quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 31 de outubro - Wanda Maria Błeńska


Wanda Maria Błeńska nasceu a 30 de outubro de 1911 em Poznan (Polônia), e em 9 de dezembro do mesmo ano foi batizada. Em virtude da doença que atingiu a sua mãe, a família mudou-se para Puszczykowo, mas seu estado de saúde não melhorou.
Contando apenas quinze meses, a pequena Wanda ficou órfã de mãe. Em 1920, com o seu pai e o seu irmão Roman, mudou-se de novo, desta vez para Torun. Aí, fez a Primeira Comunhão e frequentou a escola média feminina estatal. Em 1928, passou no exame de maturidade e recebeu o diploma do ensino secundário.
Em seguida deu o primeiro passo para realizar o seu sonho, regressando a Poznan para estudar na Faculdade de Medicina. Embora ainda tivesse de esperar muitos anos para partir em missão, enquanto estudava envolveu-se muito no ambiente missionário, tanto em Poznan como a nível nacional.

Inicialmente fazia parte da Secção Missionária do movimento de Sodalicja Marianska, depois teve a ideia de fundar um Círculo Acadêmico Missionário.

Durante vários anos participou nos congressos missionários nacionais e internacionais. Em 1931, tornou-se membro do conselho de administração do grupo missionário de Poznan.
Em 1932, Wanda recebeu, do Papa Pio XI, o diploma para difundir a Pontifícia Obra da Propagação da Fé. Wanda licenciou-se em Medicina a 20 de junho de 1934. Depois de ter terminado os estudos, começou a trabalhar, primeiro no hospital municipal, depois, até ao fim da guerra, no Instituto Nacional da Higiene. Em 1942, incorporou-se nas fileiras da organização militar secreta Gryf Pomorski, que mais tarde passaria a integrar a Armia Krajowa (o Exército Nacional, principal movimento de resistência da Polônia ocupada; em 1978, Wanda receberia a condecoração da Cruz de Armia Krajowa).

A 23 de junho de 1944, dia do seu onomástico, Wanda foi presa pela sua atividade conspiratória. Na prisão foi condenada à morte, mas, ao fim de dois meses de prisão, viria a ser libertada. Depois da guerra, Błeńska assumiu a direção de um dos hospitais de Torun e trabalhou no Departamento de Higiene de Danzig. Em 1946, decidiu ir visitar o seu irmão Roman, moribundo, que estava na Alemanha. Não tendo recebido o seu passaporte, tomou um navio para Lubeque, onde, depois de ter viajado escondida no depósito de carvão, se encontrou com o seu irmão. Após a morte de Roman, já não conseguiu regressar à Polônia. Ficou na Alemanha, onde trabalhou em hospitais militares polacos.

Em 1947 frequentou o curso de Medicina Tropical, em Hamburgo, quando conheceu um missionário da Congregação dos Padres Brancos, que lhe falou dos seus planos de construção de um leprosário em Fort Portal, no Uganda.

Em 1950, a Dra. Błeńska foi convidada pelo bispo local para trabalhar no Uganda e, em março desse mesmo ano, deu início ao seu serviço no hospital de Fort Portal. Infelizmente, porém, o leprosário nunca viria a ser construído. Os hospitais de Nyenga e Buluba, construídos nos anos trinta pela Madre Kevin, representavam, no Uganda, os primeiros centros de tratamento da lepra. Durante anos trabalharam aí apenas enfermeiros e técnicos de laboratório. Faltavam os médicos. A 24 de abril de 1951, Błeńska chegou a Buluba, junto ao lago Vitória, e começou a trabalhar no hospital de São Francisco, onde permaneceria por mais quarenta anos como médica e missionária leiga.

Chamavam-lhe a «Mãe dos Leprosos». Graças ao seu trabalho, ajudou a superar o estigma social em relação aos leprosos e empreendeu muitas ações destinadas a recuperar a sua dignidade. Examinava-os sem luvas, não querendo que se sentissem discriminados, calçando-as apenas quando alguma ferida estava aberta ou quando operava.
Passados anos, contaria: Antes de mais, queria fazer com que os meus pacientes se habituassem à sua doença e se familiarizassem com ela, para reduzir o seu medo. Tal como acontece com qualquer outra doença, também com a lepra os pacientes precisam de se familiarizar. Estes doentes são pobres. Há sempre muita gente que os faz aperceber-se do seu medo. Por vezes cria-se um ambiente de medo, porque o medo difunde-se, é contagioso. Eu dizia sempre a todos: “Olhem para mim, porventura os meus dedos têm chagas?” Sempre mantive os habituais princípios higiênicos: depois de ter examinado um paciente, lavava as mãos. Contudo, lavava-as não só depois de examinar alguém com lepra, mas depois de cada paciente... a fim de que todos pudessem ver que esse gesto faz parte dos hábitos de qualquer médico.

Wanda Błeńska regressou à Polônia em 1992, mas durante mais dois anos ainda viajou entre as suas duas pátrias (Polônia e Uganda). Estabeleceu-se definitivamente em Poznan no ano de 1994. Foi ao Uganda pela última vez em 2006.

Apesar da sua idade avançada, participou na vida missionária da Igreja até ao fim da sua vida. Até aos noventa e três anos ensinou no Centro de Formação Missionária de Varsóvia.

Quando falo com os jovens, digo sempre: “Se tens alguma ideia boa e luminosa, cultiva-a! Não a deixes adormecer, não a rejeites! Mesmo que pareça impossível de alcançar e demasiado difícil, não desanimes. Deves cultivar os teus sonhos!”

Wanda Błeńska morreu em Poznan a 27 de novembro de 2014, com cento e três anos de idade. Atualmente, a arquidiocese de Poznan está recolhendo todo o material relativo à vida e à santidade da Dra. Wanda Błeńska para dar início ao seu processo de beatificação.

Mês Missionário Extraordinário: 31 de outubro - Tu deves ir embora daqui, porque Herodes quer te matar. Lc 13,31


São muitos os obstáculos e os perigos com que Jesus Se deparou e superou com coragem ao longo do caminho para Jerusalém, desde a tentativa dos seus conterrâneos de Nazaré de O empurrarem do alto do monte à ameaça de morte por parte de Herodes Antipas.

Ser procurado por Herodes, na Galileia, é apenas outra perseguição, e não será a última. Embora sabendo que algo ainda mais terrível O espera ali, na cidade santa, confirmando a triste tradição da impiedade de Jerusalém, Jesus não volta atrás.
Nenhuma ameaça O pode impedir de avançar, preparando-Se para enfrentar o dia marcado, nem de O fazer vacilar na sua determinação de realizar o plano de salvação que o Pai Lhe tinha confiado.
Jesus não precisa de revelações nem de visões extraordinárias para saber o que sucederia se interferisse com os poderosos da cidade de Jerusalém, a cidade que Lhe pertencia por direito, como proclama o Aleluia: “Bendito seja aquele que vem como Rei, em nome Senhor! Paz no Céu e glória no mais alto dos Céus!”

Veio em paz, cheio de ternura materna, para reunir e salvar os seus filhos, como uma galinha protege a sua ninhada debaixo das suas asas. Veio para perdoar e salvar o seu povo, não obstante as muitas culpas do passado. Deles – e de todos nós –, pretende apenas o fruto de uma conversão sincera: a prática da fé em Deus e da justiça.

É o Seu amor que nos fortalece, que nos torna confiantes, audazes, invencíveis, não só em relação aos inimigos humanos e visíveis, mas também frente aos espíritos invisíveis, porque Deus está conosco. A acusação dirigida contra nós foi retirada, o pecado foi perdoado, o amor venceu o ódio, a injustiça foi derrotada. Agora, nada nem ninguém jamais nos poderá separar desse Amor. Chegou o momento também para nós de levantar a voz com alegria, dizendo: “Bendito Aquele que vem em nome do Senhor!”

Hoje celebramos:

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 30 de outubro - Vivian Uchechi Ogu


O heroísmo surpreendente da história de Vivian reside no modo extraordinário como ela expressou a sua fé cristã, exercendo uma grande influência sobre a vida dos outros desde a tenra idade de nove anos, e na coragem com que pôs em prática aquilo em que acreditava quando teve oportunidade disso, aos catorze anos, optando por ser morta a ser violada.

Vivian Uchechi Ogu nasceu em Benin City, no estado de Edo, Nigéria, a 1 de abril de 1995, filha de Peter Ogu, de Enyiogugu. Segunda de quatro filhos, a sua família era uma das mais empenhadas na comunidade paroquial de St. Paul.
Ao seu pai foi confiada a missão de organizar os leigos da Igreja Católica da Ascensão, perto das casernas da força aérea nigeriana.

Vivian foi batizada na igreja católica de St. Paul, a 1 de julho de 1995, e recebeu a Primeira Comunhão na mesma paróquia, a 26 de março de 2005. Frequentou a catequese para preparação do sacramento do Crisma, previsto para 2010. Nos estudos, Vivian distinguiu-se como uma das melhores alunas da escola elementar. Combinou o seu êxito escolar com o objetivo fortemente sentido de levar uma vida cristã exemplar, que inspirasse uma grande espiritualidade e um grande amor pelos irmãos e para glória de Deus.

Depois de ter frequentado a escola da Sociedade das Mulheres da força aérea nigeriana, Vivian continuou os estudos na escola secundária Greater Tomorrow, sempre em Benin City. Quando morreu frequentava o liceu. Sonhava ser advogada para lutar em defesa das causas dos pobres e dos oprimidos, sobretudo das viúvas e dos órfãos.
Tornar-se engenheira aeronáutica era outro dos seus sonhos, para provar ao mundo que essa profissão não era apenas para os homens.

O percurso espiritual de Vivian, depois do Batismo, conheceu um novo impulso através da Renovação Carismática Católica, em que começou a participar, graças aos seus pais, que eram membros do mesmo.
Era intensa a sua atividade cristã junto dos seus colegas, mediante conselhos e experiências partilhadas.

A igreja católica de St. Paul propunha que as crianças e os jovens participassem na Eucaristia dominical num lugar especialmente reservado para que recebessem uma instrução bíblica adequada e depois se pudessem juntar aos seus pais para a liturgia eucarística propriamente dita.
Depois da missa, as crianças recebiam mais ensinamentos dos animadores da catequese paroquial. Foi aí que Vivian, aos nove anos de idade, começou a revelar publicamente o seu zelo e coragem ao falar com as outras crianças da amizade com Jesus, da fé, da dignidade da pureza e da virgindade.
Vivian ingressou na comunidade da escola dominical, como então era conhecida, e no coro paroquial. Estava muito empenhada, apesar da sua tenra idade.
Após o ingresso oficial no coro da comunidade cristã, em 2005, que já frequentava, tendo notado que o maestro escolhido para substituir a diretora do coro infantil era inconstante no seu papel, Vivian assumiu o cargo de maestrina do coro pro tempore, sem que lhe tivessem pedido nem tivesse sido eleita. Desejava tanto organizar um coro capaz e disciplinado que, com a ajuda do seu pai, também elaborou um estatuto. A proposta foi aprovada pelo responsável dos animadores paroquiais, e assim nasceu o primeiro estatuto do coro das crianças da paróquia.

Nos quatro anos seguintes, sob a orientação de Vivian, o coro cresceu, passando de um pequeno grupo de cerca de vinte crianças para quase sessenta, no momento da sua morte.

Com a sua fé profunda e o seu amor a Deus e aos seus companheiros, Vivian sugeriu a ideia do sacrifício periódico. Animou as crianças a empenharem-se em vários atos de mortificação tendo em vista a salvação, a sua conversão pessoal e as necessidades materiais e espirituais das crianças mais desfavorecidas da paróquia e do mundo. Não admira, portanto, que, quando a Pontifícia Obra da Santa Infância Missionária (OPSI) foi inaugurada na paróquia de St. Paul, em 2006, Vivian tenha sido eleita por unanimidade sua primeira presidente.

Entre os projetos que coordenou com o seu empreendedorismo contou-se, por ocasião do Dia da Criança de 2008, a angariação de fundos para cobrir as despesas médicas de algumas crianças deficientes do Hospital Central de Benin City, e também para responder às necessidades de algumas crianças dos orfanatos da mesma cidade.

Movida pelo seu amor à Palavra de Deus, empenhara-se em pôr por escrito aquilo que entendia dos evangelhos. Tinha chegado ao capítulo 16 do evangelho de São Mateus quando foi morta.
Através dos cursos de formação arquidiocesanos organizados para as crianças da Obra Pontifícia da Santa Infância, Vivian travou conhecimento com a história de Santa Maria Goretti. Utilizava constantemente a história desta sua santa preferida quando convidava os seus companheiros para uma vida de fé, travando uma amizade pura com Jesus, e os instruía sobre o valor da virgindade.

Com a sua morte heroica, Vivian deu um exemplo concreto de tal ensinamento, que continuou a transmitir até à manhã do próprio dia em que morreu. Domingo, 15 de novembro de 2009, estando em casa, à noite, ladrões armados assaltaram a sua família e depois levaram Vivian e a sua irmã para fora da cidade, para uma zona rural anexa à área industrial governamental da comunidade Evboriaria.
Os ladrões tentaram violá-la, mas Vivian repeliu-os vigorosamente; dispararam contra ela, matando-a.

Depois da Santa Missa do funeral, na igreja católica de St. Paul, o seu corpo foi levado para a sua cidade natal de Aboh Mbaise, para ser sepultado, a 27 de novembro de 2009. Tendo tido notícia da morte heroica da moça, o governo do Estado de Edo concedeu à arquidiocese católica de Benim City o terreno onde Vivian morreu. Desde 2010, todos os fiéis da arquidiocese de Benin City reúnem-se no lugar da sua morte no dia 15 de novembro, por ocasião do Dia da Memória Anual de Vivian Ogu.

A 29 de março de 2014, o arcebispo de Benim City, Augustine Obiora Akubeze, inaugurou o Movimento Vivian Ogu, confiando-lhe a missão de dar a conhecer a história da sua vida exemplar, preservando a terra onde foi morta e recolhendo testemunhos das pessoas sobre as suas virtudes e os seus eventuais milagres, tendo em vista a possível promoção da causa da sua beatificação.

Mês Missionário Extraordinário: 30 de outubro - Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam? Lc 13,22


São poucos aqueles que se salvam?
Eis uma pergunta muito controversa na época de Jesus e talvez também ainda hoje. E nós, pequenos ou grandes, porventura seremos contados entre os benditos?

A resposta de Jesus à pessoa que O interroga sobre o número limitado daqueles que se salvam é extremamente completa e reveladora, abrindo uma janela sobre o horizonte da história humana. O Senhor usa a metáfora da porta estreita para indicar o desafio que tem de enfrentar quem quer entrar na salvação prometida, e a parábola do banquete do Reino para designar os critérios que permitem aos convidados entrar na casa de Deus. Àqueles que declaram: Nós comíamos e bebíamos contigo, e Tu ensinavas nas nossas praças! o dono da casa responde, por duas vezes, que não sabe de onde deles vêm. Terrível e inesperada condenação contra aqueles que praticam a injustiça com a pretensão de serem dos seus e de terem direito à salvação.

Salta à vista, de modo extremamente dramático, a urgência da conversão no “hoje” da nossa vida. Muitos ricos encontraram Jesus, escutaram a sua pregação, falaram com Ele e até O convidaram para jantar em sua casa. No entanto, quantos deles acolheram a sua chamada à conversão e à solidariedade para com os pobres, como fez Zaqueu? A parábola põe de sobreaviso sobre o resultado final da opção de vida dos ricos insensíveis e corruptos: Mas ai de vós, os ricos! tinha advertido Jesus.

Alertados, portanto, para o perigo das riquezas, que é capaz de impedir a entrada no Reino, os ouvintes perguntam: Quem pode então salvar-se?

Todos são chamados, judeus e pagãos, mas para todos é a mesma exigência de passar pela porta estreita. A violação da justiça e dos direitos humanos, universalmente discriminatória, pode barrar-nos a porta do Reino. A porta é estreita, mas ainda não está fechada. A porta até pode ser estreita, mas, sendo o próprio Cristo a porta do Pai, torna-se mais forte a esperança de podermos sempre entrar e ser salvos.
Hoje celebramos:




terça-feira, 29 de outubro de 2019

Mês Missionário extraordinário: 29 de outubro - Beata Victorie Rasoamanarivo


A rainha Ranavalona I reinou em Madagascar de 1828 a 1861. Inimiga implacável da religião cristã, venerava os sampy (uma espécie de ídolos) e seguia, como proteção da sua pessoa e do seu reino, milhares de práticas de superstição. A família mais poderosa e mais próxima da rainha era a de Victoire Rasoamanarivo. O seu avô, Rainiharo, foi primeiro-ministro da soberana durante mais de vinte anos. Dois dos seus filhos, Raharo e Rainilaiarivony, sucederam-lhe nas suas funções.
Rainiharo teve uma filha de nome Rambahinoro. Do casamento dessa filha com um primo nasceu Victoire Rasoamanarivo, terceira de sete ou oito filhos. Nascida em 1848, com a revolução industrial, proletária, e o despertar das nacionalidades, também Victoire adotará um comportamento que terá um forte impacto no seu ambiente, determinando o seu destino e a admiração que acabará por suscitar.

Victoire tinha treze anos quando os primeiros missionários católicos chegaram a Tananarive (hoje Antananarivo), em novembro de 1861, após a morte da rainha Ranavalona I. Foi uma das primeiras alunas das Irmãs de São José de Cluny, distinguindo-se pela sua modéstia e devoção, sobretudo pela assiduidade com que assistia à Missa todas as manhãs.

Foi batizada a 1 de novembro de 1863, aos quinze anos, fez a sua primeira comunhão a 17 de janeiro do ano seguinte e, alguns meses mais tarde, a 13 de maio, contando dezesseis anos, foi dada em casamento a Radriaka, seu primo. Com essa idade, afirmaria mais tarde, desejaria tornar-se religiosa, acrescentando, porém, que a Providência tinha decidido de outra maneira.

Todavia, a sua nova condição não a separou das irmãs. Continuou a frequentar a escola, visto que os trabalhos domésticos estavam a cargo da criadagem. Foi assim que começaram as dificuldades, porque os pais e as famílias de ambos tentaram convertê-la ao Protestantismo, religião do Estado e da alta sociedade.

O calvário de Victoire começou nesse momento, mas ela mostrou-se irrepreensível e paciente. Não se lamentava, mas chamava a atenção do marido para o mal que as famílias estavam a fazer à sua dignidade de mulher. O marido, consciente de que Victoire tinha razão, por vezes ajoelhava-se a seu lado para rezar.
O destino tomou a forma paradoxal da esterilidade conjugal: Victoire experimentou toda a amargura do estigma social associado a essa condição, interrogando-se por isso se tal não seria resultado de uma má conduta esponsal. Rejeitada pelos seus, Victoire começou a fazer da Igreja a sua segunda morada. Passava aí sete ou oito horas por dia, encaminhando-se para lá às quatro da manhã, ao longo de todo o ano e apesar de todas as ameaças.
Tinha criado um oratório em casa, onde muitas vezes passava o tempo de joelhos, prolongando as suas orações até altas horas da noite. Tinha uma especial devoção pela Virgem Santa, pelo que o rosário nunca deixava as suas mãos. Aquela vida de oração, longe de absorvê-la em detrimento dos outros deveres, ajudava-a a cumpri-los com total dedicação.

Governava sua casa, que compreendia cerca de trinta servos. Era assídua nas visitas aos doentes, sem qualquer distinção de classe, dava esmolas com frequência e recebia pobres e doentes em sua casa. Quando a Congregação laical da Virgem Santa foi fundada, em 1876, Victoire foi sua presidente, esforçando-se por infundir nas suas companheiras o zelo pela caridade.

Criou um ateliê destinado à confecção de roupas para os pobres e os leprosos. Além disso, ajudou as igrejas pobres; mandou construir a capela da cidade sagrada, Ambohimanga. Na qualidade de membro da família do primeiro-ministro, Victoire era dama da Corte. Forçada a apresentar-se no palácio, ia lá como cristã, com o seu rosário na mão, bem à vista, e rezava antes e depois das refeições.
Ao ouvir tocar o sino, pedia desculpa e saía para se recolher num lugar à parte e rezar o Angelus. E quando a interrogavam sobre a razão de tal conduta, respondia simplesmente: É um costume nosso, dos católicos!

Nela não havia rigidez, ostentação ou intolerância, mas apenas fé, fidelidade a Deus e respeito absoluto pelos outros. Aquilo que mais suscitava a admiração da Corte era a heroica paciência demonstrada por Victoire, durante quase três anos, frente ao seu indigno marido. Nunca ninguém a ouviu proferir a mínima queixa contra ele. Todavia, as suas atitudes abusivas eram de tal ordem que o primeiro-ministro, de acordo com a rainha, tentou separar Victoire dele, mediante o divórcio. Mal Victoire teve conhecimento de tal projeto, lançou-se aos pés do sogro suplicando-lhe que renunciasse à sua decisão, pois, dizia ela, o matrimônio católico é indissolúvel.

Em 25 de maio de 1883 deflagrou uma perseguição contra a missão católica e, depois de terem sido expulsos todos os missionários franceses, os fiéis católicos viriam a ser acusados como traidores dos costumes da ilha e, portanto, da sua pátria. No mesmo dia em que os missionários saíram de Tananarive, uma ordem emitida por uma autoridade desconhecida, divulgada por todos os funcionários civis e religiosos, proclamava que, sendo o Catolicismo a religião dos inimigos da pátria, os seus adeptos seriam considerados traidores.
No domingo seguinte ao êxodo dos missionários, os católicos olhavam com tristeza para as suas igrejas fechadas, mas nem sequer se atreviam a aproximar-se delas.
Às nove da manhã, Victoire chegou diante da catedral. Ao vê-la fechada, enviou uma mensagem ao primeiro-ministro perguntando-lhe se uma ordem emitida pela rainha proibia os católicos de entrar na igreja. Não tinha havido nenhuma ordem real a esse respeito. Então Victoire, aproximando-se do oficial que liderava os guardas, ordenou que se abrissem as portas. Se vos opuserdes pela força, o meu sangue será o primeiro que tereis de derramar. Não tendes direito algum de nos impedir de entrar nas nossas igrejas para rezar.
As portas foram abertas. Victoire foi a primeira a entrar, sendo seguida por um grande número de cristãos. Era uma primeira vitória, a vitória mais importante, visto que, com ela, se estabelecia o princípio da liberdade da oração.

Durante a guerra franco-malgaxe, a nacionalidade francesa dos missionários pôs em risco o futuro do Catolicismo, como religião do agressor. Victoire não tinha preconceitos em relação aos missionários franceses, com os quais mantinha ótimas relações, mas tinha pedido, escrevendo para o estrangeiro e tendo em conta a situação local, que fossem enviados para ali missionários católicos, mas ingleses.
Ora, a expulsão abarcou tanto os missionários franceses como o único inglês do grupo, o que tornou patente a oposição ao Catolicismo em si, independentemente da nacionalidade dos missionários.

O padre Caussèque, pároco da catedral, tinha fundado uma associação de homens chamada União Católica. Esta associação devia ser o instrumento do qual Victoire se viria a servir para manter a fé e a prática do culto em toda a missão. Os membros da União Católica reabriam as capelas, reuniam os cristãos e restauravam as escolas.
Não foi tarefa fácil. Victoire viu-se forçada a visitar os principais ambientes para infundir coragem nos débeis com a sua presença. Alguns relatos da época descrevem as manifestações de entusiasmo que tais visitas suscitavam. Tende confiança, dizia Victoire, a religião católica não é proibida. Os franceses partiram, mas a religião permanece.

Quando os missionários regressaram ao seu posto, Victoire retomou a sua vida simples, modesta e humilde.
A única coisa que ainda a preocupava era a conversão do seu marido. Rezava e punha outros a rezar por essa intenção. A sua última obra de “maternidade espiritual” teve precisamente que ver com o seu marido. Uma noite levaram-no para casa embriagado, depois de uma queda que viria a revelar-se fatal. Victoire convenceu-o a receber o Batismo, que lhe foi administrado no seu leito de morte, em 1887.

Como viúva, usou luto até morrer, seis anos mais tarde. Mandou dizer numerosas missas pelo repouso da alma do marido, e aproveitou a ocasião desse luto para usar roupa ainda mais simples e para se retirar quase completamente da Corte. Os seus filhos mais queridos eram os humildes: doentes, desfavorecidos, presos cruelmente acorrentados, leprosos continuamente atormentados pelo seu mal, marginalizados pela sociedade.

Após uma brevíssima doença, Victoire morreu a 21 de agosto de 1894. Dois meses depois, os missionários retomaram o caminho do exílio, que durou até ao fim de 1895. No seu leito de morte, Victoire ergueu as mãos ao céu, segurando o rosário, e pronunciando por três vezes Mãe, mãe, mãe, expirou.

 Foi beatificada pelo Papa João Paulo II a 30 de abril de 1989, em Antananarivo. A Igreja Católica celebra-a a 21 de agosto.

Mês Missionário Extraordinário: 29 de outubro - A que é semelhante o Reino de Deus, e com que poderei compará-lo? Lc 13,18


Jesus nos conta hoje a parábola do Reino de Deus e nos diz:
É a semente que o homem pegou e lançou-a ao jardim. O fermento que uma mulher pegou e misturou-o. Isto é, compreende-se que se o grão não for pego e lançado, se o fermento não for pego e misturado, permanecem ali e a força interior que possuem fica ali.

Do mesmo modo, se quisermos conservar para nós o grão, será só um grão. Se não o misturarmos com a vida, com a farinha da vida, o fermento permanece só fermento. Por conseguinte, é preciso lançar, misturar a coragem da esperança. Que cresce, porque o Reino de Deus cresce a partir de dentro, não por proselitismo. Cresce com a força do Espírito Santo.

Recordemos que a Igreja teve sempre quer a coragem de pegar e lançar, de tomar e misturar, quer o medo de o fazer. Muitas vezes vemos que se prefere uma pastoral de conservação em vez de deixar que o reino cresça. Quando acontece isto permanecemos o que somos, pequeninos, talvez nos sintamos seguros, mas o Reino não cresce. Mas para que o reino cresça é preciso coragem: lançar o grão, misturar o fermento.

Alguém poderia objetar: Se eu lançar o grão, perco-o. Mas esta, é a realidade: haverá sempre alguma perda, ao semear o reino de Deus. Se eu misturar o fermento sujo as mãos: graças a Deus! Ai daqueles que pregam o reino de Deus com a ilusão de não sujar as mãos. Esses são guardas de museus: preferem as coisas bonitas ao gesto de lançar para que a força se desencadeie, de misturar para que a força faça crescer.

Hoje celebramos:



segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 28 de outubro - Beato Tito Brandsma


Anno Sjoerd Brandsma nasceu a 23 de fevereiro de 1881, em Oegeklooster (Frísia Oriental, Holanda). Enquanto frequentava o liceu dos franciscanos de Megen, começou a compreender a sua vocação.
Entrou no convento dos carmelitas de Boxmeer a 22 de setembro de 1898, tendo tomado o nome de Tito.
Em 1901 publicou o seu primeiro livro, uma antologia dos escritos de Santa Teresa de Ávila, traduzida do espanhol. Depois de ter sido ordenado sacerdote, em 1905, foi enviado para Roma e frequentou a Pontifícia Universidade Gregoriana. Tendo regressado à Holanda, teve várias experiências como professor e continuou a cultivar atividades jornalísticas, tendo publicado as obras de Santa Teresa em holandês.
Pouco antes da afirmação do partido nacional-socialista na Alemanha, foi nomeado magnífico reitor da Universidade de Nimega. Poucos anos mais tarde, recebeu a nomeação de assistente eclesiástico da Associação dos Jornalistas Católicos.
Nas suas aulas universitárias sobre a ideologia nacional-socialista, não poupou críticas nem denúncias declaradas ao sistema; como carmelita, docente, jornalista e, por fim, presidente da Associação das Escolas Católicas, opôs-se firmemente à pressão nazista. Tendo sido preso no seu convento, foi conduzido à prisão de Scheveningen, onde foi sujeito a interrogatório no qual reafirmou com firmeza a sua posição. No cárcere, traduziu para holandês a vida de Santa Teresa de Jesus.
Transferido para o campo de concentração de Amersfoort, foi obrigado a trabalhar e a viver em condições muito duras. Reconduzido a Scheveningen para completar o interrogatório, foi levado para Kleve, campo de triagem onde encontrou maior dignidade e alívio, tanto em termos humanos como espirituais.

Durante o mês de junho de 1942, foi levado numa carruagem de transporte de gado, juntamente com outros prisioneiros, para o campo de Dachau, onde as condições de vida eram extremas, quer devido aos trabalhos forçados e à escassez da alimentação, quer pelas experiências científicas a que eram sujeitos alguns prisioneiros, sorte que também tocou a Tito.

Tendo sido internado no hospital do campo, doente e completamente exausto, morreu a 26 de julho de 1942, depois de lhe ter sido injetado ácido fénico por uma enfermeira à qual tinha oferecido um rosário e que, convertida, viria a testemunhar no processo de beatificação. A sua memória litúrgica celebra-se a 27 de julho.

“A oração não é um oásis no deserto da vida, mas a vida na sua totalidade” esta sua bela expressão, encerra o testemunho da sua intensa vida de oração, que o predispunha para uma particular atividade apostólica vivida com grande equilíbrio e que alimentava a sua coragem – no tempo das barbaridades nazista – para anunciar a verdade, defender a liberdade da fé, acolher todo o tipo de pobreza e viver até ao fim o mandamento do amor.

Citando as palavras de Jesus, Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, expressava assim o seu ardente desejo: “Gostaria de repetir esta palavra, de fazê-la ressoar por todo o mundo, sem me preocupar com quem a escutará. Gostaria de repeti-la tantas vezes que aqueles que da primeira vez tivessem virado a cabeça, acabassem por escutá-la, até que todos a tivessem ouvido e entendido [...] a nossa vocação e a nossa felicidade consistem em tornar os outros felizes.

Nos campos de concentração, tinha palavras de consolação que exprimiam uma firme certeza: Confia tudo ao Senhor, dá o teu melhor, e Deus fará o resto! A sua única perspectiva era Deus, por isso tinha bastante facilidade em adaptar-se a pessoas muito diferentes entre si e a situações difíceis. A sua solicitude em prestar socorro espiritual permitiu-lhe prestar um serviço precioso, administrando o sacramento da confissão e disponibilizando-se como diretor espiritual.

À enfermeira que o matou, disse: Os bons sacerdotes não são aqueles que dizem belas palavras dos púlpitos, mas aqueles que são capazes de oferecer a sua dor pelos homens, por isso estou contente por poder sofrer.

A Igreja celebra sua memória em 26 de julho.

Mês Missionário Extraordinário: 28 de outubro - Naqueles dias, Jesus foi à montanha para rezar. E passou a noite toda em oração a Deus. Lc 6,12


No episódio evangélico de hoje, podemos contemplar Jesus que passa toda a noite em oração porque está prestes a fazer uma eleição que reforçará para sempre a sua ligação com os seus discípulos. Trata-se de um empenho definitivo, porque Ele instituirá com os Doze a sua comunidade messiânica; escolherá as doze colunas sobre as quais edificará, como fora prometido pelos profetas, o povo da nova aliança, a Igreja.

Nos seus relatos evangélicos, Lucas mostra-nos em numerosas ocasiões como a oração, aquele encontro de diálogo íntimo e amoroso com o seu Pai Celeste, era importante para Jesus. Em certas ocasiões, detém-se a descrever estes episódios e até o conteúdo das orações de Jesus, de modo que cada discípulo possa aprender a rezar como deve ser.

Assim, o devoto deve estar disposto a escutar aquilo que o Senhor tem para lhe dizer e a fazer aquilo que Ele manda, em vez de multiplicar as suas palavras inúteis para pedir a Deus que satisfaça todos os seus pedidos egoístas. A verdadeira oração cristã nasce em Deus, impregna a nossa ação, transforma a nossa existência e regressa a Deus com sentimentos de gratidão, obediência filial, oferenda de si e solidariedade para com os outros.

Lucas sublinha, portanto, como todas as decisões cruciais da vida de Jesus foram tomadas num contexto de oração, desde o Batismo – poderíamos até regressar à sua infância –, até ao Getsémani e à Cruz.
A oração, portanto, revela-se como alma da missão, ou seja, como fiel e eficaz presença de Deus na atuação da sua Igreja para salvação do mundo a quem é enviada.

Hoje celebramos:


domingo, 27 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 27 de outubro - Baba Simon Mpecke


Simon Mpecke nasceu em 1906 em Log Batombé, nos Camarões. Em 1914, aos oito anos de idade, Mpecke começou a frequentar a escola primária da missão católica de Édéa. Tratava-se de uma missão aberta pela congregação dos padres palotinos, na época das colônias alemãs.
Aos onze anos, Mpecke terminou o ensino primário. A 14 de agosto de 1918, aos doze anos, Mpecke foi batizado em Édéa pelo padre Louis Chevrat, assumindo, a partir desse momento, o nome de Simon Mpecke.
No dia seguinte ao do seu Batismo, Mpecke fez a Primeira Comunhão. A seguir, Simon viria a ser professor nas escolas da savana e depois na missão central de Édéa.
Em 1920 obteve o diploma de professor nativo na missão católica de Édéa e, em 1923, tornou-se no primeiro professor da missão. A 8 de agosto de 1924, Simon Mpecke entrou no pequeno seminário de Yaoundé. De outubro de 1927 a dezembro de 1935, na sequência da abertura do grande seminário de Mvolyé, seguiu, durante dois anos, os estudos de Filosofia e, durante quatro anos, os de Teologia.

Em 8 de dezembro de 1935, Simon foi um dos primeiros camaronenses a serem ordenados sacerdotes. Esta ordenação sacerdotal constituiu uma etapa importante na história da Igreja dos Camarões, tendo inaugurado uma nova era para o país. Como seu primeiro ministério, Simon foi nomeado vigário da missão de Ngovayang, onde tomou firmemente posição contra as práticas das religiões tradicionais da região. Em 1947 foi nomeado para a paróquia do bairro New-Bell, em Douala, e no ano seguinte passou a ser o seu pároco. Impulsionou a paróquia e incrementou várias confrarias e congregações laicais. Apoiou os movimentos da Ação Católica e a escola, revelando uma grande disponibilidade e uma generosidade total.

Ainda em 1947, por acaso, o padre Simon Mpecke leu um artigo em que tomou conhecimento da existência de populações pagãs no norte dos Camarões. A partir desse momento, sentiu nascer dentro de si uma grande simpatia por essas populações. O estabelecimento das fraternidades dos Irmãozinhos e das Irmãzinhas de Jesus na sua paróquia aproximou-o da espiritualidade de Charles de Foucauld.
Em 1953, o padre Simon Mpecke ingressou no Instituto secular dos Irmãos de Jesus e partiu para fazer um ano de noviciado na Argélia. Foi um dos fundadores a nível internacional da União Sacerdotal Iesus Caritas, e viria a ser o seu primeiro responsável nos Camarões. Durante um certo período, pensou ingressar pessoalmente na sua fraternidade.
A 21 de abril de 1957, o Papa Pio XII publica a encíclica Fidei Donum; foi, portanto, com esse espírito, que o padre Simon Mpecke partiu para o norte dos Camarões como missionário e como sacerdote Fidei Donum. Em fevereiro de 1959, a pedido de Dom Plumey, o padre Simon chegou a Tokombéré para fundar uma missão e tentar chegar aos kirdi, nome que significa “pagãos”.

Embora o sul dos Camarões, na sua maioria bantu, se tivesse convertido quase todo ao Cristianismo, o norte, habitado por povos de origem sudanesa, era um feudo do Islã. O médico suíço Joseph Maggi tinha-se instalado na aldeia para fundar um hospital, num lugar onde havia apenas alguns dirigentes da administração colonial francesa e vários técnicos que estavam a introduzir a cultura do algodão. Os primórdios da missão católica de Tokombéré deram ocasião a uma experiência missionária excecional. A missão não era fácil: Simon Mpecke, com efeito, era considerado um perigo, pois não pertencia à tribo local; no entanto, o fato de ser africano facilitou as coisas.

Desde o início, a escolarização dos kirdi tornar-se-ia na sua preocupação quotidiana. A sua lendária bondade rapidamente lhe granjeou a alcunha de “Baba”, que significa papá, patriarca, sábio e guia ao mesmo tempo.

Todos – homens e mulheres, adultos e crianças, kirdi e muçulmanos – passaram a tratá-lo espontaneamente por Baba. Em Tokombéré, Baba Simon cumpriu a promessa feita por Deus a Abraão: o seu êxodo, a sua missão, permitiu o nascimento de um povo.
A fé e a amizade travada com Jesus convenciam-no de que só o amor pelo homem integral o salvaria do mal espiritual do pecado e da ignorância, e do mal material da miséria e da discriminação étnica e religiosa.

Para Baba Simon, a escola era a vida: a sua escola suscitou a esperança de fazer desabrochar o homem na sua luta contra a ignorância, a tirania e o medo e foi a sua forma de lutar em prol da dignidade humana. Decidiu levar a instrução “ao domicílio”, dando a todos a possibilidade de assistir à “escola debaixo da árvore”: uma escola à vista de todos, no próprio coração da vida dos kirdi.

Em seguida construiu a escola Saint-Joseph de Tokombéré e obteve autorização para abrir outras escolas em Bzeskawé, em Rindrimé e em Baka. Criou um internato para rapazes e outro para moças, gerido pelas Servas de Maria.

Baba Simon ensinou os kirdi a amar os muçulmanos como seus irmãos de sangue, e fez o mesmo com os muçulmanos em relação aos kirdi. Através da escola, das estruturas sanitárias, do empenho contra a injustiça e do apelo à fraternidade universal, permitiu uma verdadeira melhoria das condições de vida das populações kirdi, durante muito tempo esquecidas pelo resto do país.

A sua preocupação por um diálogo constante com os responsáveis das religiões tradicionais faz dele um precursor profético do diálogo inter-religioso professado pelo Concílio Vaticano II. Gostava muito de viajar, e a primeira razão que o impelia a fazê-lo era encontrar a ajuda necessária para as suas obras em favor dos kirdi, sobretudo para os estudantes, pertencentes ou não à comunidade. Com esse objetivo, foi a França, à Suíça, a Itália, a Espanha e a Israel. Partilhou a vida dos kirdi, a sua pobreza e a sua luta contra a miséria.

A sua evangelização era impregnada de oração, amor à Igreja e caridade para com as suas tradições. No dia 13 de agosto de 1975, esgotado pela doença, Baba Simon morreu em Édéa – depois de ter passado um período na França, para ser tratado –, longe de Tokombéré, sem poder voltar a ver os seus kirdi. Foi sepultado em Tokombéré.

Mês Missionário Extraordinário: 27 de outubro - Dois homens subiram ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos. Lc 18,10


A parábola que Jesus contou a propósito do publicano e do fariseu mostra a sua maneira de ver as pessoas, que é a forma correta do olhar de Deus, porque não julga pelas aparências nem com base em preconceitos, mas por aquilo que vê com clareza nas profundezas do coração humano, discernindo a verdadeira motivação que gera as ações e as orações das pessoas.

Seja como for, é com a intenção de rezar que o publicano e o fariseu se dirigem ao Templo, partilhando assim, por uns instantes, o mesmo lugar sagrado.
No entanto, será o modo particular como cada um deles concretizará essa intenção que determinará o seu destino respetivo e o seu estado espiritual final.

O publicano, tendo tido a humildade e a sinceridade de reconhecer a sua indignidade e o seu pecado e de implorar o perdão de Deus, regressa a casa como um homem melhor, interiormente transformado, reconciliado: frente à sua oração autêntica, a graça divina não se fez esperar. Mais uma vez se verificou que quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado.

O fariseu, pelo contrário, é prisioneiro da sua torre de orgulho espiritual. Demasiado consciente das suas próprias obras pias meritórias e da excelência da sua classe socio religiosa, julga-se superior e melhor do que todos os outros, levantando barreiras entre si e eles, insultando-os e desprezando-os. Ele talvez fosse bom e piedoso até àquele momento, mas a atitude manifestada revelou a arrogância presente no seu coração, minando a sua suposta virtude a partir do seu interior.
Não devemos nos colocar diante de Deus, no Templo, para nos autocelebrarmos e contemplarmos numa postura auto referencial, olhando os outros de alto. Devemos colocar-nos diante d’Ele para um encontro de amor e para encontrarmos os outros n’Ele. Nesse sentido, a oração é contemplação do Senhor, celebração das maravilhas que a sua graça realiza em cada dia no seio da fragilidade humana, celebração da sua incansável misericórdia, que reanima aquele que está caído e que deseja levantar-se.

Hoje celebramos:


sábado, 26 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 26 de outubro - Beato Pierre Claverie


Em janeiro de 2018, o Papa Francisco aprovou a beatificação de Dom Pierre Claverie e dos seus dezoito companheiros mártires. O homicídio de Pierre Claverie, dominicano, bispo de Oran (Argélia), foi o último de uma série de trágicos assassinatos que lançaram no luto a Igreja da Argélia, entre 1994 e 1996. As outras vítimas foram sete monges trapistas, quatro missionários de África, um frade marista e várias religiosas pertencentes a diversas congregações.

A sua morte inscreve-se numa década negra, durante a qual entre cento e cinquenta mil e duzentas mil pessoas foram mortas, quer pela violência quer pela repressão religiosa. E é precisamente a sua livre opção de permanecer ali, por amor a Cristo e à Igreja, apesar da referida violência, que nos permite hoje qualificar esses cristãos como mártires.

Pierre Claverie nasceu em Argel no ano de 1938: era filho da Argélia colonial. Na idade adulta, confessou que tinha vivido toda a sua juventude no meio dos árabes, sem nunca se ter encontrado com eles: Passei a minha infância em Argel, num bairro popular desta cosmopolita cidade mediterrânica. Ao contrário de outros europeus, nascidos no campo ou em cidades pequenas, nunca tive amigos árabes. Não éramos racistas, apenas indiferentes, ignorando a maior parte da população deste país. Os árabes faziam parte da paisagem dos nossos passeios, do pano de fundo dos nossos encontros e das nossas vidas. Nunca foram nossos companheiros... Sendo cristão e escoteiro, tive de escutar numerosos sermões sobre o amor ao próximo, mas nunca me tinha apercebido de que os árabes também eram o meu próximo. Foi necessário haver uma guerra para que a bolha rebentasse, diria muito mais tarde, reconhecendo que tinha vivido toda a sua juventude dentro de uma “bolha colonial”.

Esta tomada de consciência, que correspondeu ao deflagrar da guerra da Argélia e à proclamação da sua independência, constituiu para ele um verdadeiro ponto de virada, que o faria ingressar, em 1958, na vida religiosa e na ordem dominicana.
Estudou em Saulchoir, com os melhores professores, os teólogos dominicanos que prepararam a eclesiologia do Concílio Vaticano II. Saiu de lá em 1967, com uma sólida formação intelectual e espiritual, que mais tarde se viria a revelar preciosa. Das cartas que escreveu à sua família emerge a sua precoce maturidade intelectual:
Esta manhã, durante a oração, descobri finalmente o Deus Trindade, que sempre me tinha parecido, até então, uma argúcia de teólogo. Creio que é o essencial do Cristianismo: ainda mais do que a vida de Jesus, do que o seu ensinamento, do que a sua Igreja, Ele revela-nos Deus, não só como um Deus Pai, mas transmitindo-nos a imagem daquilo que somos chamados a ser: aqueles que participam numa corrente de amor que une o Pai ao Filho através do Espírito Santo, escreveria ele em maio de 1959.

Ordenado sacerdote, aceitou com alegria juntar-se à pequena comunidade dominicana de Argel que, orientada pelo cardeal Duval, contribuía para a existência de um novo tipo de Igreja, uma Igreja para um país maioritariamente muçulmano. Por esse motivo, aprendeu tão bem árabe, que mais tarde o pôde ensinar. Mas, acima de tudo, aprendeu a Argélia, conquistando assim uma magnífica rede de amigos argelinos que seriam muito importantes para ele. O país deu início ao percurso de reconstrução após uma guerra muitíssimo sangrenta (1954-1962): havia muito a fazer em matéria de educação e de formação dos líderes.

Pierre Claverie também contribuiu, juntamente com os sacerdotes e as religiosas da Argélia, que se tinham colocado inteiramente ao serviço da formação de cooperantes, empenhados no desenvolvimento do país. Foi um período muito feliz da sua vida.
A sua sólida formação levou-o a participar de forma decisiva na reflexão teológica de uma Igreja que devia repensar o sentido da sua presença. Ela não estava ali para fazer proselitismo entre os muçulmanos. Pelo contrário, através do testemunho da fé e da sua ação gratuita ao serviço do país e dos mais humildes, a Igreja podia oferecer uma presença atuante do amor evangélico e contribuir para curar as feridas herdadas do passado colonial e da guerra da libertação.

Só a fecundidade do testemunho e a obra do Espírito Santo podem converter os corações e suscitar a liberdade em relação a Cristo e à sua Igreja. Nesse sentido, Pierre Claverie assumiu a direção do centro de estudos diocesano de Argel e colaborou com os bispos na redação de documentos teológicos que tentavam articular o sentido de uma presença cristã num mundo muçulmano.

Em 1981, a sua forte personalidade e o seu carisma pessoal valeram-lhe a nomeação para bispo de Oran, na zona oeste do país. A sua diocese contava com poucos fiéis, mas era internacional: Pierre viria a sentir um grande amor por esse papel de artesão da comunhão, não só entre cristãos de diversas origens, mas também com os amigos muçulmanos da Igreja. Optou por disponibilizar os locais e as estruturas da sua diocese para satisfazer as necessidades da região: bibliotecas para alunos e estudantes, um centro de acolhimento para pessoas portadoras de deficiência, um centro de formação para mulheres. Com os seus companheiros muçulmanos, estabeleceu relações de confiança e de amizade que se viriam a revelar preciosas durante a trágica década dos anos noventa.

Os fiéis cristãos são pouco numerosos, mas um verdadeiro testemunho cristão pode ser dado a todos os muçulmanos com os quais os cristãos vivem e trabalham diariamente. Pierre Claverie privilegiou o encontro, pois este implicava as pessoas. Afirmava ele que nada se podia fazer se não se começasse por criar laços de confiança e de amizade. São estes que permitem fazer, imediatamente, coisas juntos, enfrentar desafios comuns e também questões mais complexas.

A partir de 1990, a Argélia precipitou-se numa década de violência. A tardia abertura política ao multipartidarismo, após vinte e cinco anos de regime de partido único, favoreceu o surgimento dos partidos religiosos radicais. No momento das eleições legislativas locais, estes obtiveram a maioria dos votos e quase tinham chegado ao poder quando o regime militar decidiu, em 1992, interromper o processo eleitoral para evitar que se instaurasse uma ditadura religiosa. Frustrados por não terem alcançado o poder através das eleições, os fanáticos fundamentalistas tentaram tomá-lo pelas armas. Começaram por assassinar centenas de representantes do Estado (juízes, polícias), passando depois às figuras simbólicas de uma sociedade civil aberta (jornalistas, escritores) e, por fim, voltaram-se contra os estrangeiros.

O homicídio dos dois primeiros religiosos cristãos, em maio de 1994, constituiu um trauma para todos. O dos sete monges trapistas, em 1996, escandalizou a grande maioria dos muçulmanos.

Pierre Claverie foi o último dos cristãos assassinados. Devemos acrescentar que ele não só tinha optado por permanecer no país, mas também e sobretudo continuou a falar com coragem, manifestando-se publicamente a favor de uma Humanidade plural, não exclusiva. Nós estamos precisamente no nosso posto, pois só neste lugar se pode entrever a luz da Ressurreição e, com ela, a esperança de uma renovação do nosso mundo.
Foi assassinado no dia 1 de agosto de 1996, juntamente com um amigo muçulmano, Mohamed Bouchikhi, que tinha tomado a decisão de ficar com ele, apesar dos riscos. A sua morte chocou os cristãos, mas também muitos argelinos muçulmanos que, nas suas exéquias, afirmaram ter vindo para chorar aquele que também era o seu bispo.

Sua memória é celebrada no dia 01 de agosto.

Mês Missionário Extraordinário: 26 de outubro - Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? Lc 13,2


O ensinamento de Jesus, no evangelho de hoje, começa por uma notícia que Lhe é dada: o caso de vários galileus massacrados por Pilatos, enquanto ofereciam um sacrifício no Templo.

A resposta de Jesus, leva-nos a pressupor um juízo condescendente em relação às vítimas, como se estas merecessem morrer dessa forma tão violenta, no momento sagrado da adoração a Deus; como se a brutalidade dos romanos fosse um juízo de Deus contra aqueles que tinham sido mortos.

Jesus tira uma lição daquele triste episódio: a ninguém é permitido interpretar o sofrimento, a doença, os acidentes e as tragédias dos outros como castigo divino pelos pecados cometidos, mas cada um deve considerar os seus próprios pecados como a pior desgraça e tentar converter-se com sincero arrependimento.

A ninguém foi dada autoridade para julgar e dividir as pessoas, classificando-as como “boas” ou “más”. Só o Senhor conhece toda a verdade dos nossos corações.
Mal a notícia Lhe é comunicada, Jesus rejeita imediatamente a leitura segundo a qual haveria uma ligação causal entre a morte violenta e a enormidade do pecado. Jesus quer sublinhar que os incidentes não revelam necessariamente a gravidade de algum pecado escondido da pessoa que deles é vítima, mas são como que advertências, recordando-nos que a morte pode bater sempre à nossa porta, e sobretudo quando menos o esperamos.
Daí a tomada de consciência de que cada um deve despertar para a necessidade e a urgência da conversão interior, que deve ser aceite e posta em prática antes que seja tarde demais. É por isso que Jesus, rejeitando a ideia de que os judeus massacrados por Pilatos e as dezoito pessoas esmagadas pelo desmoronamento da torre de Siloé possam ser considerados mais pecadores do que os outros, prossegue o seu discurso dando a entender que se aqueles que O escutam não se converterem, poderão perecer do mesmo modo.

Converter-se, não porque o seu arrependimento os protegeria da morte, mas porque a conversão dispõe bem a pessoa, tanto espiritual como humanamente, para o encontro com o Senhor da vida, em total paz e serenidade de coração. Se a conversão pode libertar da morte, é da morte eterna, e não já do desaparecimento físico.

Hoje celebramos:


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Mês Missionário Extraordinário: 25 de outubro - Mon Filomena Yamamoto


Mon Filomena Yamamoto, missionária de Maria, saveriana, japonesa, deixou este mundo a 28 de abril de 2014, em Miyazaki. Contava oitenta e três anos. Cerca de dez anos antes, tinha contado ao pequeno jornal das saverianas o seu encontro com Cristo:

“Pensando no ambiente em que cresci e nos acontecimentos que precederam a graça do meu Batismo, vejo claramente a mão amorosa de Deus que me conduziu de modo silencioso e escondido.
Nasci numa família budista da corrente Zen. Em casa havia um pequeno altar onde eram veneradas as placas mortuárias dos nossos antepassados. Todas as manhãs oferecíamos uma pequena taça de chá e outra de arroz e detínhamo-nos a rezar de mãos postas. Quando passavam por ali peregrinos com destino a qualquer templo ou apareciam pobres, oferecíamos-lhes arroz e alimento. Tínhamos uma ligação profunda com o templo.
Desde criança que eu o visitava com frequência, escutava os sermões do Bonzo e interrogava-me porque é que o homem nasce e depois morre, por que razão existe o sofrimento e como é possível que, no mundo, quem pratica o bem muitas vezes sofra, ao passo que quem pratica o mal seja bem-sucedido e leve uma vida regalada.
Refletia muitas vezes sobre estas coisas, mas não me atrevia a interrogar os adultos, pois tinha a impressão de que estes não me saberiam responder. Creio que o Senhor me falava através da natureza, com o espetáculo maravilhoso da mudança das estações. Sentia que, acima das divindades das antigas religiões do Japão, devia haver um Deus criador do céu e da terra e que eu devia procurar a verdadeira religião.
Rezava, pedindo que me fosse concedido descobri-la, mas não sabia onde procurá-la.
Aos vinte e três anos deixei a minha cidade e fui para Miyazaki. Convidada por uma amiga, comecei a frequentar a Igreja Católica e as aulas de catequese. Ao princípio ofereci uma certa resistência à fé num único Deus, porque a cultura japonesa está impregnada da presença de numerosas divindades que não se excluem umas às outras. Todavia, continuando a estudar o Cristianismo, quando pude escutar a passagem da Paixão e da Ressurreição do Senhor e compreender a obra maravilhosa da redenção, senti dentro de mim a firme convicção de que finalmente tinha encontrado aquilo que procurava há anos.”

Desde o início da sua juventude, Mon desejava uma vida completamente dedicada aos outros, mas só quando conheceu Cristo encontrou a resposta. Ainda catecúmena, fascinava-a a ideia de entregar toda a sua vida à Misericórdia de Deus:
“Quando eu ainda era catecúmena, o missionário saveriano padre Sandro Danieli emprestou-me a autobiografia de Santa Teresa de Lisieux, e eu li como ela se oferecera a si própria ao Amor misericordioso. Foi a primeira vez que me confrontei com essa ideia. Mais tarde, tendo entrado para as missionárias saverianas, fiquei surpreendida ao descobrir que o fundador, o padre Giacomo Spagnolo, tinha uma profunda devoção pela onipotência e pela Misericórdia de Deus, e que todas nós, quando da profissão perpétua, confiávamos a nossa vida à misericordiosa Onipotência do Senhor.”

O amor a Maria contribuiu para orientar a sua escolha. Quando Mon ingressou na congregação das Missionárias de Maria, em 1961, as saverianas estavam no Japão havia apenas dois anos.

Sempre serena e jovial, também era muito séria e precisa na observância da vida comunitária e nos outros aspetos da vida religiosa. A oração era muito importante na sua vida. Era sóbria e simples e fugia de mexericos inúteis, sendo laboriosa e muito diligente na execução do trabalho que lhe era confiado.

Em 2011, foi-lhe diagnosticado um tumor. Fui visitá-la ao hospital, escreve um amigo, missionário saveriano. Também recordo ainda a sua preocupação pelos outros. Tinha feito do seu quarto uma “pequena igreja” onde estava na companhia de Jesus.
Enquanto fazia quimioterapia teve a possibilidade de se preparar para a morte e falava disso com todos os que a iam visitar, deixando atrás de si um testemunho de fé e de serenidade que provinham da sua confiança incondicional em Jesus.

Ao vê-la sorridente, as pessoas interrogavam-se se ela estaria verdadeiramente doente. Tinha palavras de agradecimento para com todos: “É graças às vossas orações...”, dizia sempre. Durante as várias internações, a sua serenidade impressionou muita gente: ~

As pessoas que têm fé são diferentes, diziam. Nos últimos dias, rezava continuamente: “Senhor, vem buscar-me depressa.”