Pois Deus amou de tal forma o mundo que entregou
o seu Filho único.
No século passado, estas palavras conquistaram o coração de Délia Tétreault.
Escreveria ela, em 1916: Deus deu-nos tudo, inclusive o seu Filho; que meio
melhor haverá para retribuir-lhe – na medida em que uma tão débil criatura o
pode fazer neste mundo – do que dando-lhe filhos, eleitos, que, também eles,
cantarão a sua compaixão pelos séculos dos séculos?
Maravilhada com a gratuidade do amor de Deus
por nós, Délia Tétreault respondeu com reconhecimento a esse amor. Mulher de
coração universal, a Madre Maria do Espírito Santo (seu nome de religiosa), foi
a fundadora do primeiro instituto missionário feminino do Canadá, tendo
desempenhado um papel determinante e inegável para a Igreja missionária.
No início do século XX, no Canadá e, em
particular, no Quebec, a Igreja ocupava um lugar de relevo no seio de uma
sociedade marcada pelo jansenismo, em que a mulher era pouco reconhecida. Os
meios de comunicação eram elementares, e os textos escritos desempenhavam um
papel importantíssimo na transmissão das notícias. Nesse contexto
socio-eclesial, Délia Tétreault, inspirada pelo Espírito Santo, será portadora
de um vento de frescura.
Graças à sua visão audaciosa e à sua ação
criativa, contribuirá para a abertura do seu país e da sua Igreja ao mundo.
Délia nasceu a 4 de fevereiro de 1865, em Sainte-Marie de Monnoir, hoje
Marieville, Quebec. De saúde precária e órfã de mãe, aos dois anos de idade foi
adotada pela sua tia Julie e pelo seu padrinho Jean Alixe, tendo tido uma infância
feliz. Desde os seus primeiros anos, Délia gostava muito de se refugiar no
celeiro para ler os Anais da Santa Infância e da Propagação da Fé, que
encontrara dentro de uma velha caixa.
Os relatos missionários fascinavam-na e já se
delineavam os primeiros frutos da sua vocação. Nesse período, teve um sonho
significativo: Eu estava ao lado da cama e, de repente, avistei um campo de
trigo maduro que se estendia a perder de vista. Num dado momento, todas aquelas
espigas se transformaram em cabeças de criança, e eu compreendi de imediato que
estas representavam as almas de bebés “pagãos”.
A sua visita a alguns missionários do noroeste
do Canadá impressionou-a muito: Embora sentisse uma admiração inexprimível
pela vida apostólica, nunca me teria atrevido a enveredar por ela. Aliás, a
vida apostólica não me parecia possível, visto não existir no Canadá nenhuma
comunidade de religiosas missionárias.
Aos dezoito anos, depois de ter sido rejeitada
pelo Carmelo de Montreal, ingressou nas Irmãs da Caridade de São Jacinto, mas
uma epidemia forçou-a a voltar para casa. Um acontecimento determinante marcou
a sua breve passagem por aquela comunidade: Uma noite, recorda ela, enquanto
me encontrava com algumas postulantes numa pequena divisão, pareceu-me que
Nosso Senhor me dizia que eu, mais tarde, deveria fundar uma congregação
feminina para as Missões Estrangeiras e trabalhar na fundação de uma sociedade
semelhante masculina, de um Seminário das Missões Estrangeiras segundo o modelo
de Paris.
Anos mais tarde, conheceu o padre John Forbes,
missionário na África. Délia planeava partir com ele para África, mas adoeceu
precisamente na noite da partida. O padre Almire Pichon, SJ, ajudou-a a fundar Betânia,
projeto dedicado às obras sociais, em Montreal. Cheia de dúvidas, trabalhou aí
durante dez anos, mas sentia que o Senhor a chamava a uma coisa muito
diferente.
Um forte espírito missionário perpassava a
Igreja no início do século XX. Todavia, o Canadá não era considerado um dos
grandes países que contribuíam, a nível universal, tanto para as Obras
Missionárias Pontifícias como para as vocações missionárias. Doações e recursos
passavam pelas comunidades religiosas estrangeiras ativas no Canadá. Os jovens
que aspiravam à vida missionária tinham de se formar no estrangeiro. Em 1902,
depois de muitas provas, Délia fundou com duas companheiras, em Montreal, uma
escola apostólica destinada à formação de moças para as comunidades
missionárias.
Em novembro de 1904, estando Dom Bruchési de
visita em Roma, o padre Gustave Bourassa, que apoiava a jovem comunidade,
morreu num acidente. Tinha pedido a Dom Bruchési que falasse ao Papa em favor
daquela comunidade nascente; apesar das suas hesitações, o arcebispo acedeu a
esse desejo, falando com o Papa Pio X. E este exclamou: Fundai, fundai... e
todas as bênçãos do céu descerão sobre essa fundação.
A 7 de dezembro, o Papa atribuiu-lhe o nome de Sociedade
das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, apontando o mundo inteiro
como campo de apostolado. A 8 de agosto de 1905, Délia fez a profissão
perpétua: Todos os países de missão estão abertos para vós.
Délia só podia dar graças a Deus. O seu sonho
missionário tornara-se realidade. A fundadora intuiu que chegara o momento,
para a Igreja do Canadá, de dar o seu contributo ao serviço da missão universal
da Igreja. Esforçou-se por despertar e formar a consciência missionária no
país, criando um terreno fértil do qual emergiriam as vocações missionárias e
onde se encontrariam os recursos necessários para sustentar as missões em
outros países.
O primeiro pedido chegou-lhe do bispo de
Cantão, na China; em 1909, Délia mandou para lá seis jovens irmãs. Abriu, no
total, dezenove missões no Oriente. Com base nos pedidos dos bispos, Délia
Tétreault favoreceu todas as obras de misericórdia: jardins de infância e
orfanatos para crianças abandonadas, leprosarias para mulheres, casas para
idosos ou para deficientes, a primeira escola para raparigas de Cantão, um
hospital para doentes mentais, atividades de formação para as virgens
catequistas e as religiosas locais.
Os obstáculos eram numerosos. Como demonstra a
sua volumosa correspondência, Délia encorajava as suas filhas à distância,
insistindo sobre os valores cristãos. Embora a sua frágil saúde nunca tenha
permitido a Délia deixar o seu país, o Canadá beneficiou do seu zelo apostólico
pela missão. Entre as suas obras missionárias preferidas, as da Santa Infância
e da Propagação da Fé passaram imediatamente a beneficiar do empenho de Délia e
da sua comunidade.
Tentando cumprir a vontade de Deus, Délia
perseverou na tentativa de realizar a segunda parte do seu sonho: colaborar na
fundação de um seminário de sacerdotes missionários. Tinha até um plano para
sustentar essa obra. Discretamente, mas com audácia, visitou os bispos das
várias dioceses. Insistia que não se tratava apenas de uma extensão canadiana
do Seminário das Missões Estrangeiras de Paris.
A 2 de fevereiro de 1921, os bispos do Quebec
fundam a Sociedade das Missões Estrangeiras do Quebec. Délia solicitou a
colaboração dos leigos no apoio às missões desde o início. Fez deles
missionários nos seus âmbitos de vida quotidiana. Inaugurou os retiros
espirituais femininos e as escolas apostólicas. Respondeu ainda a uma
necessidade evidente de prestar assistência aos imigrantes chineses do seu
país. Abriu hospitais, escolas e centros e inaugurou a catequese em chinês: a
sua compaixão evangelizava.
Em 1933, Délia Tétreault sofreu um AVC que a
deixou paralítica, mas lúcida. Morreu a 1 de outubro de 1941.
O Papa São João Paulo II declarou-a Venerável a
18 de dezembro de 1997. A sua causa de beatificação e canonização ainda está em
curso.
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