(...) Agora, para
colocarmos fim aos exemplos antigos, passemos aos atletas que nos tocam de
perto; verifiquemos os nobres exemplos da nossa geração.
Por ciúme e inveja
foram perseguidos e lutaram até à morte as nossas colunas mais elevadas e
retas.
Fixemos nossos
olhos sobre os valorosos apóstolos: Pedro, que por ciúme injusto não suportou
apenas uma ou duas, mas numerosas provas e, depois de assim render testemunho,
chegou ao merecido lugar da glória.
Por ciúme e
discórdia, Paulo ostentou o preço da paciência. Sete vezes acorrentado,
exilado, apedrejado, missionário no Oriente e no Ocidente, recebeu a ilustre
glória por sua fé. Ensinou a justiça no mundo todo e chegou até os confins do
Ocidente, dando testemunho diante das autoridades. Assim, deixou o mundo e foi
buscar o lugar santo, ele, que se tornou o mais ilustre exemplo da paciência.
A esses homens de
conduta santa, ajuntou-se grande multidão de eleitos que, por ciúme, suportaram
muitos insultos e torturas, transformando-se no mais belo exemplo entre nós.
Por ciúmes,
mulheres foram perseguidas, como Danaídes e Dircês, e sofreram afrontas cruéis
e sacrílegas, percorrendo a segura trajetória da fé e obtendo o nobre prêmio,
elas, que eram fracas de corpo. Foi o ciúme que separou esposas e maridos,
afrontando a palavra de nosso pai Adão: "Ela é osso dos meus ossos e carne da
minha carne".
Ciúme e intriga
destruíram grandes cidades e eliminaram nações poderosas.
Caríssimos, ao vos
escrever tais coisas, não apenas vos levamos a refletir, mas também advertimos
a nós mesmos, já que nos encontramos no mesmo campo de batalha, nos esperando a
mesma luta.
Abandonemos, assim,
as opiniões vazias e tolas, voltando-nos para a gloriosa e santa regra da
tradição. Vejamos o que é belo, agradável e aceito aos olhos daquele que nos
criou. Fixemos a vista no sangue de Cristo e compreendamos o quanto é precioso
aos olhos do Pai pois, derramando-o por nossa salvação, ofereceu-o ao mundo
inteiro pela conversão. Percorramos todas as gerações e aprendamos que de
geração em geração o Senhor deu possibilidade de conversão àqueles que a Ele
quiseram retornar.
Noé anunciou a
conversão e os que a aceitaram se salvaram. Jonas anunciou a ruína aos
ninivitas; os que fizeram penitência de seus pecados, por suas súplicas,
reconciliaram-se com Deus e alcançaram a salvação, ainda que fossem estranhos a
Deus.
Sobre a conversão
falaram os ministros da graça de Deus, sob inspiração do Espírito Santo. Sobre
a conversão também falou o próprio Senhor de tudo, ao jurar: "Tão
certo como vivo - diz o Senhor - não quero a morte do pecador, mas sua
conversão". E acrescentou: "Convertei-vos de vosso erro, casa de
Israel! Dize aos filhos do meu povo: 'ainda que os vossos pecados se
amontoassem da terra até o céu, ainda que estes fossem mais vermelhos que a
púrpura e mais negros que o saco, se vos voltardes para mim de todo coração e
disserdes: 'Pai!', eu vos atenderei como se fosses um povo santo'".
Em outra parte,
ainda fala: "Lavai e purificai-vos. Afastai dos meus olhos as maldades de
vossas almas. Deixai vossas maldades e aprendei a praticar o bem; procurai a
justiça, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva, e então
vinde para colocarmos as coisas em ordem - diz o Senhor. E se os vossos pecados
forem como a púrpura, os tornarei brancos como a neve; se forem escarlate como
a lã, os farei alvos. Se vos dispuserdes a me escutar, comereis os bens desta
terra; porém, se não quiserdes me ouvir, a espada vos devorará - assim fala a
boca do Senhor".
No desejo de levar
a todos os seus amados a participarem da conversão, fortaleceu-vos por sua vontade
todo-poderosa. Por isso, obedeçamos a sua vontade excelsa e gloriosa.
Supliquemos, prostrados, pela piedade e bondade. Recorramos à sua misericórdia.
Abandonemos a vaidade, a discórdia e o ciúme que conduz à morte. Fixemos o
olhar naqueles que serviram com perfeição a sua magnífica glória. Tomemos, por
exemplo, Henoc, que, encontrado justo em sua submissão, foi arrebatado e não se
encontrou indício de sua morte. Noé, reconhecido fiel, recebeu o encargo de
anunciar o renascimento do mundo e o Senhor salvou, por ele, os seres que
entraram em harmonia na sua arca. Abraão, proclamado "o amigo", se
revelou fiel em sua submissão à palavra de Deus. Por obediência, ele saiu de
sua terra, deixou seus parentes e a casa do pai, saindo de uma terra pequenina,
parentes sem importância, uma casa modesta, para herdar as promessas de Deus. (...)
Portanto,
tornemo-nos humildes, irmãos, deixando de lado toda a ostentação, o orgulho, o
excesso e a ira, e cumpramos o que está escrito. Pois assim diz o Espírito
Santo: "Não se orgulhe o sábio em sua sabedoria, nem o forte em sua
força, nem o rico em sua riqueza, mas aquele que se gloriar, glorie no Senhor,
procurando-O e praticando o direito e a justiça". Antes de mais
nada, recordemos as palavras ditas por Jesus, mestre da equidade e
grandiosidade.
Pois foi ele que
disse isto: "Sede misericordiosos para obterdes misericórdia. Perdoai para que
sejais perdoados. Assim como fizerdes, assim vos será feito. Da forma como
derdes, assim vos será dado. Do modo como julgardes, assim sereis julgados.
Como fizerdes o bem, assim vos será feito. Com a medida que medirdes, também
vos será medido em troca"
Com este mandamento
e estes preceitos, fortaleçamo-nos, para que possamos andar humildes e
submissos às suas santas palavras. Pois a sagrada palavra assim reza: "Para
quem hei de olhar senão para o manso e pacífico e para aquele que respeita os
meus oráculos?".
É justo e santo,
irmãos, tornarmo-nos submissos a Deus do que seguirmos aqueles que se deixam
guiar pela arrogância e orgulho, aos promotores do ciúme.
Estaremos nos
expondo não a um prejuízo qualquer, mas a um grande perigo, se nos entregarmos
aos caprichos dos homens, que buscam a discórdia e a revolta para nos separar
da boa conduta.
Sejamos bondosos
uns para com os outros, seguindo a misericórdia e doçura do nosso Criador. Pois
assim está escrito: "Os mansos habitarão a terra, os inocentes serão deixados sobre
ela enquanto os pecadores serão exterminados dela".
São
Clemente Romano (Papa) – Trecho da Carta aos Coríntios – ano 96