01
- No Sacramento da Eucaristia, em virtude das palavras da instituição, as
espécies simbólicas se mudam em corpo e sangue; seus acidentes subsistem no
sujeito; e nele, pela consagração, sem violação das leis da natureza, o Cristo
único e inteiro, existe Ele próprio em diversos lugares, assim como uma voz é
ouvida e existe em vários lugares, continuando inalterado e permanecendo
inviolável quando dividido, sem sofrer diminuição alguma. Cristo, de fato, está
inteira e perfeitamente em cada e em todo fragmento de hóstia, assim como as
aparências visíveis que se multiplicam em centenas de espelhos.
02
- O efeito deste Sacramento deve ser considerado, portanto, primeira e
principalmente em função daquilo que nele está contido, que é o Cristo.
Ele,
vindo ao mundo em forma visível, trouxe ao mundo a vida da graça, segundo nos
diz o Evangelho de João:
"A graça e a
verdade, porém,
vieram por meio de Jesus Cristo".
Assim,
da mesma forma, vindo Cristo ao mundo em forma sacramental, opera a vida da
graça, segundo ainda outra passagem do mesmo Evangelho:
"Quem me come,
viverá por mim",
03 - O efeito deste Sacramento deve, ademais, ser considerado
também pelo que ele representa, que é a Paixão de Cristo. Por isto, o efeito
que a Paixão de Cristo realizou no mundo, este Sacramento também realiza no
homem.
04 - O efeito deste Sacramento também deve
ser considerado pelo modo através do qual ele é trazido aos homens, que é por
modo de comida e bebida. E por isto todo efeito que a bebida e a comida
material realizam quanto à vida corporal, isto é, sustentar, crescer, reparar e
deleitar, tudo isto realiza este Sacramento quanto à vida espiritual. E é por
isto que se diz:
"Este é o pão da vida
eterna,
pelo qual se sustenta
a substância de nossa alma".
De onde que o próprio Senhor diz, no
Evangelho de São João:
"Minha carne é
verdadeiramente comida,
e meu sangue é verdadeiramente bebida".
05 - Finalmente, o efeito do Sacramento da Eucaristia deve ser
considerado pelas espécies em que este Sacramento nos é oferecido. Foi por
causa disto que escreveu Santo Agostinho:
"O Senhor confiou-nos
o Seu Corpo e o Seu Sangue
em coisas tais que são reduzidas à unidade
a partir de muitas outras,
porque o pão é um,
embora conste de muitos grãos,
e o vinho é feito
a partir de muitas uvas".
E por isso ele também escreveu em outro lugar:
"Ó Sacramento da piedade,
ó sinal da unidade,
ó vínculo da caridade!".
06 - E porque Cristo e
sua Paixão são causa da graça, e uma refeição espiritual e a caridade não podem
existir sem a graça, por todas estas coisas é manifesto que este Sacramento
confere a graça.
07 - Mas, conforme diz São Gregório na
homilia de Pentecostes,
"o amor de Deus não é
ocioso;
opera grandes coisas,
se de fato existe".
Por isto, por
meio deste Sacramento, o quanto pertence a seu efeito próprio, não somente é conferido o
hábito da graça e da virtude, mas também esta é conduzida ao ato, segundo o que
está escrito na Segunda Epístola aos Coríntios:
"O amor de Cristo
nos impele".
Daqui é que
provém que pela virtude do Sacramento da Eucaristia a alma faz uma refeição
espiritual por deleitar-se e inebriar-se pela doçura da bondade divina, segundo
o que diz o Cântico dos Cânticos:
"Comei, amigos, e bebei;
e inebriai-vos, caríssimos".
08 - Este Sacramento também tem virtude para a remissão dos pecados veniais, o que
pode ser visto pelo fato de que ele é tomado sob a espécie de alimento
nutritivo. A nutrição proveniente do alimento é necessária ao corpo para
restaurar aquilo que em cada dia é desperdiçado pelo calor natural.
Espiritualmente, porém, em nós também é desperdiçado a cada dia algo pelo calor
da concupiscência pelos pecados veniais que diminuem o fervor da caridade. E
por isto compete a este Sacramento a remissão dos pecados veniais. De onde que
Santo Ambrósio diz, no livro Dos
Sacramentos, que este pão de cada dia é tomado:
"como remédio
da enfermidade de cada dia".
09 - Ademais, a coisa deste Sacramento é a caridade, não somente quanto
ao hábito, mas também quanto ao ato, ao qual é conduzida neste Sacramento, pelo
qual os pecados veniais se dissolvem. De onde que é manifesto que pela virtude
deste Sacramento ocorre a remissão dos pecados veniais. Os pecados veniais, ao
contrário dos mortais, não contrariam a caridade quanto ao hábito, mas
contrariam a caridade quanto ao fervor do ato, ao qual é conduzida por este
Sacramento. É por esta razão que os pecados veniais são perdoados pelo
Sacramento da Eucaristia.
10 - O Sacramento da Eucaristia pode também
perdoar toda a pena devida ao pecado. Este efeito pode ocorrer tanto por ele
ser sacrifício, como por ser sacramento. A Eucaristia possui razão de
sacrifício na medida em que é oferecido; possui razão de sacramento na medida
em que é tomado.
11 - Como
Sacramento, a Eucaristia possui diretamente aquele efeito para o qual foi
instituído. Não foi, porém, como Sacramento, instituído para satisfazer, mas
para alimentar espiritualmente pela união a Cristo e aos seus membros, assim
como o alimento se une ao alimentado. Mas porque esta união se realiza pela
caridade, por cujo fervor alguém pode conseguir a remissão não apenas da culpa,
mas também da pena, daqui ocorre que por consequência, por uma certa
concomitância ao efeito principal, o homem alcança a remissão também para a
pena. Não, porém, de toda a pena, mas de acordo como o modo de sua devoção e
fervor.
12 - Mas, na
medida em que é Sacrifício, a Eucaristia possui virtude satisfatória.
Entretanto, também na satisfação mais deve se considerar o afeto do oferente do
que a quantidade da oblação, de onde que o Senhor disse, no Evangelho de São
Lucas, da viúva que ofereceu apenas duas moedas, que
"ofereceu mais do que
todos".
Embora,
portanto, a oblação eucarística pela sua própria quantidade seja suficiente
para a satisfação de toda a pena, todavia torna-se satisfatória para aqueles
pelos quais é oferecida, ou também para os próprios oferentes, de acordo com a
quantidade de sua devoção, e não por toda a pena.
13 - A Eucaristia também preserva o homem dos pecados futuros,
pelo mesmo modo em que o corpo é preservado da morte futura. O pecado é uma
certa morte espiritual da alma. Ora, a natureza corporal do homem é preservada
da morte pela comida e pelo remédio na medida em que a natureza humana é
interiormente fortificada contra o que pode corrompê-la interiormente. É deste
modo que este Sacramento preserva o homem do pecado, porque através dele,
unindo-se a Cristo pela graça, é fortalecida a vida espiritual do homem, ao
modo de uma comida espiritual e um remédio espiritual. É assim que diz o Salmo
103:
"O pão
confirma
o coração do homem”
14 - A Eucaristia
preserva o homem dos pecados futuros também defendendo-o contra as impugnações
exteriores. Pois é sinal da Paixão de Cristo, pela qual foram vencidos os
demônios, de modo que este Sacramento repele toda a impugnação dos demônios.
15 - Ainda que
este Sacramento não diretamente se ordene à diminuição do incitamento do
pecado, diminui, porém, este incitamento por uma certa consequência, na medida
em que aumenta a caridade, porque, segundo diz Agostinho no Livro das
83 Questões,
"O aumento da
caridade
é a diminuição da cobiça”.
Diretamente, porém, a Eucaristia confirma o
homem no bem, pelo que também é preservado o homem do pecado.
16 - Este
Sacramento, ademais, é de proveito para muitos outros além dos que o recebem
porque, conforme foi dito, este Sacramento não é apenas sacramento, mas é
também sacrifício. Na medida em que neste Sacramento é representada a Paixão de
Cristo, pela qual Cristo se ofereceu a Si mesmo como hóstia a Deus, possui
razão de sacrifício. Na medida, porém, em que neste Sacramento é trazida
invisivelmente a graça sob uma espécie visível, possui razão de sacramento.
17 - Assim,
pois, este Sacramento é, para os que o recebem, de proveito não só por modo de
sacramento, como também por modo de sacrifício, porque é oferecido por todos os
que o recebem.
18 - Mas também
é de proveito para os que não o recebem, embora apenas por modo de sacrifício,
na medida em que é oferecido pela salvação deles. É por isso que no cânon da
Missa se diz:
"Lembrai-vos,
Senhor,
dos vossos servos e servas,
pelos quais nós Vos oferecemos,
e eles Vos oferecem também,
este Sacrifício de louvor,
por si e por todos os seus,
pela redenção de suas almas,
pela esperança de sua salvação e sua segurança.”
19 - O próprio
Senhor, ademais, expressou que a Eucaristia seria de proveito para outros além
dos que a recebem, quando disse, na última Ceia:
"Este cálice é o meu sangue,
que por vós",
isto é, os que o recebem,
"e por muitos"
outros,
"será derramado
para o perdão dos pecados".
20 - Pode-se, porém, argumentar que sendo o efeito deste Sacramento a
obtenção da graça e da glória e a remissão da culpa, pelo menos da venial, se
este Sacramento realmente tivesse efeito em outros além dos que o recebem
poderia acontecer que alguém alcançasse a glória, a graça e a remissão das
culpas sem ação nem paixão própria, por algum outro ter oferecido ou recebido
este Sacramento.
Responde-se a
isto dizendo que assim como a Paixão de Cristo é de proveito para todos para a
remissão da culpa, e a obtenção da graça e da glória, mas não produz efeito
senão naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e pela caridade, assim
também este sacrifício que é a Eucaristia, memorial da Paixão do Senhor, não
produz efeito senão naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e pela
caridade. De onde que no Cânon da Missa não se ora por aqueles que estão fora
da Igreja. Aos que nela estão, porém, o Sacrifício Eucarístico é de proveito
maior ou menor de acordo com o modo de sua devoção.
21 - Mas, assim
como deve-se dizer que o Sacramento da Eucaristia obtém a remissão dos pecados
veniais, assim devemos também dizer que os pecados veniais impedem o efeito
deste Sacramento. Pois diz São João Damasceno:
"O fogo do seu desejo que há
em nós,
acendendo-se mediante
aquele fogo que há no carvão",
isto é, neste Sacramento,
"queimará nossos pecados
e iluminará nossos corações
para que ardamos e nos deifiquemos
pela participação do fogo divino".
Mas o fogo do
nosso desejo ou do nosso amor é impedido pelos pecados veniais, que impedem o
fervor da caridade. Portanto, os pecados veniais impedem o efeito deste
Sacramento.
22 - Os pecados
veniais podem ser considerados de dois modos. De um primeiro modo, na medida em
que são passados. De um segundo modo, na medida em que estão sendo exercidos em
ato.
Segundo o
primeiro modo, os pecados veniais de nenhum modo impedem o efeito deste
Sacramento. De fato, pode acontecer que alguém, depois de ter cometido muitos
pecados veniais, se aproxime devotamente a este Sacramento e alcance plenamente
o seu efeito.
Porém, de acordo
com o segundo modo, os pecados veniais não impedem totalmente o efeito deste
Sacramento, mas apenas em parte. De fato, foi dito que o efeito deste
Sacramento não é apenas a obtenção da graça habitual ou da caridade habitual,
mas também uma certa refeição atual de espiritual doçura. A qual, na verdade, é
impedida se alguém se aproximar a este Sacramento com a mente distraída pelos
pecados veniais. O aumento da graça habitual ou da caridade habitual, porém,
não é tirado.
23 - Aquele que
com o ato do pecado venial se aproxima deste Sacramento come espiritualmente
segundo o hábito, mas não segundo o ato. E por isto recebe o efeito deste
Sacramento segundo o hábito, não segundo o ato.
24 - Nisto o
Sacramento da Eucaristia difere do Batismo, porque o Batismo não se ordena a um
efeito atual, isto é, ao fervor da caridade, do modo como ocorre com o
Sacramento da Eucaristia. O Batismo é uma regeneração espiritual, pelo qual se
adquire uma primeira perfeição, que é um hábito ou forma; mas a Eucaristia é
uma refeição espiritual que possui uma deleitação atual.
25 - Quem está
em pecado mortal comete sacrilégio ao receber a Eucaristia, porque há duas
coisas sacramentais na Eucaristia. A primeira, significada e contida, é o
próprio Cristo; a segunda, significada mas não contida, é o Corpo Místico de
Cristo, isto é, a sociedade dos santos. Quem quer que, pois, receba este
Sacramento, só por isto significa estar unido a Cristo e aos seus membros. Ora,
isto se realiza pela fé formada pela caridade, que ninguém pode possuir
juntamente com o pecado mortal. E por isto é manifesto que quem quer que receba
este Sacramento em pecado mortal comete nele falsidade. Incorre, por este
motivo, em sacrilégio, como violador do Sacramento. Peca, por causa disto,
mortalmente.
26 - Os
pecadores, porém, que tocavam o Corpo de Cristo não sob a espécie sacramental,
mas em sua substância própria, não pecavam. Às vezes até alcançavam o perdão
dos pecados, como se lê no Evangelho de São Lucas a respeito da mulher
pecadora. Isto acontecia porque o Cristo, aparecendo sob a sua espécie própria,
não se exibia para ser tocado pelos homens em sinal de união espiritual com Ele,
como é o caso quando se oferece para ser recebido neste Sacramento. Foi por
isso que os pecadores que o tocavam em sua própria espécie não incorriam no
crime de falsidade contra a divindade, como o fazem os pecadores que recebem
este Sacramento.
27 - O pecador que recebe o Corpo de Cristo
pode ser comparado, quanto à semelhança do crime, a Judas que beijou Cristo,
porque ambos ofendem a Cristo sob um sinal de caridade.
Esta semelhança
compete a todos os pecadores em geral, porque por todos os pecados mortais
age-se contra a caridade de Cristo, de que é sinal este Sacramento, e tanto
mais quanto os pecados são mais graves.
Mas sob um
aspecto especial os pecados contra o sexto mandamento tornam o homem mais
inepto para o recebimento deste Sacramento, na medida em que, a saber, por este
pecado o espírito é maximamente submetido à carne, e desta maneira é impedido o
fervor do amor que é requerido neste Sacramento.
28 - Que
ninguém, pois, se aproxime desta Mesa sem reverente devoção e fervente amor,
sem verdadeiro arrependimento, ou sem lembrar-se de sua Redenção.
Maravilhoso é
este Sacramento em que uma inefável eficácia inflama os afetos com o fogo da
caridade. Que revigorante maná é aqui oferecido para o viajante! Ele restaura o
vigor dos fracos, a saúde para os doentes, confere o aumento da virtude, faz a
graça superabundar, purga os vícios, refresca a alma, renova a vida dos aflitos,
vincula uns aos outros todos os fiéis na união da caridade. Este Sacramento da
fé também inspira a esperança e aumenta a caridade. É o pilar central da
Igreja, a consolação dos que falecem, e o acabamento do Corpo Místico de
Cristo. A fé amadurece, e a devoção e a caridade fraterna são aqui saboreadas.
Que estupenda provisão para o caminho é esta, que conduz o viajante até à
montanha das virtudes! Este é o pão verdadeiro que é comido e não consumido,
que dá força sem perdê-la. É a nascente da vida e a fonte da graça. Perdoa o
pecado e enfraquece a concupiscência. Os fiéis encontram aqui a sua refeição, e
as almas um alimento que ilumina a inteligência, inflama os afetos, purga os
defeitos, eleva os desejos. Ó cálice de doçura para as almas devotas, este sublime
Sacramento, ó Senhor Jesus, declara para os que creem Tuas maravilhosas obras.
São Tomás de Aquino - Sermão sobre o Corpo do Senhor