A história de
Maria Ràfols é de uma mulher que fez grandes coisas através do silêncio e a da
humildade, feita toda caridade e em pobreza, tanto material como espiritual. A
sociedade da época a pagou com o desprezo, o cárcere e o desterro. Teve que
esperar a sua morte para se começasse a reconhecer o valor de sua existência.
Sua Congregação, atualmente expandida por todo o mundo, se dedica à educação,
ao apostolado e à saúde, campos nos quais a mesma se destacou.
Uma cristã
autêntica e sublime, porém, também uma mulher forte, valente, empreendedora, de
comportamento exemplar com os feridos da guerra, os enfermos do hospital e os
meninos da Inclusa.
Maria Ràfols nasceu
em Vilafranca de Penedès, em 05 de novembro de 1781, em Molí d'En Rovira, lugar
simples e humilde, filha de agricultores catalães.
Pouco depois de
seu nascimento e batismo, em 07 de novembro, a família se mudou para outro
moinho, o Molì de Mascaró, em Bleda, onde a menina passou sua infância. Não se
sabe muito sobre esse período, porém, é provável que fosse pobre e humilde,
como qualquer outra menina camponesa.
Muitos testemunhos
falam de sua candura e piedade. Em 1794, quando tinha apenas nove anos de
idade, morreu seu pai e sua mãe contraiu novo matrimônio, e a família se mudou
para Garraf. A situação econômica parece que melhorou, pois há registro de que
Maria Ràfols estudou interna em um colégio de Barcelona (Colégio de l'Ordre de
Nostra Senyora). Em 1804, morre sua mãe.
Maria devia ter
conhecimentos e formação como enfermeira, pois trabalhava nesta função, como
voluntária, no Hospital de La Santa Creu de Barcelona – a cargo das Irmãs
Hospitaleiras de São João de Deus – quando a encontrou o padre Juan Bonal. Este
sacerdote era capelão do hospital e estava buscando religiosos para abastecer o
Hospital de Gracia de Zaragoza, que carecia de pessoal adequado para atender
aos enfermos, e, requerido pela junta de Zaragoza, reuniu doze homens e doze
mulheres que lhe ajudaram em sua tarefa. Já então devia ver em Maria o talento
e a personalidade necessárias para tal tarefa, pois ela, com apenas 23 anos, se
converteu na superiora desta recém-nascida congregação.
Como e onde
tomaram hábito estas doze mulheres? Não se sabe. É provável que fosse o próprio
Juan Bonal quem as orientara, lhes dera hábitos e as admitira com os habituais
votos de pobreza, obediência e castidade. Porém, estamos falando, pela primeira
vez, de uma congregação religiosa feminina que exercerá o apostolado e que terá
uma atividade fora das paredes do convento. Neste sentido, Maria Ràfols foi uma
pioneira, numa época em que as religiosas ainda não haviam deixado a clausura e
que o apostolado até então era negado às mulheres.
A viagem de
Barcelona a Zaragoza a realizaram em uma "carroça", com todos os
inconvenientes e incômodos da época, chegando em 28 de dezembro de 1804. Nesse
mesmo dia vão a prostrar-se diante à Virgem de Pilar, à qual imploraram sua
proteção.
O caminho que se
apresentava a Maria era duríssimo: tinha apenas 23 anos e devia organizar aquela
comunidade e por ordem no Hospital de Gracia, um "mundo de dor", onde
se amontoavam enfermos, dementes, meninos abandonados e todo tipo de misérias,
com uma dotação instrumental lamentável e deficiente, e sendo mal recebidos
pelo pessoal do hospital, que fizeram tudo quanto puderam para amargar-lhes a
existência, maltratando-os continuamente. De
fato, após 03 anos, os homens, cansados da dura experiência, abandonaram.
Porém, as religiosas não o fizeram. As mulheres, paradoxalmente conhecidas como
"sexo frágil", seguiram adiante, com Maria à cabeça.
De Maria não se
conhecem grandes frases. Segundo as crônicas, tudo que fez o fez “com muita
prudência e discrição”, sabendo que se arriscava e que não era apreciada em seu
entorno. Tudo que fez deve ter feito bem, pois, em pouco tempo, o número das
religiosas aumentava. Ela mesma, com algumas irmãs, se apresenta ao exame de
“flebotomia”, organizado pela Junta, para demonstrar sua habilidade na prática
da sangria, intervenção habitual na medicina de então. Algo impensável para a
mulher daqueles tempos, à qual não se permitia intervir diretamente sobre o
enfermo.
O início da Guerra
do Francês – ou Guerra da Independência – causará um terrível golpe para a
cidade de Zaragoza, que padeceu um terrível sítio (1808 – 1809). É aqui onde a
madre Ràfols dará mostra de seu heroísmo, onde levará a cabo suas grandes
ações, sempre em silêncio, sempre sem que dela se conheçam grandes discursos.
No primeiro sítio,
as tropas francesas bombardeiam a cidade, e o Hospital da Graça é destruído e
incendiado. Foi necessário organizar o traslado dos enfermos e feridos a um
recinto menor, com todo o caos e a aglomeração que era de se supor. Entre
balas, canhões e ruínas, expôs uma e outra vez sua vida para salvar aos
enfermos e aos feridos, acompanhada por umas poucas irmãs, pedindo esmola e
alimento, com grande dificuldade para manter o hospital. Chegou a privar-se do
próprio alimento para que o mesmo fosse dado a seus pacientes, porém, não
bastava para todos (havia mais de 6000 internos no hospital).
O segundo sítio de
Zaragoza foi ainda pior, chegando-se a uma situação desesperadora. Maria tomou uma resolução admirável: foi
até ao acampamento do inimigo para pedir ajuda. Os franceses, ao mando do
marechal Lannes, estavam acampados no atual bairro de Torrero. Ainda que ela e
as religiosas que a acompanharam sofreram, em um primeiro momento, as piadas e
insultos dos soldados, finalmente lograram ser atendidas pelo general, homem de
reconhecido mau caráter e impiedade, que, porém, ficou comovido pelo ato da
madre. Assim é descrita a cena:
“Escolheu a duas irmãs acompanhantes, tomaram em
suas mãos uma bandeira de trapo branco, sinal da paz, e percorreram a rua
tomando o caminho das portas de Santa Engrácia diretamente até as posições
francesas, sem preocupar-se com bombas nem disparos... Imaginem o rosto dos
atiradores sitiados quando as viram passar sem deter-se; o rosto dos soldados
franceses quando as viram chegar: três freiras com seu hábito negro empunhando
uma bandeira branca. Jamais nas batalhas europeias presenciaram tal
espetáculo”.
O marechal não só
lhes deu alimento e remédios para as vítimas do sítio, como também lhes
proporcionou um salvo conduto para que regressassem quantas vezes necessitassem
para pedir mais recursos. E assim foi: Maria regressou uma e outra vez
para trazer remédios, ataduras e os restos de comida que não queriam os
franceses, para reparti-los em seu hospital. Inclusive chegou a interceder por
alguns prisioneiros e lograr sua liberação.
Neste contexto de
guerra, se conta um milagre da beata: o chamado “prodígio do cântaro”:
Quando os
pacientes do hospital ficaram sem água, Maria não duvidou em ir à capela e
pegar um cântaro de barro onde se guardava a água benta e dar de beber a todo
aquele que o necessitou. Quando foi devolver o cântaro à capela e o deixou em
seu lugar, comprovou maravilhada, que voltava a estar cheio de água, tal e qual
o havia pegado.
Não lhe faltaram
mais dificuldades. A Junta do hospital, de nova nomeação por parte do governo
francês, interferiu notadamente na vida da nascente Congregação. A associação
passou a ser formalmente uma Congregação Religiosa e Maria voltou a ocupar o
cargo de Superiora até sua renúncia em 1829.
Este é o papel que Maria desempenhou na guerra: um
exemplo de amor, caridade e entrega ao próximo, por cima de sua própria vida.
No entanto, esse heroísmo humilde e silencioso não seria reconhecido em vida.
Não seria até muito depois de sua morte, durante o primeiro centenário dos
Sítios de Zaragoza (1908) quando se reconheceria seu impressionante trabalho,
sendo proclamada Heroína dos Sítios de Zaragoza.
Acabada a guerra,
em 1815, se retira a descansar durante dois escassos meses a Villafranca, seu
povoado natal. Deste 1813 até 1834, se põe à frente da Inclusa, departamento de
órfãos do hospital, onde permanecerá quase toda sua vida. Os meninos órfãos, os abandonados, serão seu novo campo de atuação.
Vigiava os meninos que viviam ao relento, em condições lamentáveis, se ocupava
dos meninos da rua, resgatava os recém-nascidos abandonados, os ilegítimos e os
filhos de mães solteiras, protegendo-os, defendendo-os, dando-os em adoção ou,
inclusive, acolhendo-os ela mesma quando via que não estavam recebendo o
tratamento adequado.
Porém, em 1834, se
viu golpeada pelo contexto das guerras carlistas. Aquela que havia servido ao
próximo e à cidade de Zaragoza, de pronto se viu metida em uma conspiração e
foi acusada de alta traição. Como é possível? Tudo foram calúnia e conspiração
contra ela. A existência de uma prancha de chumbo que ela usava para bordar
flores na roupa, serviu para acusa-la. Duas pessoas, debaixo de falso
testemunho, declararam que o sacerdote do hospital, o capelão Nerin, usava essa
prancha para fabricar cartuchos e balas, e que era a madre Ràfols quem a havia
dado a ele. Acusada de conspirar contra a rainha, Maria foi encarcerada e
passou dois meses na prisão da Inquisição, para monjas dominicanas, onde se
encerrava por motivos políticos. Apesar de sofrer com resignação ao cárcere e
que tenha sido declarada inocente ao comprovar-se que tudo era montagem,
incompreensivelmente foi condenada ao exílio:
Aceitando sem
protesto a injusta condenação, Maria tão somente solicitou que a trasladassem a
uma casa que sua Congregação tinha em Huesca, petição que lhe foi concedida.
No exílio passou
seis anos. A situação econômica do hospital de Huesca era também lamentável e
apenas havia recursos para subsistir. Neste clima depauperado, a saúde de Maria
foi se deteriorando lentamente. Em 1891, temendo encontrar-se próxima a morrer,
pede para regressar de novo a Zaragoza e isto lhe é novamente concedido.
Em Zaragoza,
retorna à Inclusa e se entrega de novo aos meninos órgãos e abandonados, porém,
a enfermidade vai agravando-se e, por fim, morre em 30 de agosto de 1853,
rodeada de suas filhas espirituais.
Faltava-lhe pouco
para completar 72 anos de idade e 49 como Irmã da Caridade. Sua morte foi como
sua vida: cheia de serenidade, paz, carinho e agradecimento a todos os que a
haviam rodeado. Não chegou a ver aprovada a Congregação que a mesma havia
fundado, porém, seus alicerces eram sólidos. Em 1858, com a autorização e ajuda
da rainha Isabel II, se expande até estar presente, na atualidade, em todos os
continentes.
Foi beatificada
pelo Papa João Paulo II em 16 de outubro de 1994 que na sua homilia disse:
Na Beata Maria
Rafols contemplamos a ação de Deus que faz "Heroína da Caridade" para
o jovem humilde que deixou sua casa em Villafranca del Penedès (Barcelona) e na
companhia de um padre e onze outras meninas, começa uma estrada de serviço aos
doentes, seguindo Cristo e dando, como ele, "sua vida em resgate por
muitos" (Mc 10, 45).
Contemplativa na
ação: este é o estilo e a mensagem que nos deixa Maria Rafols. As horas de
silêncio e de oração na tribuna da capela do Hospital de Gracia, em Zaragoza, estendem-se
depois ao generoso serviço a todos os excluídos: os doentes, os deficientes
mentais, mulheres e crianças abandonadas à própria sorte. Assim, ela diz que a
caridade, a verdadeira caridade, tem a sua origem em Deus, que é amor (1 Jo 4,
8).
Depois de passar
grande parte de sua vida a serviço do outro, mortificada e no escondimento, com devoção e
ternura, abraçando a cruz, consuma sua entrega final ao Senhor, deixando para a
Igreja e, especialmente, para suas filhas, o grande ensinamento que a caridade
não morre, nunca desaparece, a grande lição da caridade sem fronteiras, viveu
na entrega de todos os dias. Todos os consagrados podem ver nela uma expressão
da perfeição da caridade à qual são chamados.