uma Ave Maria pela alma daquele que, ao sair da igreja, cairá repentinamente morto». Há quem sorria e graceje com a ingenuidade do
pregador-profeta, mas, passados alguns instantes, o jornalista é acometido de
um mal imprevisto e entrega a sua vida ao Criador. Todos recuperaram novo ânimo
e, a partir de então, o auditório tornou-se ainda mais numeroso e assíduo.
Devido aos seus dotes e à sua virtude,
nomeiam-no Superior. Foi mais do que superior. Foi um pai. Também o elegem
Provincial por um triênio. E pelo seu zelo em promover a concórdia entre os
religiosos foi chamado o «Anjo da paz».
Fiel cumpridor da seráfica Regra,
pontualíssimo aos atos comunitários, até mesmo adoentado era assíduo, de dia e
de noite, à oração da Fraternidade.
De uma intensa vida interior, a cada passo se
ouvia gritar: «Como é bom amar a Deus!
Como é bom amar a Deus! O Amor não é amado».
Tinha uma ardente devoção à Paixão de Cristo.
Em Acri, no ano de 1714, encontrando-se em oração, sente o seu coração ser
trespassado por uma espada invisível. O sofrimento é agudíssimo e ele teria
prorrompido em gritos lancinantes, se não visse ali perto de si, Cristo flagelado e preso à coluna, cheio de chagas e de sangue. E uma visão do Paraíso. Jesus
diz-lhe: «Que graça queres que te
faça»? — «Senhor, só quero aquilo
que Vós quiserdes». O Beato conservará no coração a ferida aberta pela
misteriosa espada: a dor não será sempre igual, mas, a certas horas, é tão
lancinante que se sente morrer.
Tem uma fé tão viva que ela lhe faz ver o
Filho de Deus na Eucaristia, como se não existissem véus. A sua alegria é o
altar. Na celebração da santa Missa, a sua alma é incapaz de conter o ímpeto e
o ardor das comunicações divinas.
Para com a Rainha do Céu tem uma devoção profunda e cheia de ternura: com o santo Rosário reza também todos os dias o Ofício
Mariano; quando a Liturgia o permite, celebra a Missa votiva de Nossa Senhora
das Dores.
Quando regressava
da pregação à Fraternidade, era um bom e estimulante exemplo para todos e
também um conforto para o Superior. Um dia foi pedir ao padre Superior licença
para uma coisa insignificante. «Padre
Ângelo —responde-lhe — não tens já licença para fazeres o que
quiseres? Dou-te inteira liberdade». — «Padre
Superior, não me fale assim. O senhor é o Superior. Obediência! Obediência»!
Uma outra vez o padre Superior entra no seu
quarto para lhe falar e pergunta se está livre. O servo de Deus levanta-se
depressa, acolhe-o amavelmente e diz-lhe: «Pergunta-me
se estou livre? Devo porventura ter ocupações diversas daquelas que vós
quereis»?
Era muito humilde. Repetia: «Meu Deus, não sou nada. Tudo é dádiva de
Deus. Prego, sim, mas não sou mais que um pobre e vil instrumento, como a burra
de Balaão».
Aos setenta anos ainda parecia um jovem. Mas
tinha dito: «Chegarei aos setenta, mas
daqui não passarei». E começaram então a aparecer os indícios do seu fim próximo. Perdia a vista, mas recuperava-a para celebrar a Missa e recitar a
Liturgia das Horas. Teve a consolação de rever Acri e de se encontrar com a sua
querida e amada Senhora Dolorosa. A 24 de Outubro de 1739 foi acometido de
febre. A 28, desceu à igreja para receber o Santo Viático; ouviu a santa missa.
O médico dizia: «Não é uma doença de morte». Mas ele respondia: «Deus chama-me». Fazia-lhe companhia também um cônego, e este sugeria-lhe a oração de São Martinho: «Meu Deus, se
sou necessário ao Vosso povo, não recuso o trabalho». A resposta veio rápida: «Só Deus é necessário». Mesmo em estado
gravíssimo, continuava a orar, a humilhar-se, a repetir: «Pequei, Senhor! Tende piedade de mim»!
A 30 de Outubro, uma Sexta-feira, partiu ao
encontro de Deus.
Foi declarado Beato por Leão XIII a 18 de
Dezembro de 1825 e canonizado pelo Papa Francisco em 15 de outubro de 2017.