sábado, 29 de fevereiro de 2020

29 de fevereiro - Jesus viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado na coletoria. Jesus lhe disse: “Segue-me”. Lc 5,27


Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado entre os cobradores de impostos. Era um publicano. Estas pessoas eram consideradas as piores, porque faziam pagar as taxas e enviavam o dinheiro aos romanos. E uma parte delas colocavam-na no próprio bolso. Davam-na aos romanos: vendiam a liberdade da pátria, por esta razão eram odiados. Eram traidores da pátria. Jesus chamou-o. Viu-o e chamou-o. Segue-me. Jesus escolheu um apóstolo… entre aquelas pessoas, o pior. Depois, este Mateus, convidado para o almoço, era jubiloso.

Mateus era agarrado ao dinheiro. E Jesus escolhe-o. Convida para almoçar toda a sua cambada, traiçoeiros da pátria, publicanos. Vendo tudo isto, os fariseus que se achavam justos, julgavam todos e diziam: Mas por qual motivo o vosso mestre tem essa companhia? Jesus diz: Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores.

Isto consola-me muito, porque penso que Jesus veio para mim. Porque todos somos pecadores. Todos. Todos temos esta licenciatura. Somos cursados. Cada um de nós sabe onde o seu pecado é mais forte, conhece a sua debilidade. Antes de tudo devemos reconhecer isto: nenhum de nós, entre todos nós que estamos aqui, pode dizer: Eu não sou pecador. Os fariseus afirmavam isto. E Jesus condena-os. Eram soberbos, vaidosos, achavam-se superiores aos outros. Ao contrário, todos somos pecadores. É o nosso título e é também a possibilidade de atrair Jesus a nós. Jesus vem ter conosco, vem ter comigo, vem a mim porque sou um pecador.
Jesus veio por este motivo, para os pecadores, não para os justos. Estes não precisam. Jesus disse: Os sãos não necessitam de médico, mas sim os que estão doentes, ide ouvir o que significa quero misericórdia e não sacrifício. De facto, eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores.
Quando leio isto sinto-me chamado por Jesus, e todos podemos dizer o mesmo: Jesus veio para mim. Para cada um de nós.

Papa Francisco – 07 de julho de 2017

Hoje celebramos:

Querida Amazônia: Culturas ameaçadas, povos em risco - nºs 39 e 40


A economia globalizada danifica despudoradamente a riqueza humana, social e cultural. A desintegração das famílias, que resulta das migrações forçadas, afeta a transmissão dos valores, porque a família é, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas. Além disso, diante duma invasão colonizadora maciça dos meios de comunicação, é necessário promover para os povos nativos comunicações alternativas, a partir das suas próprias línguas e culturas, e que os próprios indígenas se façam protagonistas presentes nos meios de comunicação já existentes.

Em qualquer projeto para a Amazônia, é preciso assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de compreender que o desenvolvimento dum grupo social (...) requer constantemente o protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano. E se as culturas ancestrais dos povos nativos nasceram e se desenvolveram em estreito contato com o ambiente natural circundante, dificilmente podem ficar ilesas quando se deteriora este ambiente.

Isto abre passagem ao sonho sucessivo...


29 de fevereiro - Santo Hilário - Papa


Hilário nasceu na Sardenha em 415 e foi eleito Papa de número 46 em 19 de novembro de 461. Após a morte do Papa Leão Magno, um arcediácono chamado Hilário, natural da Sardenha, de acordo com o “Liber Pontificalis”, foi escolhido para sucedê-lo, e com toda probabilidade recebeu consagração em 19 de novembro de 461. Seu pontificado foi marcado pela mesma política vigorosa de seu grande antecessor.

Lutou pelos direitos da Igreja no Primeiro Concílio de Éfeso em 449. Estabeleceu que para ser sacerdote era necessário possuir uma profunda cultura e que pontífices e bispos não podiam designar seus sucessores. Estabeleceu um vicariato na Espanha e fundou, em Roma, vários conventos para mulheres.

Em Roma, Hilário trabalhou zelosamente pela integridade da fé. O imperador Antêmio tinha um favorito chamado Filoteu, que acreditava na heresia macedônica e participava de reuniões em Roma para a promulgação dessa doutrina. Em uma das visitas do imperador a São Pedro, o papa o chamou abertamente para prestar contas a conduta de seu favorito, exortando-o pelo túmulo de São Pedro a prometer que faria tudo ao seu alcance para controlar o mal. 

Morreu após um pontificado de seis anos, três meses e dez dias em 29 de fevereiro de 468 Foi sepultado na igreja de São Lourenço Fora dos Muros.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Querida Amazônia: Encontro intercultural - nºs 36 a 38


As culturas da Amazônia profunda, como aliás toda a realidade cultural, têm as suas limitações; as culturas urbanas do Ocidente também as têm. Fatores, como o consumismo, o individualismo, a discriminação, a desigualdade e muitos outros, constituem aspetos frágeis das culturas aparentemente mais evoluídas. As etnias que desenvolveram um tesouro cultural em conexão com a natureza, com forte sentido comunitário, apercebem-se facilmente das nossas sombras, que não reconhecemos no meio do suposto progresso. Assim, far-nos-á bem recolher a sua experiência da vida.

É a partir das nossas raízes que nos sentamos à mesa comum, lugar de diálogo e de esperanças compartilhadas. Deste modo a diferença, que pode ser uma bandeira ou uma fronteira, transforma-se numa ponte. A identidade e o diálogo não são inimigos. A própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece. Por isso, não é minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem. Uma cultura pode tornar-se estéril, quando se fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando qualquer mudança e confronto com a verdade do homem. Isto poderia parecer pouco realista, já que não é fácil proteger-se da invasão cultural. Por isso, cuidar dos valores culturais dos grupos indígenas deveria ser interesse de todos, porque a sua riqueza é também a nossa. Se não progredirmos nesta direção de corresponsabilidade pela diversidade que embeleza a nossa humanidade, não se pode pretender que os grupos do interior da floresta se abram ingenuamente à civilização.

Na Amazônia, mesmo entre os distintos povos nativos, é possível desenvolver relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica hierarquias de um poder sobre os outros, mas sim diálogo a partir de visões culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento da esperança.


28 de fevereiro - Grita forte, sem cessar, levanta a voz como trombeta e denuncia os crimes do meu povo e os pecados da casa de Jacó. Is 58,1


Na primeira leitura o profeta Isaias faz-nos compreender o que Deus condena: viver de aparências. Uma vida para aparecer, sem verdade na realidade do coração das pessoas.
Aqueles que buscam as aparências, nunca se consideram pecadores; e se tu lhes disseres: “Mas tu também és pecador!” — “Mas, sim, todos temos pecados...”, relativizam tudo e voltam a tornar-se justos. Procuram mostrar-se com a cara “de santinhos”, só aparência. E quando há a diferença entre a realidade e a aparência o Senhor usa um adjetivo: “hipócrita”.

A hipocrisia. Também nós podemos começar esta Quaresma perguntando-nos: qual é a minha hipocrisia? Onde não sou coerente, falta-me coerência entre a realidade e a aparência? Quando devo disfarçar-me para esconder a minha realidade?

E eis que o profeta dá alguns exemplos. “O que fazeis, hipócritas, no dia do vosso jejum? Só cuidais dos vossos negócios e oprimis todos os vossos empregados. Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade”. Esta é a hipocrisia. “Sou muito católico, muito católica! Vou sempre à missa...”. Mas depois, o que fazes? És coerente? Ou há esta hipocrisia entre a tua realidade e a tua aparência? “Não jejueis como tendes feito até hoje”, diz o Senhor. “Mudai de vida. Sede coerentes”.

E depois, o profeta explica: “O jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, mandar em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, repartir o teu pão com os famintos, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão”. É verdade: este é o jejum, são as obras de misericórdia. É o que Deus quer de nós.

A realidade deve estar unida à aparência. Devo parecer o que sou. Este é o trabalho da Quaresma. E devemos ir em frente deste modo. “Mas, Padre, não consigo, sou frágil...”. Bem, esta é a tua verdade, obrigado por a dizeres. Pede ao Senhor a força e vai humildemente em frente, com o que puderes. Mas não disfarces a alma, porque se disfarçares a alma, o Senhor não te reconhecerá.

Papa Francisco – 08 de março de 2019

Hoje celebramos:

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Querida Amazônia: Cuidar das raízes - nºs 33 a 35


Quero lembrar agora que a visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade. Isto afeta muito os jovens, quando se tende a dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série. Para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas, porque são um ponto de enraizamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios. Convido os jovens da Amazônia, especialmente os indígenas, a assumir as raízes, pois das raízes provém a força que [os] fará crescer, florescer e frutificar. Para quantos deles são batizados, incluem-se nestas raízes a história do povo de Israel e da Igreja até ao dia de hoje. Conhecê-las é uma fonte de alegria e sobretudo de esperança que inspira ações válidas e corajosas.

Durante séculos, os povos amazônicos transmitiram a sua sabedoria cultural, oralmente, através de mitos, lendas, narrações, como sucedia com aqueles primitivos jograis que percorriam as florestas contando histórias de aldeia em aldeia, mantendo assim viva uma comunidade que, sem o cordão umbilical destas histórias, a distância e a falta de comunicação teriam fragmentado e dissolvido. Por isso, é importante deixar que os idosos contem longas histórias e que os jovens se detenham a beber desta fonte.

Enquanto o risco de perder esta riqueza cultural é cada vez maior, nos últimos anos – graças a Deus – alguns povos começaram a escrever para contar as suas histórias e descrever o significado dos seus costumes. Assim, eles próprios podem reconhecer explicitamente que há algo mais do que uma identidade étnica e que são depositários de preciosas memórias pessoais, familiares e coletivas. Alegra-me ver aqueles que perderam o contato com as suas raízes tentarem recuperar a memória danificada. Por outro lado, nos próprios setores profissionais, começou a desenvolver-se uma maior percepção da identidade amazônica, tornando-se a Amazônia – mesmo para eles, muitas vezes descendentes de imigrantes – fonte de inspiração artística, literária, musical, cultural. As várias expressões artísticas, particularmente a poesia, deixaram-se inspirar pela água, a floresta, a vida que se agita, bem como pela diversidade cultural e os desafios ecológicos e sociais.

27 de fevereiro - Tomo hoje o céu e a terra como testemunhas contra vós, de que vos propus a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e teus descendentes. Dt 30,19

A primeira leitura de hoje é uma parte do discurso que Moisés dirige ao povo a fim de o preparar para entrar na terra que o Senhor lhe tinha prometido. E o livro do Deuteronômio, no final, contém esta preparação e hoje põe-nos diante de um desafio e também de uma escolha. Escolhe: vida ou morte.
Somos nós, segundo Moisés, que devemos escolher. E isto é um apelo à nossa liberdade; põe-nos diante da nossa liberdade: sou livre para escolher a vida ou a morte. O texto bíblico, apresenta três palavras-chave no início: “Mas se o teu coração se desviar — primeira palavra — e não escutares — segunda palavra — se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires — terceira palavra.

Quando o coração se desvia, quando empreende um caminho que não é o certo — quer o desvio quer outra estrada, mas não percorre o caminho certo — perde a orientação, a bússola, com a qual deve ir em frente. E um coração sem bússola é um perigo público: para si mesmo e para os outros. De resto, um coração empreende este caminho errado quando não ouve, quando se deixa arrastar pelos deuses, quando se torna idólatra.

Nós somos capazes de não ouvir. Há muitos surdos na alma. Também nós algumas vezes nos tornamos surdos na alma, não ouvimos o Senhor. E depois há os “fogos de artifício” que nos chamam, os falsos deuses que te chamam para uma idolatria, não é verdade? Este é o perigo ao longo do caminho rumo à terra que a todos nós foi prometida; a terra do encontro com Cristo ressuscitado.

A Quaresma ajuda-nos a percorrer esta estrada. Porque não ouvir o Senhor, não ouvir as promessas que nos fez, é perder a memória. E, isto é muito importante, quando nós perdemos a memória das grandes coisas que o Senhor realizou na nossa vida, que fez na sua Igreja, no seu povo, e nos habituamos a ir em frente por nossa conta, com as nossas forças, com a nossa autossuficiência. Por esta razão, é importante começar a Quaresma pedindo a graça da memória: “Senhor, que eu não perca a memória, que eu saiba ouvir”.


Papa Francisco – 07 de março de 2019

Hoje celebramos:

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

26 de fevereiro - Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa do vosso Pai que está nos céus. Mt 6,1


Neste tempo de Quaresma, diante desses sinais de esfriamento do amor, a Igreja oferece o remédio da oração, da esmola e do jejum.

Dedicando mais tempo à oração, possibilitamos ao nosso coração descobrir as mentiras secretas com que nos enganamos a nós mesmos para procurar finalmente a consolação em Deus.

A prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão. “Como gostaria que a esmola se tornasse um verdadeiro estilo de vida para todos!”

Por fim, o jejum tira força à nossa violência, desarma-nos, constituindo uma importante ocasião de crescimento. Por um lado, permite-nos experimentar o que sentem quantos não possuem sequer o mínimo necessário.

Papa Francisco – 06 de fevereiro de 2018

Hoje celebramos:

Mensagem do Papa para a Quaresma 2020


“Em nome de Cristo, suplicamos: reconciliai-vos com Deus” (II Cor 5, 20)

Queridos irmãos e irmãs!
O Senhor concede-nos, também neste ano, um tempo propício para nos prepararmos para celebrar, de coração renovado, o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus, cerne da vida cristã pessoal e comunitária. Com a mente e o coração, devemos voltar continuamente a este Mistério. Com efeito, o mesmo não cessa de crescer em nós na medida em que nos deixarmos envolver pelo seu dinamismo espiritual e aderirmos a ele com uma resposta livre e generosa.

O Mistério pascal, fundamento da conversão
A alegria do cristão brota da escuta e recepção da Boa Nova da morte e ressurreição de Jesus: o kerygma. Este compendia o Mistério dum amor “tão real, tão verdadeiro, tão concreto, que nos proporciona uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo”. Quem crê neste anúncio rejeita a mentira de que a nossa vida teria origem em nós mesmos, quando na realidade nasce do amor de Deus Pai, da sua vontade de dar vida em abundância. Se, pelo contrário, se presta ouvidos à voz persuasora do pai da mentira, corre-se o risco de precipitar no abismo do absurdo, experimentando o inferno já aqui na terra, como infelizmente dão testemunho muitos acontecimentos dramáticos da experiência humana pessoal e coletiva.

Por isso, nesta Quaresma de 2020, quero estender a todos os cristãos o mesmo que escrevi aos jovens na Exortação apostólica Christus vivit: Fixa os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar sempre de novo. E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo. A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.

Urgência da conversão
É salutar uma contemplação mais profunda do Mistério pascal, em virtude do qual nos foi concedida a misericórdia de Deus. Com efeito, a experiência da misericórdia só é possível face a face com o Senhor crucificado e ressuscitado, que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim. Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo. Por isso mesmo, é tão importante a oração no tempo quaresmal. Antes de ser um dever, esta expressa a necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. De fato, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade.
Por isso, neste tempo favorável, deixemo-nos conduzir como Israel ao deserto, para podermos finalmente ouvir a voz do nosso Esposo, deixando-a ressoar em nós com maior profundidade e disponibilidade. Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós. Portanto não deixemos passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.

A vontade apaixonada que Deus tem de dialogar com os seus filhos
O fato de o Senhor nos proporcionar uma vez mais um tempo favorável para a nossa conversão, não devemos jamais dá-lo como garantido. Esta nova oportunidade deveria suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do nosso torpor. Não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação conosco. Em Jesus crucificado, que Deus fez pecado por nós (IICor 5, 21), esta vontade chegou ao ponto de fazer recair sobre o seu Filho todos os nossos pecados, como se houvesse – segundo o Papa Bento XVI – um virar-se de Deus contra Si próprio. De fato, Deus ama também os seus inimigos.

O diálogo que Deus quer estabelecer com cada homem, por meio do Mistério pascal do seu Filho, não é como o diálogo atribuído aos habitantes de Atenas, que não passavam o tempo noutra coisa senão a dizer ou a escutar as últimas novidades (At 17, 21). Este tipo de conversa, ditado por uma curiosidade vazia e superficial, caracteriza a mundanidade de todos os tempos e, hoje em dia, pode insinuar-se também num uso pervertido dos meios de comunicação.

Uma riqueza que deve ser partilhada, e não acumulada só para si mesmo
Colocar o Mistério pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria.

Também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo. Podemos e devemos ir mais além, considerando as dimensões estruturais da economia.  Como várias vezes se referiu no magistério da Igreja, a política é uma forma eminente de caridade. E sê-lo-á igualmente ocupar-se da economia com o mesmo espírito evangélico, que é o espírito das Bem-aventuranças.

Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo.


Campanha da Fraternidade 2020 - “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” Lc 10,33-34


A Campanha da Fraternidade é uma iniciativa que a Igreja católica promove desde 1962. Trata-se de uma experiência de solidariedade e de fraternidade motivada pelas fontes da fé e pelo compromisso evangélico permanente de construir a justiça social. No ano de 2020, a Igreja promove no tempo da Quaresma o Tema: Fraternidade e Vida - Dom e Compromisso, tendo como lema a Palavra: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). Esse chamado da Igreja se estende às toda a sociedade que se compromete com a valorização e defesa da vida.

O cartaz apresenta a figura de Santa Dulce dos Pobres, o Anjo Bom da Bahia, uma das representações do “bom samaritano dos nossos tempos”.

A CF 2020 toma como referência a Parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37). A Parábola do Bom Samaritano é composta por personagens anônimos. O Sacerdote e o Levita, desviam-se do homem ferido, pois não tinham tempo para ele. O Samaritano aproxima-se da vítima dos salteadores e, movido pela compaixão, gasta seu tempo, ficando com ele à noite na hospedaria. No dia seguinte paga as despesas da sua estadia e promete retribuir ao dono da hospedaria tudo o que porventura gastasse a mais para cuidar daquele que sofreu o assalto.
A postura inesperada do Samaritano contém o centro do ensinamento de Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculos, mas todo aquele de quem nos aproximamos. Não é a Lei, vínculo sanguíneo ou ligação afetiva que estabelecem as prioridades, mas a compaixão, que impulsiona a fazer pelo outro aquilo que nos é possível, rompendo com toda indiferença. A lei é esta: todos devem ser amados, sem distinção.

Ser capaz de sentir compaixão é a chave da obediência à vontade de Deus, que ama toda a criação: Servir! Ver! Sentir, ter compaixão e cuidar é o autêntico Programa Quaresmal.

Quaresma é tempo de abertura ao mistério da dor, morte e a cruz do Crucificado, Vencedor da Morte. A Igreja recorda que esse caminho do calvário e vitória de Cristo, exige de nós jejum, oração e a esmola. No jejum somos conectados à dor dos que tanto sofrem pela falta de vida digna. A oração, diálogo de amor e amizade, é aproximação que nos possibilita sermos tocados pelo amor e ternura de Deus. A esmola é a partilha de vida, cuidado amoroso que nasce da liberdade da renúncia para a entrega amorosa. Jesus é o verdadeiro bom Samaritano que se aproxima dos homens e das mulheres que sofrem e, por compaixão, lhes restitui a dignidade perdida. A entrega de Jesus na cruz é apenas o culminar desse estilo que marcou toda a sua vida.

Diante de tanta indiferença se torna urgente testemunhar e estimular a solidariedade (Mateus 25,45). Não temamos se nos sentirmos pequenos diante dos problemas. Lembremo-nos de Santa Dulce dos Pobres, mulher frágil no corpo, mas uma fortaleza peregrinante pelas terras de São Salvador da Bahia de todos os Santos. Santa Dulce dos Pobres é testemunho irrefutável de que a vida é dom e compromisso. É Santa Dulce dos Pobres, que intercede por nós no céu.


terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

25 de fevereiro - “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” Mc 9,35

Para que o dia a dia tenha certo sabor a eternidade é importante ter em conta o que diz o Senhor: “Quem quer ser o primeiro, o mais importante, que seja o último de todos e o servidor de todos. Quem quer ser grande, que sirva outros, não se sirva dos outros”.

Aqui temos o grande paradoxo de Jesus. Os discípulos discutiam sobre quem deveria ocupar o lugar mais importante, quem seria selecionado como o privilegiado, quem seria isento da lei comum, da norma geral, para se pôr em evidência com um desejo de superioridade sobre os demais. Quem subiria mais rapidamente, ocupando os cargos que dariam certas vantagens. Jesus transtorna a sua lógica, dizendo-lhes simplesmente que a vida autêntica se vive no compromisso concreto com o próximo.

Servir significa cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. São os rostos sofredores, indefesos e angustiados que Jesus nos propõe olhar e convida concretamente a amar. Amor que se concretiza em ações e decisões. Amor que se manifesta nas diferentes tarefas que somos chamados, como cidadãos, a realizar. As pessoas de carne e osso, com a sua vida, a sua história e especialmente com a sua fragilidade, são aquelas que Jesus nos convida a defender, assistir, servir. Porque ser cristão comporta servir a dignidade dos irmãos, lutar pela dignidade dos irmãos e viver para a dignificação dos irmãos.

Há um serviço que serve; mas devemos guardar-nos do outro serviço, da tentação do serviço que se serve. Há uma forma de exercer o serviço cujo interesse é beneficiar os meus, em nome do nosso. Este serviço deixa sempre os teus de fora, gerando uma dinâmica de exclusão.
Todos estamos chamados, por vocação cristã, ao serviço que serve e a ajudar-nos mutuamente a não cair nas tentações do serviço que que se serve. Todos somos convidados, encorajados por Jesus a cuidar uns dos outros por amor.

Papa Francisco – 20 de setembro de 2015

Hoje celebramos:

25 de fevereiro - Beato Roberto de La Bussardière


Roberto nasceu por volta de 1055 em La Bussardière, Bretanha, em uma família rica.  Ele foi enviado à Universidade, onde se formou com honras, para retornar à sua aldeia e suceder seu pai como pastor. Sabe-se que ele era casado, embora o nome de sua esposa seja desconhecido, do qual ele logo se separou, para seguir a tradição celibatária da Igreja (que não seria a norma definitiva, universal e absoluta até 1223, no Conselho de Lyon). Em 1078, ele retornou a Paris, onde obteve um doutorado em Teologia e da qual também foi reitor, sendo um grande exemplo de justiça, retidão, caridade e virtudes.

Roberto era um fervoroso defensor da reforma da Igreja promovida por São Gregório; assim, em 1089, o bispo de Rennes o nomeou vigário da diocese. Desta posição, destacou-se por denunciar a imoralidade dos nobres, clérigos e pessoas do povo. Ele clamou contra a injustiça, os excessos dos ricos e a simonia e intimidação de muitos clérigos. Essa atitude causou-lhe guerra e inimigos por toda parte. Por isso, em 1093, quando seu bispo morreu, os clérigos ressentidos com as denúncias conseguiram transferi-lo para Angers, em cuja catedral ele se dedicou ao ensino de teologia.

Em 1095, ele deixa o ensino e, com alguns amigos, se retira para a floresta de Caon, em Anjou. Aí atrai multidões para aqueles que pregam pobreza, penitência e caridade evangélica. Ele era um dos chamados pregadores "apologistas", que viviam com os pobres, vestiam-se, comiam mal e rejeitavam todas as posses pessoais. Infelizmente, muitos chegaram ao extremo de desafiar a autoridade eclesiástica, rebelando-se contra o papa e os bispos, também caindo em heresias. Não há registro de que Roberto fosse herege ou rebelde contra o papa, pelo contrário, sua atividade foi impulsionada pela reforma gregoriana. Ele fundou uma comunidade monástica com a Regra dos cânones regulares, fundada por Santo Ivo de Chartres, para a qual muitos leigos que ainda viviam no mundo vivem seu espírito de radicalismo evangélico. 

Assim, ele fundou a abadia de Roe. Seus discípulos foram o Beato Alleaume, o Beato Bernardo de Tiron e o Beato Rieul de la Futaie. Em 1096, ele prega a Primeira Cruzada em Craon antes do Papa Urbano II, vários arcebispos e nobres. O papa está tão surpreso com seu carisma que lhe concede o título de "Pregador Apostólico", com licença para pregar onde quiser e sem pedir permissão ao bispo local. Assim, ele se lança a uma pregação implacável, acompanhado por centenas de pessoas que o ajudam em suas missões.

Em 1099, ele se retirou para Fontevrault, onde fundou um mosteiro inspirado pela Regra Beneditina, mas para uma nova Ordem. Além disso, é um mosteiro misto, sendo monges e monjas sob o cajado da abadessa, cuja primeira foi a Beata Petronilla de Chemillé. O local foi organizado no "Grande Mosteiro", de monjas do coral que viviam orando. Havia também as irmãs conversadoras, que combinavam oração e trabalho servil no mosteiro. Havia os monges, para orar, estudar e pregar, e finalmente os Irmãos de São Lázaro, para cuidar do leprosário anexado ao recinto. Todos tinham que fazer trabalho manual para se manter, orar de acordo com seu status e não admitir mais bens do que a comunidade. Este mosteiro provocou um rebuliço no clero e nos bispos.  Mas  escândalo à parte, Roberto continuou sua pregação e missão de oração na Igreja e, em suma, ele não foi o primeiro nem o último mosteiro misto da Igreja. Em menos de um ano, eles já tinham 300 freiras do coral, muitas da nobreza, atraídas pelo humanismo e pelo espírito evangélico que ali viviam.

Lá em Fontevrault, ele viveu um tempo dedicado ao estudo das Escrituras. Nos últimos anos, eles foram marcados por intenso ascetismo e oração. Sua união com Cristo alcançou o ponto de receber os estigmas da Paixão, mais de 100 anos antes da estigmatização de São Francisco, em 1224.

Em 1115, sentindo que seu fim estava próximo, Roberto queria voltar a Fontevrault. Ao passar por Berry, ele teve que parar e morreu nos dias 24 ou 25 de fevereiro de 1116, depois de indicar que queria ser enterrado em Fontevraud. Após os funerais, o corpo foi embalsamado e venerado em Orsan, por iniciativa do bispo de Bourges, garantindo peregrinações e devoção popular. No entanto, a Beata Petronila entrou com uma ação pela posse das relíquias de seu fundador. Até as freiras começaram uma greve de fome pela causa. Ele foi finalmente levado para a abadia, embora seu coração permanecesse em Orsan, e embora ele quisesse ser enterrado no cemitério comum, ele foi enterrado no altar principal da abadia, longe da devoção popular. Isso foi feito com a intenção de evitar as peregrinações, o dinheiro que geravam e os abusos que foram denunciados igualmente por Roberto. Por essa mesma razão, a Ordem nunca fez nada para canonizar seu fundador, nem sequer promoveu sua devoção. O esquecimento cobriu seu pequeno e humilde túmulo. Só em 1655, a abadessa Juana Borbón, irmã de Luis XIII, levantou uma tumba de mármore com uma escultura reclinada de Roberto. 


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

24 de fevereiro - São Etelberto


Etelberto, rei de Kent (560-616), foi um dos reis de destaque da antiga história britânica, casou-se com uma princesa chamada Berta, que era filha única de Chariberto, rei de Paris. Etelberto concedeu a sua esposa plena liberdade para participar de sua religião, e Berta levou à Inglaterra Liduardo, um bispo francês. A tradição fala da piedade e as amáveis virtudes de Berta, que sem dúvida impressionaram muito o seu marido; entretanto, o rei não se converteu até a chegada de Santo Agostinho de Cantuária e seus companheiros.

Os missionários enviados por São Gregório Magno, desembarcaram em Thanet, desde onde se comunicaram com o rei, anunciando-lhe sua chegada e as razões da sua viagem. O rei lhes rogou que permanecessem na ilha e poucos dias mais tarde, foi pessoalmente escutá-los. Logo deste encontro, São Etelberto lhes concedeu permissão para pregara a todo o povo, converter a quantos pudessem e lhes entregou a igreja de São Martinho para que pudessem celebrar a Missa e outras liturgias.

As conversões começaram a multiplicar-se, e prontamente o rei e sua corte foram batizados no Pentecostes do ano 597. O rei além disto lhes deu permissão para reconstruir as antigas igrejas e construir outras novas.

Seu governo se distinguiu pelo empenho que pôs em melhorar as condições de vida dos seus súditos; também publicou o Código de Leis de Ethelberht, o primeiro em ser escrito em idioma germânico, incluindo 90 leis, e seu apoio à fé católica permitiu que se construíssem muitos templos, mosteiros e algumas dioceses, como a de Rochester.

O Santo prontamente se converteu em um modelo pela nobreza da sua conversão. A acolhida que deu aos missionários e seu gesto de escutá-los sem preconceitos são um caso extraordinário na história. Com sua atitude de não impor a fé a seus súditos, apesar do seu zelo por propagá-la, favoreceu enormemente a obra dos missionários.

Viúvo, depois de cinquenta e seis anos de reinado, faleceu no ano 616, e foi sepultado na Igreja de São Pedro e São Paulo, onde descansavam os restos da rainha Santa Berta e São Liudardo.


24 de fevereiro - Tudo é possível para quem tem fé! Mc 9,23


Hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? 

O saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos.

A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um “Tu”, que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exato ou da ciência.

A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdo: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total.

Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para a restituir, para a elevar à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no “tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens.

Papa Bento XVI – 24 de outubro de 2012

Hoje celebramos:

Querida Amazônia: O poliedro amazônico - nºs 29 a 32


Na Amazônia, vivem muitos povos e nacionalidades, sendo mais de cento e dez os povos indígenas em isolamento voluntário. A sua situação é fragilíssima; e muitos sentem que são os últimos depositários dum tesouro destinado a desaparecer, como se lhes fosse permitido sobreviver apenas sem perturbar, enquanto avança a colonização pós-moderna. Temos que evitar de os considerar como selvagens não-civilizados; simplesmente criaram culturas diferentes e outras formas de civilização, que antigamente registaram um nível notável de desenvolvimento.

Antes da colonização, os centros habitados concentravam-se nas margens dos rios e lagos, mas o avanço da colonização expulsou os antigos habitantes para o interior da floresta. Hoje, a crescente desertificação obriga a novas deslocações muitos, que acabam por ocupar as periferias ou as calçadas das cidades por vezes numa situação de miséria extrema, mas também de dilaceração interior devido à perda dos valores que os sustentavam. Neste contexto, habitualmente perdem os pontos de referência e as raízes culturais que lhes conferiam uma identidade e um sentido de dignidade e vão alongar a fila dos descartados. Assim interrompe-se a transmissão cultural duma sabedoria que, durante séculos, foi passando de geração em geração. As cidades, que deveriam ser lugares de encontro, enriquecimento mútuo e fecundação entre diferentes culturas, tornam-se palco dum doloroso descarte.

Cada povo, que conseguiu sobreviver na Amazônia, possui a sua própria identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, em virtude da estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio circundante, numa simbiose – de tipo não determinista – difícil de entender com esquemas mentais alheios:

Havia outrora uma paisagem que despontava com seu rio,
seus animais, suas nuvens e suas árvores.
Às vezes, porém, quando não se via em lado nenhum
a paisagem com seu rio e suas árvores,
competia a tais coisas assomar à mente dum
garotinho.
Do rio, fazes o teu sangue (…).
Depois planta-te,
germina e cresce
que tua raiz
se agarre à terra
mais e mais para sempre
e, por último,
sê canoa,
barco, jangada,
solo, jarra,
estábulo e homem.

Os grupos humanos, seus estilos de vida e cosmovisões são tão variados como o território, pois tiveram que se adaptar à geografia e aos seus recursos. Não são iguais as aldeias de pescadores às de caçadores, nem as aldeias de agricultores do interior às dos cultivadores de terras sujeitas a inundações. Além disso, na Amazônia, encontram-se milhares de comunidades de indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana. Deus manifesta-Se, reflete algo da sua beleza inesgotável através dum território e das suas caraterísticas, pelo que os diferentes grupos, numa síntese vital com o ambiente circundante, desenvolvem uma forma peculiar de sabedoria. Quantos de nós observamos de fora deveríamos evitar generalizações injustas, discursos simplistas ou conclusões elaboradas apenas a partir das nossas próprias estruturas mentais e experiências.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

23 de fevereiro - Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Mt 5,44


O estilo cristão de ser, é um tema que aparece várias vezes no Evangelho, em muitos trechos nos quais o Senhor nos diz como deve ser a vida do discípulo, do cristão. Dá-nos sinais para progredir no caminho. Acontece, por exemplo, no sermão das bem-aventuranças, do qual sobressai algo revolucionário, porque parece a lógica do contrário: é a lógica do contrário em relação ao espírito do mundo.
Hoje o Senhor entra em detalhes, propondo-nos maneiras para levar uma vida cristã. As palavras de Jesus são claras: Digo-vos, a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. São quatro “mandamentos” diante dos quais o homem normalmente fica perplexo: Como posso amar quem me faz mal? Não me vingar, pelo menos defendendo-me. A resposta é: Amai os vossos inimigos. Poderíamos contestar: Mas não os posso odiar? Tenho o direito de os odiar, porque eles me odeiam, e eu devo odiá-los... E a resposta é sempre clara: Não. Amai os inimigos, aqueles que vos querem destruir: amai. “Fazei o bem aos que vos odeiam”.
Há um contraste entre o que parece normal — Se eu souber que alguém me odeia, digo a todos os amigos: “Ele odeia-me. Ele quer destruir-me”. Entro na bisbilhotice... — e o que é pedido ao cristão: Não. “Fazei o bem”. Se souberes que alguém te odeia e está em necessidade ou passa por uma situação difícil, pratica o bem.
A terceira indicação de Jesus é: Abençoai os que vos maldizem. Aqui entramos na lógica da resposta. Alguém te amaldiçoa e tu reages a alto nível; o outro faz aumentar o grau da maldição e o ódio cresce e acaba em guerra. É a lógica dos insultos. Insultando-se, acaba-se em guerra. Ao contrário, o Senhor diz: Não! Espera, “abençoa”. Amaldiçoou-te? Abençoa-o.
Depois, a mais difícil é a que vem agora: “Orai pelos que vos injuriam”. Quanto tempo de oração dedico a pedir ao Senhor pelas pessoas molestas, por quantos me incomodam ou até me tratam mal? É bom fazer «um exame de consciência.

Papa Francisco – 13 de setembro de 2018

Hoje celebramos:

Querida Amazônia: Um sonho cultural - nº 28


O objetivo é promover a Amazônia; isto, porém, não implica colonizá-la culturalmente, mas fazer de modo que ela própria tire fora o melhor de si mesma.

Tal é o sentido da melhor obra educativa: cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir. Assim como há potencialidades na natureza que se poderiam perder para sempre, o mesmo pode acontecer com culturas portadoras duma mensagem ainda não escutada e que estão ameaçadas hoje mais do que nunca.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

22 de fevereiro - Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.Mt 16,16


“Quem dizem os homens que eu sou?” E vós, quem dizeis que eu sou?'” São as perguntas feitas por Jesus no trecho do Evangelho da liturgia de hoje.
O Evangelho nos ensina as etapas já percorridas pelos apóstolos para saber quem é Jesus. São três: conhecer, professar e aceitar o caminho que Deus escolheu para Ele.

Conhecer Jesus, observou o Papa, é o que “fazemos todos nós” quando pegamos o Evangelho, procuramos conhecer Jesus, quando levamos as crianças ao catecismo, quando as levamos à missa, mas é só o primeiro passo.

O segundo é professar Jesus. E isso nós, sozinhos, não podemos fazer. “Jesus disse a Pedro: ‘Isso não vem de ti. O Pai te revelou”. Somente podemos professar Jesus com a força de Deus, com a força do Espírito Santo. Ninguém pode dizer Jesus na confissão e confessá-Lo sem o Espírito, diz Paulo. Nós não podemos confessar Jesus sem o Espírito. Por isso, a comunidade cristã deve buscar sempre a força do Espírito Santo para professar Jesus, para dizer que Ele é Deus, que Ele é o Filho de Deus.

Mas qual é a finalidade da vida de Jesus, por qual motivo Ele veio? Responder a esta pergunta significa realizar a terceira etapa no caminho do conhecimento de Cristo. Jesus começou a ensinar aos apóstolos que deveria sofrer, morrer e depois ressuscitar.
Professar Jesus é professar a Sua morte, a Sua ressurreição; não é professar: “Tu és Deus” e parar ali. Não: “Viestes por nós e morreste por mim. E ressuscitastes e nos deste a vida, nos prometeste o Espírito Santo para nos guiar”. Professar Jesus significa aceitar o caminho que o Pai escolheu para Ele: a humilhação.

Satanás sabe que Jesus é o Filho de Deus, mas Jesus rejeita a sua “confissão”, assim como afasta Pedro quando não quer aceitar o caminho escolhido por Jesus. Professar Jesus é aceitar o caminho da humildade e da humilhação. E quando a Igreja não percorre este caminho, erra e acaba mundana.
E quando nós vemos tantos cristãos bons, não? Com boa vontade, mas confundem a religião com um conceito social de bondade, de amizade, quando nós vemos tantos clérigos que dizem seguir Jesus, mas buscam as honras, o caminho da mundanidade, não buscam Jesus: buscam a si mesmos. Não são cristãos; dizem ser cristãos, mas de nome, porque não aceitam o caminho de Jesus, da humilhação. E quando lemos na história da Igreja tantos bispos que viveram assim e também tantos Papas mundanos que não conheceram o caminho da humilhação, não o aceitaram, devemos aprender que aquele não é o caminho.

Papa Francisco – 20 de fevereiro de 2020

Hoje celebramos:


Querida Amazônia: Diálogo social - nºs 26 e 27


A Amazônia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta. Os demais, somos chamados a participar como convidados, procurando com o máximo respeito encontrar vias de encontro que enriqueçam a Amazônia. Mas, se queremos dialogar, devemos começar pelos últimos. Estes não são apenas um interlocutor que é preciso convencer, nem mais um que está sentado a uma mesa de iguais. Mas são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir autorização para poder apresentar as nossas propostas. A sua palavra, as suas esperanças, os seus receios deveriam ser a voz mais forte em qualquer mesa de diálogo sobre a Amazônia. E a grande questão é: Como imaginam eles o bem viver para si e seus descendentes?

O diálogo não se deve limitar a privilegiar a opção preferencial pela defesa dos pobres, marginalizados e excluídos, mas há de também respeitá-los como protagonistas. Trata-se de reconhecer o outro e apreciá-lo como outro, com a sua sensibilidade, as suas opções mais íntimas, o seu modo de viver e trabalhar. Caso contrário, o resultado será, como sempre, um projeto de poucos para poucos, quando não um consenso de escritório ou uma paz efémera para uma minoria feliz. Se tal acontecer, é necessária uma voz profética e, como cristãos, somos chamados a fazê-la ouvir.

Daqui nasce o sonho sucessivo...


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

21 de fevereiro - Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Mc 8,34


No Evangelho de hoje Jesus nos ensina que o caminho dos discípulos é seguir a Ele, o crucificado. Em todos os três Evangelhos se explica este segui-lo a partir da cruz, o caminho do perder a si mesmo, que é necessário para o homem e sem o qual não é possível encontrar a si mesmo.

Como aos discípulos, assim também a nós o Senhor faz um convite: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”.
O cristão segue o Senhor quando aceita com amor a própria cruz, que aos olhos do mundo parece uma derrota e uma perda de vida, mesmo sabendo que não a leva sozinho, mas com Jesus, dividindo o mesmo caminho de doação dele.

São Paulo VI, escreve: Misteriosamente, o próprio Cristo, para arrancar do coração do homem o pecado de presunção e manifestar ao Pai uma obediência íntegra e filial, aceita morrer sobre a cruz. Aceitando voluntariamente a morte, Jesus leva a cruz de todos os homens e se torna fonte de salvação para toda a humanidade. São Cirilo de Jerusalém comenta: A cruz vitoriosa iluminou quem se tornou cego pela ignorância, liberou quem era prisioneiro do pecado, levou a redenção a toda a humanidade.

Confiemos a nossa oração à Virgem Maria a fim de que cada um de nós saiba seguir o Senhor no caminho da cruz e se deixe transformar pela graça divina, renovando o modo de pensar para poder discernir a vontade de Deus, aquilo que é bom, aquilo que o agrada e é perfeito.

Papa Bento XVI – 28 de agosto de 2011

Hoje celebramos: