Ao mesmo tempo que
anuncia sem cessar o querigma, a Igreja deve crescer na Amazônia. Para isso,
não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas,
realidades e histórias do território. Desta forma, irá desenvolvendo cada vez
mais um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já
existe nas culturas amazônicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do
Evangelho. E também não despreza a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao
longo dos séculos, como se pretendesse ignorar a história na qual Deus operou
de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista não só da
perspectiva espacial, mas também da sua realidade temporal. Trata-se da
Tradição autêntica da Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de
museu, mas a raiz duma árvore que cresce. É a Tradição milenar que testemunha a
ação divina no seu povo e cuja missão é mais a de manter vivo o fogo, do que
conservar as suas cinzas.
São João Paulo II ensinou
que a Igreja, ao apresentar a sua proposta evangélica, não pretende negar a
autonomia da cultura. Antes pelo contrário, nutre por ela o maior respeito,
porque a cultura não é só sujeito de redenção e de elevação; mas pode ter
também um papel de mediação e de colaboração. E, dirigindo-se aos indígenas do
Continente Americano, lembrou que uma fé que não se torna cultura é uma fé não
de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada, nem com fidelidade vivida. Os
desafios das culturas convidam a Igreja a uma atitude de prudente sentido
crítico, mas também de atenção e confiança.
Vale a pena lembrar
aqui o que afirmei na Exortação Evangelii
gaudium a propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de
que a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o
recebe. Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma dinâmica
de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto, pois quando
uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua
cultura com a força transformadora do Evangelho; por outro, a própria Igreja
vive um caminho de recepção, que a enriquece com aquilo que o Espírito já tinha
misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, o Espírito Santo embeleza a
Igreja, mostrando-lhe novos aspetos da Revelação e presenteando-a com um novo
rosto. Trata-se, em última instância, de permitir e incentivar a que o anúncio
do Evangelho inexaurível, comunicado com categorias próprias da cultura onde é
anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura.
Por isso, como
podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo
cultural e não faria justiça à lógica da encarnação pensar num
cristianismo monocultural e monocórdico. Entretanto, o risco dos
evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que devem não só comunicar o
Evangelho, mas também a cultura em que cresceram, esquecendo que não se trata
de impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja. É
necessário aceitar corajosamente a novidade do Espírito capaz de criar sempre
algo de novo com o tesouro inesgotável de Jesus Cristo, porque a inculturação
empenha a Igreja num caminho difícil, mas necessário. É verdade que, embora
estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado e
acabamos como espectadores duma estagnação estéril da Igreja. Não tenhamos
medo, não cortemos as asas ao Espírito Santo.
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