terça-feira, 30 de agosto de 2016

Beata Maria Ràfols

A história de Maria Ràfols é de uma mulher que fez grandes coisas através do silêncio e a da humildade, feita toda caridade e em pobreza, tanto material como espiritual. A sociedade da época a pagou com o desprezo, o cárcere e o desterro. Teve que esperar a sua morte para se começasse a reconhecer o valor de sua existência. Sua Congregação, atualmente expandida por todo o mundo, se dedica à educação, ao apostolado e à saúde, campos nos quais a mesma se destacou.
Uma cristã autêntica e sublime, porém, também uma mulher forte, valente, empreendedora, de comportamento exemplar com os feridos da guerra, os enfermos do hospital e os meninos da Inclusa.

Maria Ràfols nasceu em Vilafranca de Penedès, em 05 de novembro de 1781, em Molí d'En Rovira, lugar simples e humilde, filha de agricultores catalães.
Pouco depois de seu nascimento e batismo, em 07 de novembro, a família se mudou para outro moinho, o Molì de Mascaró, em Bleda, onde a menina passou sua infância. Não se sabe muito sobre esse período, porém, é provável que fosse pobre e humilde, como qualquer outra menina camponesa.

Muitos testemunhos falam de sua candura e piedade. Em 1794, quando tinha apenas nove anos de idade, morreu seu pai e sua mãe contraiu novo matrimônio, e a família se mudou para Garraf. A situação econômica parece que melhorou, pois há registro de que Maria Ràfols estudou interna em um colégio de Barcelona (Colégio de l'Ordre de Nostra Senyora). Em 1804, morre sua mãe.
Maria devia ter conhecimentos e formação como enfermeira, pois trabalhava nesta função, como voluntária, no Hospital de La Santa Creu de Barcelona – a cargo das Irmãs Hospitaleiras de São João de Deus – quando a encontrou o padre Juan Bonal. Este sacerdote era capelão do hospital e estava buscando religiosos para abastecer o Hospital de Gracia de Zaragoza, que carecia de pessoal adequado para atender aos enfermos, e, requerido pela junta de Zaragoza, reuniu doze homens e doze mulheres que lhe ajudaram em sua tarefa. Já então devia ver em Maria o talento e a personalidade necessárias para tal tarefa, pois ela, com apenas 23 anos, se converteu na superiora desta recém-nascida congregação.

Como e onde tomaram hábito estas doze mulheres? Não se sabe. É provável que fosse o próprio Juan Bonal quem as orientara, lhes dera hábitos e as admitira com os habituais votos de pobreza, obediência e castidade. Porém, estamos falando, pela primeira vez, de uma congregação religiosa feminina que exercerá o apostolado e que terá uma atividade fora das paredes do convento. Neste sentido, Maria Ràfols foi uma pioneira, numa época em que as religiosas ainda não haviam deixado a clausura e que o apostolado até então era negado às mulheres.
A viagem de Barcelona a Zaragoza a realizaram em uma "carroça", com todos os inconvenientes e incômodos da época, chegando em 28 de dezembro de 1804. Nesse mesmo dia vão a prostrar-se diante à Virgem de Pilar, à qual imploraram sua proteção.
O caminho que se apresentava a Maria era duríssimo: tinha apenas 23 anos e devia organizar aquela comunidade e por ordem no Hospital de Gracia, um "mundo de dor", onde se amontoavam enfermos, dementes, meninos abandonados e todo tipo de misérias, com uma dotação instrumental lamentável e deficiente, e sendo mal recebidos pelo pessoal do hospital, que fizeram tudo quanto puderam para amargar-lhes a existência, maltratando-os continuamente. De fato, após 03 anos, os homens, cansados da dura experiência, abandonaram. Porém, as religiosas não o fizeram. As mulheres, paradoxalmente conhecidas como "sexo frágil", seguiram adiante, com Maria à cabeça.

De Maria não se conhecem grandes frases. Segundo as crônicas, tudo que fez o fez “com muita prudência e discrição”, sabendo que se arriscava e que não era apreciada em seu entorno. Tudo que fez deve ter feito bem, pois, em pouco tempo, o número das religiosas aumentava. Ela mesma, com algumas irmãs, se apresenta ao exame de “flebotomia”, organizado pela Junta, para demonstrar sua habilidade na prática da sangria, intervenção habitual na medicina de então. Algo impensável para a mulher daqueles tempos, à qual não se permitia intervir diretamente sobre o enfermo.

O início da Guerra do Francês – ou Guerra da Independência – causará um terrível golpe para a cidade de Zaragoza, que padeceu um terrível sítio (1808 – 1809). É aqui onde a madre Ràfols dará mostra de seu heroísmo, onde levará a cabo suas grandes ações, sempre em silêncio, sempre sem que dela se conheçam grandes discursos.
No primeiro sítio, as tropas francesas bombardeiam a cidade, e o Hospital da Graça é destruído e incendiado. Foi necessário organizar o traslado dos enfermos e feridos a um recinto menor, com todo o caos e a aglomeração que era de se supor. Entre balas, canhões e ruínas, expôs uma e outra vez sua vida para salvar aos enfermos e aos feridos, acompanhada por umas poucas irmãs, pedindo esmola e alimento, com grande dificuldade para manter o hospital. Chegou a privar-se do próprio alimento para que o mesmo fosse dado a seus pacientes, porém, não bastava para todos (havia mais de 6000 internos no hospital).
O segundo sítio de Zaragoza foi ainda pior, chegando-se a uma situação desesperadora. Maria tomou uma resolução admirável: foi até ao acampamento do inimigo para pedir ajuda. Os franceses, ao mando do marechal Lannes, estavam acampados no atual bairro de Torrero. Ainda que ela e as religiosas que a acompanharam sofreram, em um primeiro momento, as piadas e insultos dos soldados, finalmente lograram ser atendidas pelo general, homem de reconhecido mau caráter e impiedade, que, porém, ficou comovido pelo ato da madre. Assim é descrita a cena:
“Escolheu a duas irmãs acompanhantes, tomaram em suas mãos uma bandeira de trapo branco, sinal da paz, e percorreram a rua tomando o caminho das portas de Santa Engrácia diretamente até as posições francesas, sem preocupar-se com bombas nem disparos... Imaginem o rosto dos atiradores sitiados quando as viram passar sem deter-se; o rosto dos soldados franceses quando as viram chegar: três freiras com seu hábito negro empunhando uma bandeira branca. Jamais nas batalhas europeias presenciaram tal espetáculo”.

O marechal não só lhes deu alimento e remédios para as vítimas do sítio, como também lhes proporcionou um salvo conduto para que regressassem quantas vezes necessitassem para pedir mais recursos.  E assim foi: Maria regressou uma e outra vez para trazer remédios, ataduras e os restos de comida que não queriam os franceses, para reparti-los em seu hospital. Inclusive chegou a interceder por alguns prisioneiros e lograr sua liberação.

Neste contexto de guerra, se conta um milagre da beata: o chamado “prodígio do cântaro”:
Quando os pacientes do hospital ficaram sem água, Maria não duvidou em ir à capela e pegar um cântaro de barro onde se guardava a água benta e dar de beber a todo aquele que o necessitou. Quando foi devolver o cântaro à capela e o deixou em seu lugar, comprovou maravilhada, que voltava a estar cheio de água, tal e qual o havia pegado.

Não lhe faltaram mais dificuldades. A Junta do hospital, de nova nomeação por parte do governo francês, interferiu notadamente na vida da nascente Congregação. A associação passou a ser formalmente uma Congregação Religiosa e Maria voltou a ocupar o cargo de Superiora até sua renúncia em 1829.

Este é o papel que Maria desempenhou na guerra: um exemplo de amor, caridade e entrega ao próximo, por cima de sua própria vida. No entanto, esse heroísmo humilde e silencioso não seria reconhecido em vida. Não seria até muito depois de sua morte, durante o primeiro centenário dos Sítios de Zaragoza (1908) quando se reconheceria seu impressionante trabalho, sendo proclamada Heroína dos Sítios de Zaragoza.

Acabada a guerra, em 1815, se retira a descansar durante dois escassos meses a Villafranca, seu povoado natal. Deste 1813 até 1834, se põe à frente da Inclusa, departamento de órfãos do hospital, onde permanecerá quase toda sua vida. Os meninos órfãos, os abandonados, serão seu novo campo de atuação. Vigiava os meninos que viviam ao relento, em condições lamentáveis, se ocupava dos meninos da rua, resgatava os recém-nascidos abandonados, os ilegítimos e os filhos de mães solteiras, protegendo-os, defendendo-os, dando-os em adoção ou, inclusive, acolhendo-os ela mesma quando via que não estavam recebendo o tratamento adequado.

Porém, em 1834, se viu golpeada pelo contexto das guerras carlistas. Aquela que havia servido ao próximo e à cidade de Zaragoza, de pronto se viu metida em uma conspiração e foi acusada de alta traição. Como é possível? Tudo foram calúnia e conspiração contra ela. A existência de uma prancha de chumbo que ela usava para bordar flores na roupa, serviu para acusa-la. Duas pessoas, debaixo de falso testemunho, declararam que o sacerdote do hospital, o capelão Nerin, usava essa prancha para fabricar cartuchos e balas, e que era a madre Ràfols quem a havia dado a ele. Acusada de conspirar contra a rainha, Maria foi encarcerada e passou dois meses na prisão da Inquisição, para monjas dominicanas, onde se encerrava por motivos políticos. Apesar de sofrer com resignação ao cárcere e que tenha sido declarada inocente ao comprovar-se que tudo era montagem, incompreensivelmente foi condenada ao exílio:

Aceitando sem protesto a injusta condenação, Maria tão somente solicitou que a trasladassem a uma casa que sua Congregação tinha em Huesca, petição que lhe foi concedida.
No exílio passou seis anos. A situação econômica do hospital de Huesca era também lamentável e apenas havia recursos para subsistir. Neste clima depauperado, a saúde de Maria foi se deteriorando lentamente. Em 1891, temendo encontrar-se próxima a morrer, pede para regressar de novo a Zaragoza e isto lhe é novamente concedido.
Em Zaragoza, retorna à Inclusa e se entrega de novo aos meninos órgãos e abandonados, porém, a enfermidade vai agravando-se e, por fim, morre em 30 de agosto de 1853, rodeada de suas filhas espirituais.

Faltava-lhe pouco para completar 72 anos de idade e 49 como Irmã da Caridade. Sua morte foi como sua vida: cheia de serenidade, paz, carinho e agradecimento a todos os que a haviam rodeado. Não chegou a ver aprovada a Congregação que a mesma havia fundado, porém, seus alicerces eram sólidos. Em 1858, com a autorização e ajuda da rainha Isabel II, se expande até estar presente, na atualidade, em todos os continentes.

Foi beatificada pelo Papa João Paulo II em 16 de outubro de 1994 que na sua homilia disse:

Na Beata Maria Rafols contemplamos a ação de Deus que faz "Heroína da Caridade" para o jovem humilde que deixou sua casa em Villafranca del Penedès (Barcelona) e na companhia de um padre e onze outras meninas, começa uma estrada de serviço aos doentes, seguindo Cristo e dando, como ele, "sua vida em resgate por muitos" (Mc 10, 45).

Contemplativa na ação: este é o estilo e a mensagem que nos deixa Maria Rafols. As horas de silêncio e de oração na tribuna da capela do Hospital de Gracia, em Zaragoza, estendem-se depois ao generoso serviço a todos os excluídos: os doentes, os deficientes mentais, mulheres e crianças abandonadas à própria sorte. Assim, ela diz que a caridade, a verdadeira caridade, tem a sua origem em Deus, que é amor (1 Jo 4, 8).

Depois de passar grande parte de sua vida a serviço do outro,  mortificada e no escondimento, com devoção e ternura, abraçando a cruz, consuma sua entrega final ao Senhor, deixando para a Igreja e, especialmente, para suas filhas, o grande ensinamento que a caridade não morre, nunca desaparece, a grande lição da caridade sem fronteiras, viveu na entrega de todos os dias. Todos os consagrados podem ver nela uma expressão da perfeição da caridade à qual são chamados.

domingo, 28 de agosto de 2016

"Toma e Lê" momento decisivo na vida de Santo Agostinho


(...) “Eu, não sei como, me retirei para a sombra de uma figueira, e dei vazão às lágrimas; e dois rios brotaram de meus olhos, sacrifício agradável a teu coração. E embora não com estes termos, mas com o mesmo sentido, muitas coisas te disse como esta: E tu, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, hás de estar irritado! Esquece-te de minhas iniqüidades passadas! Sentia-me ainda preso a elas, e gemia, e lamentava: “Até quando? Até quando direi amanhã, amanhã? Por que não agora? Por que não pôr fim agora às minhas torpezas?”

Assim falava, e chorava oprimido pela mais amarga dor do meu coração. Mas eis que, de
repente, ouço da casa vizinha uma voz, de menino ou menina, não sei, que cantava e repetia
muitas vezes: “Toma e lê, toma e lê”.

E logo, mudando de semblante, comecei a buscar, com toda a atenção em minhas  lembranças se porventura esta cantiga fazia parte de um jogo que as crianças costumassem
cantarolar; mas não me lembrava de tê-la ouvido antes. Reprimindo o ímpeto das lágrimas,
levantei-me. Uma só interpretação me ocorreu: a vontade divina mandava-me abrir o livro e ler o primeiro capitulo que encontrasse.

Tinha ouvido dizer que Antão, assistindo por acaso a uma leitura do Evangelho, tomara
para si esta advertência: “Vai, vende tudo o que tens, dá-lo aos pobres, e terás um tesouro no
céu; depois vem e segue-me” – e que esse oráculo decidira imediatamente sua conversão.
 Depressa voltei para o lugar onde Alípio estava sentado, e onde eu deixara o livro do
Apóstolo ao me levantar. Peguei-o, abri-o, e li em silêncio o primeiro capítulo que me caiu sob os olhos: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, não nos prazeres impuros do leito e em leviandades, não em contendas e rixas; mas revesti-vos de nosso Senhor Jesus Cristo, e não cuideis de satisfazer os desejos da carne”.

Não quis ler mais, nem era necessário. Quando cheguei ao fim da frase, uma espécie de
luz de certeza se insinuou em meu coração, dissipando todas as trevas de dúvida.”

Santo Agostinho e as duas vontades


"Mal teu servo Simpliciano me contou a conversão de Vitorino, ardi no desejo de imitá-lo; aliás, era esta a finalidade da narração de Simpliciano. Depois acrescentou que nos tempos do imperador Juliano, uma lei proibia aos cristãos ensinar literatura e oratória, e Vitorino, dócil à lei, preferiu abandonar a escola de palradores a abandonar teu Verbo, que torna eloquentes as línguas dos meninos. Não só me pareceu corajoso como afortunado, por ter encontrado ocasião de se consagrar por ti. Por isso eu suspirava, acorrentado não com os ferros de uma vontade estranha, mas por minha férrea vontade.

O inimigo dominava meu querer, e dele forjava uma corrente com a qual me mantinha cativo. Da vontade perversa nasce a paixão, e desta satisfeita procede o hábito, e do hábito não contrariado provém a necessidade, e com estes anéis enlaçados entre si – por isso lhes chamei corrente – me mantinha preso em dura servidão. A nova vontade, que despontava em mim, de te servir sem interesse, de me alegrar em ti, ó meu Deus, única alegria verdadeira, ainda não era capaz de vencer a vontade antiga e inveterada. Deste modo minhas duas vontades, a velha e a nova, a carnal e a espiritual, lutavam entre si e, nessa luta, dilaceravam-me a alma.

Entendi, por experiência própria, o que havia lido: a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito contra a carne. Eu vivia ao mesmo tempo a ambos, embora mais o que aprovava em mim do que o que em mim desaprovava. Com efeito, nesta última parte de mim eu era passivo e constrangido, mais do que ativo e livre.
E,contudo, o hábito que se impunha contra mim vinha de mim mesmo, pois fora
voluntariamente que eu chegara onde não queria. E quem poderia protestar legitimamente, se um castigo justo segue o pecador?

Eu já não tinha aquela desculpa, com a qual persuadia-me de que, se ainda não
desprezava o mundo para te servir, era porque não tinha visão clara da verdade, uma vez que agora já a conhecia de modo indiscutível. Mas, ainda apegado à terra, recusava-me a combater em tuas fileiras, e temia ver-me livre dos meus laços, quando devia temer estar por eles atado.

Assim, sentia-me docemente oprimido pelo peso do mundo, como em um sonho, e os pensamentos com que meditava em ti eram semelhantes aos esforços dos que desejam despertar, mas, vencidos pela sonolência, voltam dormir. Não há ninguém que queira dormir sempre, e segundo dita o bom senso, é melhor estar desperto que dormir. Contudo, às vezes retarda-se o despertar, quando o torpor torna os membros pesados, e, mesmo a contragosto, continua-se a dormir mesmo depois de chegada a hora de despertar. Assim eu estava certo que era melhor entregar-me a teu amor que ceder à minha paixão. O primeiro me agradava, me dominava; o segundo me encantava, me prendia.

Já não tinha o que responder quando me dizias: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te há de iluminar”. E quando por todos os meios me mostrava a verdade do que dizias, e de que eu estava convencido, não tinha absolutamente nada para responder, senão umas palavras preguiçosas e sonolentas: Um momento... Depois... Um pouquinho mais...
Mas este pouquinho não tinha fim, e este momento se ia prolongando.

Em vão me deleitava em tua lei, segundo o homem interior, porque em meus membros outra lei combatia a lei de meu espírito, mantendo-me cativo sob a lei do pecado que estavas em

meus membros. Com efeito, a lei do pecado é a violência do hábito, pelo qual a alma é arrastada e presa, mesmo contra sua vontade, merecidamente porém, pois se deixa arrastar por vontade própria. Pobre de mim! Quem poderia libertar-me deste corpo de morte senão tua graça, por Cristo, nosso Senhor?" 
Confissões Livro VIII 5,10

sábado, 27 de agosto de 2016

Santa Mônica reza incessantemente pelos seus filhos

Santo Agostinho nas suas Confissões, nos relata como sua mãe Mônica nunca interrompeu as orações por sua conversão e santificação. mais importante do que os bens terrenos ela suplicava pela salvação de sua alma:

"Como ela pedisse que se dignasse falar comigo, para refutar meus erros e desenganar-me de minhas más doutrinas e ensinar-me as boas – pois assim fazia com quantos julgava idôneos – ele negou-se com muita prudência, como pude verificar depois; respondeu-lhe que eu estava incapacitado para receber qualquer ensinamento, por estar enfatuado com a novidade da heresia maniqueísta, e por haver criado embaraço a muitos ignorantes com algumas questões fáceis, como ela mesma lhe relatara.
“Deixe-o – disse – e unicamente ore por ele ao Senhor! Ele mesmo, lendo os livros dos hereges, descobrirá o erro e reconhecerá sua grande impiedade”. – Ao mesmo tempo contou-lhe que, quando criança, sua mãe, seduzida pelo erro, entregara-o aos maniqueus, chegando não só a ler, mas a copiar quase todas as suas obras; e que ele mesmo, sem necessidade de que ninguém o contestasse ou convencesse, chegara a perceber a falácia daquela doutrina, abandonando-a enfim. Depois de assim falar, minha mãe não se aquietava, instando com maiores rogos e mais copiosas lágrimas a que me visitasse, para discutir comigo sobre o tal assunto. O bispo, já com certo enfado de sua insistência, lhe disse: “Vai-te em paz, mulher, e continua a viver assim, que não é possível que pereça o filho de tantas lágrimas” – palavras que ela recebeu como vindas do céu, segundo me recordava muitas vezes em seus colóquios comigo.” Livro III, 21

“Minha mãe tudo ignorava, mas, ausente, orava por mim, e tu, presente em todas as partes onde ela estava, lhe dava ouvidos; exercias tua misericórdia para comigo onde eu estava, restituindo-me a saúde do corpo, ainda que meu coração sacrílego continuasse doente. Nem mesmo estando em tão grande perigo desejei teu batismo. Quando menino eu era melhor, porque então o solicitei à piedade de minha mãe, como já recordei e confessei. Mas, para minha vergonha, eu havia crescido e, em minha loucura, zombava dos remédios de tua medicina, que não me deixou morrer duplamente em tal estado.

Se o coração de minha mãe fosse transpassado por essa ferida, nunca haveria de sarar. Minha eloquência não é suficiente para descrever o grande amor que me dedicava, e a que ponto seus cuidados para me gerar em espírito eram piores que os que suportava quando me concebeu pela carne. Por isso, não vejo como poderia sarar se minha morte em tal estado tivesse ferido as entranhas de seu amor. E onde estariam tantas orações, continuamente repetidas? Estariam em ti, somente em ti. Seria possível que tu, Deus de misericórdia, desprezasses o coração contrito e humilhado de uma viúva casta e sóbria, que frequentemente dava esmolas e servia obsequiosa a teus santos? Que em nenhum dia deixava de levar sua oferenda a teu altar? Que ia duas vezes por dia – de manhã e à tarde – à tua igreja, sem faltar jamais, e não para entreter-se em vãs conversas e cochichos de velhas, mas para te ouvir as palavras e para que a ouvisses em suas orações? Poderias desprezar as lágrimas de uma mãe que não te pedia nem ouro, nem prata, nem bem algum terreno e frágil, mas a salvação da alma de seu filho? Poderias, ó Deus, a quem ela devia tudo o que era, poderias desprezá-la e negar-lhe teu auxílio? De nenhum modo, Senhor; pelo contrário, tu a assistias, e a escutavas, mas pelo caminho determinado por tua providência.” Livro V, 16

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

26 de agosto - Beato Zeferino Namuncurá

“É a primeira vez que se faz uma beatificação em uma grande cidade, mas sobre um povo pequeno, porém grandíssimo por esta multidão de amigos de Zeferino, significa recordar e valorizar profundamente as antigas tradições do povo mapuche, audaz e indômito.
Ao mesmo tempo, ele nos ajuda a descobrir a fecundidade do Evangelho, que nunca destrói os valores autênticos que existem em uma cultura, mas os assume, purifica e aperfeiçoa.
A própria vida do novo beato é como uma parábola desta profunda dívida; Zeferino jamais esqueceu que eram mapuche, com efeito, seu ideal supremo era ser útil a seu povo.”
Cardeal Tarcisio Bertone – Homilia de Beatificação – 11 de novembro de 2007

O santo não é nunca como um meteorito que corta de repente o céu da humanidade; é antes o fruto de uma longa e silenciosa gestação de uma família e de um povo que exprimem no filho as suas melhores qualidades.

Zeferino Namuncurá era um jovem de quase 19 anos, um mapuche "homem da terra", como sugere a etimologia dos pampas: uma terra dura, estéril, flagelada pelo vento ou queimada pelo sol, imobilizada pela neve ou encharcada pela chuva. Portanto, Zeferino era um cidadão dos pampas, filho de um povo acostumado a combater desde o amanhecer até ao anoitecer e, frequentemente, também do anoitecer até ao amanhecer contra os elementos naturais. 
Zeferino foi forjado por esta terra, obrigado a crescer depressa, como todos os seus coetâneos; uma infância curta, uma adolescência mais ou menos inexistente a vida nos pampas exige de quem tem 9 ou 10 anos a agilidade de um adulto: cavalgar, caçar, pescar, usar as bolas com extrema precisão, conhecer, enfim, todos os truques para a sobrevivência.

Filho do cacique dos mapuches, Zeferino nasceu a 26 de Agosto de 1886, na Argentina. Foi batizado a 24 de Dezembro de 1888, pelo missionário Dom Milanesio que permaneceu sempre um dos seus pontos de referência. Quando o pai foi proclamado coronel do exército argentino, aceitou que o filho fosse estudar na capital. Após uma breve experiência numa escola estatal, Zeferino foi acolhido para o colégio salesiano de Buenos Aires a 20 de Setembro de 1897. A vida no colégio não foi muito fácil para esse filho do deserto, mas ele aceitou tudo em silêncio e, em contato com os sacerdotes salesianos de grande talento apostólico e cultural, iniciou uma rápida transformação que se tornou um propósito permanente na base da sua parábola de santidade: "Vim estudar para ser útil ao meu povo"
Encantou-se com Dom Bosco e decidiu tornar-se sacerdote para evangelizar seu povo. A antiga sabedoria herdada dos seus antepassados encontrou-se e integrou-se admiravelmente com a sabedoria cristã, por ele percebida como o ápice, o complemento daquela do seu povo.

Na Argentina, Zeferino é o "santo" mais conhecido e amado. Feito santo pelo seu povo antes que a Igreja o declarasse tal. Por conseguinte, é um santo inusitado, portador de uma santidade dos pampas, regada pelas fadigas, valores, obediência, suportação; sem impulsos místicos, orações martirizantes, proclamas ou propósitos clamorosos, sem escritos exaltantes: um santo da terra, um santo ao alcance de todos, um santo, enfim, segundo o coração de Dom Bosco, que incentivava os seus alunos a ter duas características que pela sua simplicidade teria provocado alguma perplexidade nos grandes santos do passado, mas que para o sacerdote dos jovens eram o sinal inequívoco de uma santidade ao alcance dos jovens:"honesto cidadão e bom cristão". É o quanto basta para se tornar santo. Dom Bosco estava convencido disso e a história deu-lhe razão: Domingos Savio, Laura Vicuña e, agora, Zeferino Namuncurá. 

Dois fatos o impulsionaram para os cimos mais altos: a leitura da vida de Domingos Sávio, de que se tornou ardoroso imitador, e a primeira Eucaristia, na qual vinculou um pacto de absoluta fidelidade com o seu grande amigo Jesus. Desde então, aquele rapaz, que sentia dificuldades em “entrar na fila” e “obedecer ao sinal do sino”, tornou-se um modelo.

Um dia – Zeferino era já aspirante salesiano, em Viedma – Francisco de Salvo, vendo-o chegar a cavalo como um raio, gritou-lhe: “Zeferino, do que é que você mais gosta?”. Esperava uma resposta que se referisse à equitação, arte na qual os Araucanos eram exímios. O rapaz, freando o cavalo: “Ser sacerdote”! – responde –. E retoma a corrida desabalada.

Em 1903, foi aceito no grupo dos aspirantes, em Viedma, para estudar latim. Em seguida foi para a Itália, onde prosseguiu os estudos. Lá teve a oportunidade de conhecer o Papa Pio X, por quem foi abençoado.
Na Itália, frequentou o Colégio Salesiano de Villa Sora, em Frascati, onde foi um dos melhores alunos de sua classe.

Em 1905, acometido por uma tuberculose, que há muito tempo afetava sua saúde, faleceu aos 18 anos, em Roma. Foi beatificado pelo Papa Bento XVI, em 2007.

Nossa Senhora de Czestochowa - Monte Claro

Conforme tradição muito antiga, o quadro de Nossa Sra. de Czestochowa (do Monte Claro) é cópia fiel da pintura feita pelo evangelista São Lucas.
Seguidas vezes, são Lucas visitava Virgem Maria, colhendo dela pormenores da infância de Jesus. Foi numa dessas ocasiões que ele, na própria tábua da mesa de cedro que Nossa Senhora usava para seu trabalho e oração, pintou sua imagem.
Diz a lenda que, ao iniciar a pintura do rosto da Virgem Maria, deteve-se pensativo, preocupado em exprimir da melhor forma possível toda beleza da Mãe de Deus. Profundamente recolhido, cochilou e adormeceu por alguns instantes e, acordando, surpreendeu-se ao encontrar o quadro pronto, no qual o rosto de Maria, de celestial beleza, estava pintado.
Sendo Jerusalém ocupada pelo exército romano, Santa Helena foi conhecer os lugares santos e procurar a Santa Cruz. Santa Helena viu o quadro e recebeu-o das mulheres que o guardavam. Encontrando também o lenho da Santa Cruz, enviou ambos a seu filho Constantino, Imperador de Constantinopla.
Muitas cópias do quadro milagroso foram feitas, por ordem de Constantino, e por ele doadas aos cristãos do oriente e ocidente. O quadro original permaneceu com ele. Por mais de 400 anos o quadro permaneceu nas capelas particulares, como propriedade dos príncipes russos. Depois o quadro foi transferido para a capela do castelo Belz, na Rússia, onde permaneceu por muitos anos.
Entrando a Rússia em guerra contra Ludovico, rei da Hungria e da Polônia, foi por este vencida. A cidade de Belz e o castelo caíram nas mãos de Ludovico, que nomeou seu sobrinho Ladislau, Príncipe de Opole - Polônia, como governador de Belz. 
Visitando as dependências do castelo, Ladislau encontrou o quadro de N. Sra. e, cheio de respeito e amor para com Mãe de Deus, colocou-o na capela do palácio. Entretanto, pouco tempo depois, a cidade de Belz foi invadida pelos Tártaros, que atacaram o castelo. 
Ladislau com sua agente, defendia-se de forma heroica dos invasores muito mais numerosos. Vendo que seus esforços eram inúteis, Ladislau recorreu à proteção de Maria e, prostrando-se diante do Quadro sagrado, pediu socorro, que lhes veio sem demora. O príncipe, grato pela ajuda milagrosa, decidiu retirar o quadro da Virgem de Belz, pois era um lugar exposto aos ataques dos Tártaros, e levá-lo a Opole (Polônia) capital do seu principado.
Contudo, por desígnio de Deus e vontade de Maria, resolveu deixar o quadro numa capela situada na colina chamada Monte Claro, perto de Czestochowa. O ponto mais alto, por ser um descalvado de calcário, recebeu este nome de Monte Claro (= Jasna Gora)
Chegada do Quadro Milagroso à Polônia
Em agosto de 1382, O Príncipe Ladislau confiou o quadro milagroso aos cuidados dos Frades Paulinos, seus fiéis guardiões. Construiu-lhes, com ajuda do povo daquela região, o convento, a igreja e fez generosa doação em terras e aldeias para manutenção do convento e do Santuário. Ladislau Jagiello, rei da Polônia e Lituânia, não só aprovou as doações do Príncipe, mas contribuiu com outro tanto por sua parte.
A pedido deste rei, o Papa Martinho V, em uma Bula de 1429  enriqueceu o santuário de Monte Claro com diversas indulgências e com a benção papal.
Desde o primeiro dia da chegada do quadro da Virgem Maria na terra polonesa o povo recorre a Nossa Senhora, pedindo saúde, consolo e graças espirituais. 
Inúmeras graças atribuem-se a ele: doentes foram curados, pessoas desesperadas encontraram paz e consolação etc. Todos os que recorriam à Mãe de Deus com confiança e amor, eram atendidos em suas necessidades.
Peregrinações das mais longínquas localidades do país e mesmo do estrangeiro chegavam ao Monte Claro em busca de socorro material e espiritual. Confortados pela ajuda recebida, expressavam a sua gratidão, oferecendo ao Santuário donativos em ouro, prata, pedras preciosas e dinheiro. 
Ornada com tantas joias de alto valor, o quadro milagroso tornou-se objeto de cobiça por parte dos ateus, dos infiéis e dos assaltantes, numerosos naquela época. 
Na madrugada do dia da Páscoa, do ano de 1430, o Santuário de Nossa Senhora, onde apenas os frades e alguns peregrinos se encontravam, foi repentinamente invadido por bandidos. Arrancaram do altar o quadro, joias, cálices e tudo de grande valor, jogaram tudo numa carroça, pondo-se em fuga.
Por descuido o quadro caiu da carroça e quiseram o recolocar, mas não o conseguiram. Do castelo mais próximo, vieram soldados armados e puseram-se imediatamente atrás dos bandidos. 
Os bandidos percebendo o que acontecera e não conseguindo recolocar o quadro no veículo, o chefe dos bandidos, na iminência de ser apanhado, encolerizou-se, golpeou-o diversas vezes com a espada e fugiu apressado. Ao chegar no local, soldados, peregrinos e frades, encontraram o quadro partido em três pedaços e o rosto de Nossa Senhora dolorosamente ferido. 
Ajoelhando-se, pediram ajuda de Deus. Depois pediram ao rei da Polônia Ladislau Jagiello que tomasse providências necessárias para restauração do quadro. Famosos pintores foram até lá para restaurar, mas nenhum deles conseguiu restaurar a pintura do quadro. 
Quando todos desistiram, um jovem que havia auxiliado o primeiro pintor veio até o rei e declarou com toda simplicidade:
"A Mãe de Deus não quer que sejam apagadas essas cicatrizes". 
Dito isto, pediu que lhe desse licença para concluir a restauração do quadro, e o rei embora contrariado, não tendo outro recurso cedeu ao seu pedido. 
Antes de pintar o jovem rezou a noite inteira. Concluído o trabalho, entregou ao rei Ladislau o quadro completamente restaurado, com todos os cortes cobertos, exceto os três ferimentos no rosto de Nossa Senhora. O jovem pintor havia desaparecido e nunca mais foi visto.
O quadro voltou ao seu trono, ornado novamente de ouro, prata e pedra preciosas, doadas pelos reis e pelo povo. A Mãe de Deus continuou, desde então, operando milagres e atendendo a todos os que a Ela recorriam com confiança e fé.
Em 1655, os Suecos invadiram a Polônia e atacaram também o Convento e o Santuário de Czestochowa, a fim de se apoderarem das riquezas do país. No Convento havia apenas frades e 50 famílias e alguns soldados. Durante 40 dias, os suecos atacavam com mais de 15 mil homens, canhões etc..., lançando bombas incendiárias sobre o Santuário.
Os frades e os outros sitiados defendiam-se heroicamente, confiando na proteção de Nossa Senhora e chegavam afazer procissão com o Santíssimo em volta do Santuário, cantando e rezando no meio dos ataques do inimigo.
Os suecos reconhecendo que lutavam contra forças sobrenaturais resolveram se afastar na noite de Natal e pouco tempo depois, foram expulsos também do país. 
No ano seguinte de 1656, Nossa Senhora de Czestochowa foi declarada, oficialmente, pelo Papa, RAINHA DA POLÔNIA.
Qual o motivo da cor “negra”?
 Ao longo dos séculos, muitos foram os testemunhos de curas e outros fenômenos milagrosos ocorridos com fiéis que peregrinaram à pintura. Ela é conhecida como "A Senhora Negra" por causa da fuligem acumulada sobre a sua superfície, fruto de séculos de velas votivas queimadas junto a ela. Com o declínio do comunismo na Polônia, as peregrinações à Senhora Negra aumentaram notavelmente. 
Um Papa Polonês em Roma.
No dia 16 de outubro de 1978, os sinos de todas as igrejas da Polônia tocavam festivamente, anunciando que um filho da Polônia martirizada, mas sempre fiel, Karol Wojtyla, Cardeal, fora eleito Papa, como 266 Sucessor de São Pedro, com o nome de João Paulo II.
João Paulo II, antigo Arcebispo de Cracóvia, no dia seguinte à sua eleição, escreveu ao Primaz da Polônia uma carta, e terminou dizendo: 
"Não haveria na sede de São Pedro um papa polonês, se não houvesse Monte Claro e o maravilhoso Primaz com sua fé heroica e inabalável confiança em Maria, Mãe da Igreja".
No seu brasão papal, colocou uma grande cruz, a letra M e as palavras: TOTUS TUUS, que significa: Todo Teu - Todo de Maria.


Beata Maria de los Angeles Ginard Martì

Poucos dias depois do martírio de Josep Tápies Sirvant e seis companheiros, também a Irmã Maria de los Ángeles Ginard Martí rematou a sua consagração a Jesus Cristo oferecendo a sua vida, ceifada pelas balas, em Dehesa de la Villa, perto de Madrid. A beata Maria de los Ángeles foi uma religiosa exemplar, destacando-se entre as suas numerosas virtudes o amor à Santíssima Eucaristia e ao Rosário, assim como a sua particular devoção aos primeiros cristãos, cujo martírio venerava.
O século XX foi definido como o século do martírio, como a história pode demonstrar. Não obstante a sua barbárie e virulência, a perseguição violenta que se desencadeou na Espanha, com a finalidade de destruir a Igreja, foi apenas um episódio, certamente feroz, do que o livro bíblico do Apocalipse chama a grande tribulação (Ap 7, 14). Na verdade, a grande tribulação da Igreja no século XX, que causou um número incalculável de vítimas a maior parte desaparecidos, sem deixar vestígios também nos deixou tantos nomes que a Igreja, com solicitude materna, eleva aos altares.
Devemos ter presente que não se trata só de manter viva na Igreja a memória dos mártires; trata-se sobretudo de compreender e dar o justo realce ao sentido do martírio cristão, que é, acima de qualquer outra consideração, o sinal mais autentico de que a Igreja é a Igreja de Jesus Cristo, é a Igreja que Ele quis e fundou e na qual está presente.
A grande multidão de mártires testemunha com o seu sangue a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo porque, mesmo que nela haja pecadores, é ao mesmo tempo uma Igreja de mártires, ou seja, de cristãos autênticos, que praticaram a sua fé em Cristo e a sua caridade para com os irmãos, incluindo os inimigos, até ao sacrifício, não só da sua vida, mas também com frequência da sua honra, tendo suportado grandes humilhações, entre outras as de terem sido chamados traidores e impostores. 
O martírio cristão proclama com evidencia que Deus, a pessoa de Jesus Cristo, a fé n'Ele e a fidelidade ao Evangelho são os valores mais nobres da vida humana, a ponto de sacrificar por eles a própria vida.
Os mártires não hesitaram em dar a sua vida pela fé em momentos de perseguição sanguinolenta. Que mensagem transmitem aos cristãos de hoje, na nossa existência quotidiana? Recordam-nos que devemos viver profundamente a nossa fé, não só a nível pessoal e privado, mas também no nosso agir responsável na sociedade, na qual nos compete o dever de promover e tutelar eficazmente aqueles valores que estão na origem de uma convivência baseada na justiça, como a vida, a família e o direito irrenunciável dos pais à educação dos filhos.
Cardeal José Saraiva Martins – Homilia de Beatificação 29/10/2005

A Irmã Maria de los Ángeles Ginard Martí, religiosa da Congregação das Irmãs Zeladoras do Culto Eucarístico, nasceu no dia 3 de Abril de 1894. Era a terceira de nove filhos e passou a sua infância nas Canárias, para onde o seu pai tinha sido transferido. Após o regresso da sua família a Maiorca embora já tivesse o desejo de tornar-se religiosa teve que esperar. Por necessidade aprendeu a confeccionar chapéus e a bordar a fim de, com o seu esforço pessoal, contribuir e suprir as carências de uma família tão numerosa. Não obstante isso, todas as manhãs levantava-se de madrugada para participar na Eucaristia e o seu trabalho não a impedia de recitar o Rosário, visitar o Santíssimo e transcorrer longos períodos em adoração na igreja das Irmãs Zeladoras do Culto Eucarístico.

Entrou nessa Congregação em 1921. Terminado o noviciado e emitida a primeira profissão religiosa, viveu e trabalhou na casa das Irmãs em Madrid de 1926 a 1929. Colocou-se imediatamente em contacto com a comunidade orante e soube estar disponível aos muitos fiéis que vinham à capela da casa para adorar o Santíssimo Sacramento. Em seguida, transferiu-se para Barcelona, regressando à casa de Madrid no ano de 1932, após ter renunciado ser conselheira-geral. Nesta casa viveu os quatro anos precedentes à sua morte, experimentando a perseguição religiosa típica daquela época. Atualmente os seus despojos repousam na igreja desta casa em Madrid.

Ela sabia aproveitar todos os momentos livres para adorar silenciosamente a Eucaristia, além do tempo habitual do seu horário religioso. Orava incessantemente diante de Jesus Cristo Ressuscitado, presente na Eucaristia, pelos muitos problemas da Espanha, agitada naquele período por tantos conflitos sociais. Desejava levar Cristo a toda a humanidade, através do fascínio eucarístico. No mês de Março de 1936, uma explosão de violência anti-religiosa provocou o incêndio de diversas igrejas, cobrindo toda Madrid de fumaça. Não obstante tudo, as Zeladoras do Culto Eucarístico não interromperam o seu ritmo de adoração. Contudo, os incêndios continuavam a aumentar e também os assassinatos de sacerdotes, pessoas consagradas e leigos cristãos.

No dia 20 de Julho de 1936, juntamente com as religiosas da sua comunidade, teve que se refugiar na casa de alguns vizinhos seus amigos. Na tarde de 25 de Agosto de 1936, após a denúncia de um porteiro do prédio onde estava hospedada, foi detida e, dado que estavam para capturar também uma irmã da dona da casa, a Irmã Maria de los Ángeles disse:
"Esta senhora não é uma religiosa, deixai-a, a única religiosa sou eu". Desse modo, salvou-lhe a vida mas, ao mesmo tempo, identificou-se como religiosa, fato que a levou ao martírio.
Conduzida à prisão das Belas Artes, na noite de 26 de Agosto, foi fuzilada na localidade de Dehesa de la Villa, em Madrid. Não foi submetida a qualquer processo; era religiosa, e este fato era suficiente. Após o reconhecimento e a remoção do seu cadáver, foi sepultada no cemitério de Almudena no dia seguinte. Em 1941, o seu corpo foi depositado no túmulo da comunidade. Maria de los Ángeles morreu sorrindo, como demonstram as fotografias. Finalmente era mártir de Jesus Cristo, como tinha desejado.

A Irmã Maria de los Ángeles viveu um duplo carisma a virgem que vive a transcendência e a dimensão escatológica todos os dias, alcança o grande mistério da perfeição cristã, doando de modo cruento a sua vida que era totalmente consagrada a Cristo e pode-se afirmar que foi a sua virgindade que a levou ao martírio. De fato, ela revelou ser uma religiosa e precisamente por isso foi assassinada logo em seguida, quase pronunciando a confissão do seu ser consagrada a Deus.


Tríduo de Santa Mônica - Terceiro Dia

TERCEIRO DIA

MÔNICA – RETORNA À CASA DO PAI
                                              
SINAL DA CRUZ:
Vinde, ó Deus, em meu auxílio.
Socorrei-me sem demora
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo
Como era no princípio, agora e sempre. Amem. Aleluia

HINO
Unânimes proclamem séculos e povos
Teu nome, Ó Mônica, é reconhecido,
O mundo inteiro em cantos sempre novos
Louve tua vida, teu exemplo oferecido.

Tu que pátria e cidade abandonaste
Por teu amor materno conduzida,
E as tormentas do mar desafiaste
E em pós do filho, por terra desconhecida.

Tuas lágrimas combatem a vaidade
Em que o filho se apoiava confiante:
Ó vencedora de heresias, na verdade,
Derrotas o erro e, com Cristo, sais triunfante.                  

À força de tuas lágrimas e preces,
Aquele duro coração dobrar pudeste
E convertê-lo ao grande Deus que reconheces
Depois do teu sofrer tu mereceste.

Vences no filho os rebeldes corações
De tantos inimigos da piedade:
Faze também que, em nosso tempo de ilusões,
Triunfe o Cristo para o bem da humanidade.

Realizada, ó mãe, em teu desejo antigo,
Já não procures à tua África voltar,
Ó santa mulher forte, os santos dão-te abrigo:
Apressa-te, pois no céu tens teu lugar.

Seja a honra ao Pai e ao Filho muito amado,
E também a vós que a Divindade partilhais,
Ó Santo Espírito, com ambos adorado,
Pelos séculos dos séculos eternais. Amém.

Responsório:
P: Para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro.
T: Tenho desejo de partir para estar com Cristo.

OREMOS:
Senhor nosso Deus, misericórdia dos que em vós esperam, que ornastes vossa serva Santa Mônica com o dom inestimável de reconciliar convosco seu marido e seus filhos, por meio da oração e do exemplo; concedei-nos ser, por meio de sua intercessão, mensageiros do vosso amor para conosco e conduzir para vós os corações dos nossos irmãos. Por Cristo, nosso Senhor, na unidade do Espírito Santo!  
Amém.

Confissões IX, 10-11

A morte de Mônica

“Mas tu sabes, Senhor, que naquele dia, à medida que falávamos das coisas, quanto nos parecia vil este mundo, com todos os seus deleites – disse-me minha mãe: “Filho, quanto a mim, já nada me atrai nesta vida. Não sei o que faço ainda aqui, nem por que ainda estou aqui, se já se desvaneceram pra mim todas as esperanças do mundo. Uma só coisa me fazia desejar viver um pouco mais, e era ver-te católico antes de morrer. Deus me concedeu esta graça superabundantemente, pois te vejo desprezar a felicidade terrena para servi-lo. Que faço, pois, aqui?”

Não me lembro bem o que respondi a tais palavras. Mas cerca de cinco dias mais tarde, ou
pouco mais, caiu de cama, com febre. Durante a doença, teve um dia um desmaio, ficando por pouco tempo sem sentidos e sem reconhecer os presentes.
Acudimos de imediato, e logo voltou a si. Vendo-nos a seu lado, a mim e a meu irmão (chamava-se Navígio, e era o mais velho dos irmãos), perguntou-nos, como quem procura algo: “Onde estava eu?” – Depois, vendo-nos atônitos de tristeza, nos disse: “Sepultareis aqui a vossa mãe” – Eu me calava, retendo as lágrimas, mas meu irmão disse umas palavras em que desejava vê-la morrer na pátria e não em terras distantes.

Ao ouvi-lo, minha mãe repreendeu-o com o olhar, e aflita por ter pensado em tais coisas; depois, olhando para mim, disse: “Vê o que ele diz” – E depois para ambos: “Sepultem este corpo em qualquer lugar, e não se preocupem mais com ele. Peço apenas que se lembrem de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejam”. E tendo-nos exposto seu pensamento com as palavras que pôde, calou-se; sua moléstia agravou-se e suas dores aumentaram.

Mas eu, ó Deus invisível, meditando nos dons que infundes no coração de teus fiéis, e nas
admiráveis colheitas que deles brotam, alegrava-me e te dava graças. Lembrava-me do grande cuidado que sempre demonstrara acerca de sua sepultura, adquirida e preparada junto ao corpo do marido. Tendo vivido com ele na maior concórdia, assim também queria – visão própria da alma humana incapaz das coisas divinas – ter a felicidade de que os homens recordassem que, depois de sua viagem para além-mar, lhe fora concedida a graça de a mesma terra cobrir o pó de ambos os cônjuges.

Quando esta vaidade havia deixado de existir em seu coração, pela plenitude de tua
bondade, eu não o sabia, mas alegrava-me com admiração ao ouvi-la falar assim. No entanto, naquela conversa à janela quando me disse: “Que faço eu aqui?” – já estava patente que não mais desejava morrer na pátria.

Soube também depois que em Óstia, estando eu ausente, falou certo dia com alguns
amigos meus, com maternal confiança, sobre o desprezo desta vida e o benefício da morte. Eles, maravilhados da coragem dessa mulher – dádiva tua – perguntaram-lhe se não temia deixar o corpo tão longe da pátria. “Nada está longe para Deus – disse ela – nem preciso temer que ele ignore, no fim dos tempos, o lugar onde me ressuscitará”.

Por fim, nove dias após cair enferma, aos cinqüenta e seis anos de idade e aos trinta e três
da minha, aquela alma santa e piedosa libertou-se do corpo.

Salmo 127
R.O Senhor te abençoe de Sião, cada dia de tua vida.

Feliz és tu se temes o Senhor
e trilhas seus caminhos!
Do trabalho de tuas mãos hás de viver,
serás feliz, tudo irá bem! R.

A tua esposa é uma videira bem fecunda
no coração da tua casa;
os teus filhos são rebentos de oliveira
ao redor de tua mesa. R.

Será assim abençoado todo homem
que teme o Senhor.
O Senhor te abençoe de Sião,
cada dia de tua vida,
para que vejas prosperar Jerusalém, R.

E os filhos dos teus filhos.
Ó Senhor, que venha a paz a Israel,
que venha a paz ao vosso povo! R.

Oração Final
Concedei-nos Ó Deus a sabedoria e o amor que inspirastes à vossa filha Santa Mônica, para que, seguindo seu exemplo de fidelidade, nos dediquemos ao vosso serviço. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.
Amem!

Oração do Pai Nosso

Oração da Ave Maria

Glória ao Pai


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Beata Maria Troncatti

Beatificada em 24 de novembro de 2012, pelo Cardeal Angelo Amato, que em sua homilia destacou como a irmã Maria Troncatti foi mensageira da paz, oferecendo sua vida para que se desfizessem as divisões entre os colonos e os Shuar, povo indígena que vive na floresta amazônica entre o Peru e o Equador.  “Ela mostrou o rosto materno de Deus bom e misericordioso”, disse Dom Angelo. O cardeal também destacou o quanto irmã Troncatti foi capaz de realizar obras de misericórdia, dando de comer aos que tinham fome, de beber aos sedentos, curando os doentes e visitando os que se encontravam em dificuldades.

A beata irmã Maria Troncatti Nasceu em Corteno Golgi, Brescia, na Itália, no dia 16 de fevereiro de 1883. Em uma família grande, cresceu alegre e trabalhadora, dividindo-se entre os afazeres do campo e o cuidado dos irmãos menores, em clima cheio de afeto dos pais exemplares.

Assídua à catequese paroquial e aos sacramentos, a adolescente Maria foi desenvolvendo um profundo senso cristão que a abriu para os valores da vocação religiosa. Porém, por obediência ao pai e ao pároco, esperou atingir a maioridade para pedir admissão no Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (FMA), e emitiu a primeira profissão em Nizza Monferrato, no ano de 1908.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1915-18), irmã Maria frequentou em Varazze cursos de assistência sanitária e trabalhou no hospital militar como enfermeira da Cruz Vermelha. Uma experiência que foi muito preciosa para a sua longa atividade missionária na floresta amazônica do oriente equatoriano.

Em 1922 partiu para o Equador, enviada a trabalhar junto aos índios shuar. Ali, com outras duas irmãs, começou um difícil trabalho de evangelização, em meio a riscos de todo tipo, inclusive os ataques de animais da floresta e as armadilhas dos rios abundantes, que eram atravessados a nado, sobre frágeis pontes de cipó, ou ainda nas costas dos índios.

Macas, Sevilha Dom Bosco, Sucúa são alguns dos “milagres” ainda vivos e florescentes da ação da irmã Maria Troncatti: enfermeira, cirurgiã e ortopedista, dentista e anestesista. Mas, sobretudo catequista e evangelizadora, rica de maravilhosos recursos de fé, de paciência e de amor fraterno.

Sua obra em favor da promoção da mulher shuar floresce hoje em centenas de novas famílias cristãs, formadas pela primeira vez por livre escolha dos jovens noivos.


Ir. Maria morreu num trágico acidente aéreo em Sucúa no dia 25 de agosto de 1969. Seu corpo repousa em Macas, na Província de Morona (Equador).