A grande e sublime missão que, ao regressar
ao Pai, Nosso Senhor Jesus Cristo confiou aos seus discípulos quando lhes
disse: “ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a todas as criaturas”, não
podia terminar com a morte dos Apóstolos mas devia continuar, através dos seus
sucessores, até ao fim dos tempos, isto é, enquanto existirem na terra pessoas
para salvar pelo ensino da verdade.
Na realidade, desde esse dia que “eles foram
e anunciaram por toda a parte” de tal modo que a “sua voz se espalhou por toda
a terra e as suas palavras até aos confins do mundo”. A Igreja de Deus, fiel ao
mandato divino, nunca deixou, através dos tempos, de enviar a todo o mundo
ministros da palavra divina que anunciassem a salvação eterna alcançada por
Cristo para o género humano.
Mesmo durante os três primeiros séculos do
cristianismo, quando a fúria das perseguições desencadeadas pelo inimigos,
inundava de sangue a Igreja nascente, a voz do evangelho foi proclamada em todo
o Império Romano.
Quando posteriormente foi concedida a paz e a
liberdade à Igreja, foram ainda maiores os progressos alcançados no Apostolado
em todo o mundo, sobretudo pelas mãos de pessoas que se distinguiam pelo zelo e
santidade. Nessa época, Gregório, o Iluminador, levou a Arménia até à fé
cristã; Vitorino, a Estíria; Frumêncio, a Etiópia; Patrício converteu os
Irlandeses ao cristianismo; Agostinho converteu os ingleses; Colomba e
Palladio, os escoceses; Clemente Willibrord (primeiro Bispo de Utrecht),
evangelizou a Holanda; Bonifácio e Anscário, a Alemanha; Cirilo e Metódio, os
eslavos. Alargando o horizonte, Guilherme de Rubruquis levou o evangelho à
Mongólia, o Beato Gregório X enviou missionários para a China e os franciscanos
estabeleceram lá um cristianismo jovem, que em seguida foi arrasado pela
tempestade da perseguição.
Depois da descoberta da América, uma multidão
de apóstolos, entre os quais recordamos principalmente Bartolomeu de Las Casas
(distinto dominicano), consagraram-se à proteção dos indígenas, contrariamente
à tirania humana, com a finalidade de os libertar da dura escravidão do demônio.
Na mesma época São Francisco Xavier, digno de
ser comparado aos Apóstolos, depois de tantos trabalhos na Índia Oriental e no
Japão, morreu às portas do Império Chinês (onde desejava chegar), quase
conseguindo, com a sua morte, o caminho para uma nova evangelização daquelas
regiões, onde depois tantas ordens religiosas e institutos missionários
exerceram o apostolado no meio de grandes dificuldades.
Finalmente a Austrália, o último continente a
ser descoberto, e ao mesmo tempo os territórios da África central, receberam
também anunciadores da fé cristã; e no imenso oceano Pacífico também todas as
ilhas, mesmo as mais isoladas, foram alcançadas pelo zelo dos nossos
Missionários.
Muitos destes, desejando a salvação dos
irmãos, a exemplo dos Apóstolos, alcançaram o máximo da perfeição. Muitos
outros, coroaram o seu apostolado com o martírio e selaram a sua fé com o
sangue.
Na verdade, é motivo de grande admiração
constatar que, depois de tantos sofrimentos associados ao anúncio da fé, depois
de tantos trabalhos e exemplos de fortaleza, são ainda muitos os que permanecem
nas trevas e nas sombras da morte e que, segundo as mais recentes estatísticas,
somam um bilhão.
Nesse sentido, por compaixão e dever
apostólico, querendo fazê-los participantes da redenção divina, vemos com
grande alegria e consolação que, sob a orientação do Espírito de Deus, cada dia
aumentam mais, em várias partes da cristandade, o zelo dos bons, na promoção e
desenvolvimento das missões no meio dos povos. Para confirmar este movimento e
dar-lhe um vigoroso impulso em todo o mundo, como devemos e desejamos, nós,
depois de termos implorado insistentemente a luz e a ajuda do Senhor, vos
enviamos, caríssimos irmãos, esta carta para que vos entusiasme, ao vosso clero
e aos povos que vos estão confiados, e vos indique de que modo podeis
contribuir para esta santa causa.
Antes de mais dirigimo-nos àqueles que, na
qualidade de Bispos, Vigários ou Prefeitos Apostólicos, presidem às Sagradas
Missões. Desses depende diretamente a propagação da fé e é nesses que a Igreja
coloca a esperança na sua maior expansão. Acreditamos que neles esteja muito
vivo esse espírito de apostolado. São conhecidas as grandes dificuldades que
tiveram de superar e as árduas provações que sofreram, sobretudo nos últimos
anos, não só para não perder as posições adquiridas mas também para dilatar
ainda mais o reino de Deus. Conhecendo a sua união e a sua filial união com
esta Sede Apostólica, abrimos-lhes o coração com plena confiança, como fazem os
pais com os seus filhos.
Pensemos primeiramente que esses, como se
diz, devem ser a alma da sua Missão. Por essa razão, sejam zelosos e de
exemplar edificação para com os seus sacerdotes e cooperadores, exortando-os a
encorajando-os a um bem sempre maior. Os que de qualquer modo trabalham nesta
vinha do Senhor, devem perceber, experimentar e até sentir que encontram nos
superiores o verdadeiro pai, vigilante, diligente, repleto de atenção e de
caridade, que tudo e todos abraçam afetuosamente, partilhando com eles as
alegrias e dores, confirmando e promovendo todas as boas iniciativas e, numa
palavra, consideram como seus todos aqueles que lhes pertencem.
O destino de uma Missão depende, pode
dizer-se, do modo como é dirigida: por isso, pode ser danosa a não idoneidade
dos que a governam. Na verdade, quem se consagra ao apostolado das missões,
abandona a pátria, a família e amigos; aventura-se frequentemente numa viagem
grande e perigosa, disposto a suportar qualquer sofrimento afim de ganhar mais
pessoas para Cristo. Se esses têm um superior que os assistem em todas as
circunstâncias com sincera caridade, não há dúvida que a obra será frutuosa; de
outro modo, provavelmente ficará aos poucos abatido pelas contrariedades,
terminará resignando-se ao desespero e à inatividade.
Além disso, quem preside a uma Missão deve
procurar dar-lhe o máximo incentivo e desenvolvimento. Tendo-lhe sido confiado
todo o território da sua Missão, claramente ele deverá responder pela salvação
de todos os habitantes daquela região.
Por essa razão não se deve contentar em ter
conquistado para a fé, entre aquela multidão, algumas milhares de pessoas:
procure cultivar e manter aqueles que ofereceu a Jesus Cristo, de maneira que
ninguém regresse ao caminho da perdição. Não acredite ter conseguido completar
o seu dever se antes não tiver colocado todas as suas forças na cristianização
também dos restantes que não conhecem Cristo, que é a missão maior.
Por isso, para facilitar sempre mais a
pregação do Evangelho, será de grande ajuda a criação de novos centros e nova
cristianização que depois darão lugar, por sua vez, de novos vicariatos e
prefeituras, quando se julgue oportuno de subdividir essa Missão. A este
propósito, elogiamos aqueles Vicariatos Apostólicos que, assim fazendo,
contribuíram para o desenvolvimento do Reino de Deus que, mesmo quando não
encontram novos cooperadores na sua própria Ordem, agradavelmente acolhem
outras famílias religiosas.
Pelo contrário, seria reprovável aqueles a
quem foi confiada a Vinha do Senhor, a considerasse m como propriedade
exclusiva, com inveja que outros a assumam. Que grande responsabilidade teria
de assumir diante do eterno juiz, sobretudo se a sua pequena comunidade cristã
– como acontece frequentemente – quase perdida no meio de uma multidão e não
tendo efetivos suficientes para a catequização, se obstinasse a não pedir ajuda
a outros colaboradores!
Pelo contrário, se há necessidade, o superior
da Missão (que deve ser diligente na glória de Deus e na salvação das almas),
chame cooperadores de qualquer lado que ajudem no seu ministério, sem se
importar com a Orem ou a nacionalidade, “para que de qualquer modo seja
anunciado Cristo”(4); chame não somente cooperadores mas também cooperadoras
para as escolas, orfanatos, lares, hospitais, convicto que todas estas obras de
caridade são um meio muito eficaz nas mãos da providência divina para a
propagação da fé.
Para além disso, o superior da Missão não
restringe a sua ação ao seu território, desconsiderando o que acontece fora:
quando for exigido pelo amor de Cristo e pela Sua glória – a única coisa que
verdadeiramente interessa – procure estar em relação com os companheiros que
estão ao lado, até porque há muitas vezes interesses comuns a uma região, que
não poderão ser bem atendidos sem um comum acordo.
É muito vantajoso para a religião que os
responsáveis das Missões, podendo, tenham periodicamente reuniões para se
aconselharem e encorajarem mutuamente.
Por fim, quem preside à Missão deve endereçar
as suas principais forças na boa formação do clero indígena, sobre os quais
repousam as maiores esperanças nas novas comunidades cristãs. O sacerdote
indígena, tendo a cultura dos seus concidadãos, a natureza, a mentalidade e as
aspirações, está superiormente preparado para fomentar a fé nos seus corações,
já que mais do que ninguém conhece os caminhos certos para os persuadir.
Acontece frequentemente que eles conseguem chegar com maior facilidade onde o
missionário estrangeiro não consegue. No sentido de conseguir os frutos
esperados, é absolutamente necessário que o clero indígena seja
convenientemente instruído e educado. Não é suficiente uma formação rudimentar
para poder ser admitido ao sacerdócio mas esta deve ser completa e perfeita, à
imagem dos sacerdotes das nações mais desenvolvidas. Em suma, não se deve
formar um clero indígena como se fossem de classe inferior, usado para as
tarefas secundárias, mas de um nível que se encontre à altura do seu ministério
para que um dia possam assumir o governo da comunidade cristã. A Igreja é
universal e, por isso, nunca é estranha a qualquer lugar: é conveniente que em
cada nação existam sacerdotes capazes de apontar aos seus concidadãos, como
mestres e guias, para a salvação eterna.
Onde exista uma quantidade suficiente de
clero indígena bem formado e digno da vocação, então aí a Igreja poderá
assumir-se como bem fundada e completa a obra do Missionário. E se essa Igreja
tiver de suportar futuramente a perseguição, não teríamos de temer que, com
aqueles fundamentos e com aquelas raízes, essa sucumbisse aos assaltos do
inimigo.
Na verdade, a Sé Apostólica insistiu sempre
que esta tarefa fundamental fosse bem entendida pelos superiores da Missão e
levado a cabo com todo o esforço: são prova disso os antigos e novos colégios
fundados nesta cidade para a formação dos clérigos de nações estrangeiras,
sobretudo os de rito oriental.
Apesar disso, ainda existem - infelizmente -
regiões em que, mesmo que a fé católica esteja implantada há séculos, somente
se encontra um clero indígena decadente. Do mesmo modo, existem muito poucos
que tendo atingido um alto grau de civilização a ponto de poder apresentar
homens admiráveis em vários ramos da indústria e da ciência e ainda assim,
mesmo sob a influência do Evangelho e da Igreja, ainda não têm Bispos próprios
que os governem, nem sacerdotes com capacidade de guiar os seus concidadãos.
Isto demonstra que na educação do clero destinado às Missões se continuam a
usar métodos frágeis e deficientes.
Prevenindo tal inconveniente, queremos que a
Sagrada Congregação da Propaganda da Fé tome medidas e disposições adaptadas
para as várias regiões; que se interesse pela fundação d seminários regionais
ou inter-diocesanos; vigiem de modo particular a formação do clero nos
Vicariatos e nas diversas Missões.
Agora dirigimo-nos a vós, queridos Filhos,
que cultivais a vinha do Senhor, dos quais depende diretamente a propagação da
verdade cristã e a salvação de tantas pessoas.
Antes de mais é necessário que tenhais uma
grande estima pela grandeza da vossa vocação. Tende em conta que a tarefa que
vos está confiada é absolutamente divina e está para além dos pequenos
interesses humanos, porque trazeis para a luz quem jaz nas sombras da morte e
abris as portas do céu a quem está a caminhar para o abismo.
Considerando que a cada um de vós o Senhor
vos diz: “Esquece-te do teu povo e da casa do teu pai” (5), recordai-vos que
não deveis difundir um reino dos homens mas o reino de Cristo; não vos compete
acrescentar pessoas para a pátria terrena mas para a pátria celeste.
Disto se conclui que seria deplorável que
existissem Missionários que se esquecessem da sua própria dignidade e pensassem
mais na pátria terrestre que na pátria celeste; que fossem mais preocupados na
dilatação do seu poder e da sua glória. Seria uma das mais tristes chagas do
apostolado, que paralisaria o zelo do Missionário e diminuiria a autoridade aos
olhos dos indígenas. Estes, na verdade, embora grosseiros, compreendem aquilo
que busca o Missionário e o que ambiciona deles; conhecem, à distância, se ele
tem outras intenções para além do seu bem espiritual.
Imaginemos que ele não abandona essas
intenções humanas e não se comporte plenamente como um verdadeiro homem
apostólico, mas que dê a entender interesses da sua própria pátria. Obviamente
que todo o seu trabalho será visto pela população com suspeita; esses
facilmente serão induzidos a acreditar que a religião cristã é a religião de um
determinado país e que a adesão a ela seria colocar-se na dependência de um
estado exterior, renunciando assim à sua nacionalidade.
Na verdade, encontram-se infelizmente em
certas revistas de Missões, surgidas ultimamente, um evidente desejo de alargar
a influência da sua própria pátria, mais do que o zelo pelo reino de Deus. É de
espantar que daí não surja nenhuma preocupação pelo grave perigo de afastar os
pagãos da nossa religião.
Não é assim o missionário católico digno
desse nome. Não se pode esquecer que não é enviado pela sua pátria mas por
Cristo; comporta-se, portanto, de modo a que cada um possa reconhecer
indubitavelmente nele um ministro daquela religião que, abraçando todas as
pessoas que adoram Deus em espírito e verdade, não é estrangeira a nenhuma
nação e onde não há “grego ou judeu, circunciso ou incircuncisão, bárbaro ou
cita, escravo ou livre, mas Cristo em todos”.
Um outro grande problema que o Missionário
deve ter em atenção é procurar outros ganhos que não sejam os das almas. Quanto
a este assunto não vale a pena gastarmos muitas palavras. Como poderia aquele
que é ávido de dinheiro procurar única e convenientemente a glória de Deus,
como é seu dever e, para promove-la, salvando o seu próximo, estar pronto a
sacrificar tudo o que tem inclusive a própria vida? Acrescente-se que ele dessa
maneira viria a perder a sua autoridade e o seu prestígio juntos dos infiéis,
sobretudo se esta obsessão pelo lucro, como facilmente acontece, se tornasse
avareza. Nada mais do que estes sórdido vício é desprezível à vista dos homens
e, ainda mais, inconveniente ao reino de Deus.
O bom pregador do Evangelho, por outro lado,
deve imitar também nisto o Apóstolo dos gentios, que não só disse a Timóteo:
“Se temos comida e com que nos cobrirmos, contentemo-nos com isso” mas levou o
desapego ao ponto de, mesmo no meio de tantas atividades do seu ministério,
ganhar o alimento com o trabalho das suas mãos.
Daí que, antes de iniciar o seu apostolado, o
Missionário deve ter uma cuidado preparação. Poder-se-ia pensar que não há
necessidade de tanta ciência para quem vai para pregar Cristo a povos não
civilizados. Mesmo que seja verdadeiro que para converter e salvar é muito mais
eficaz as virtudes que o saber. Contudo, se o missionário não se muniu
primeiramente de um certa solidez de conhecimentos, dar-se-ia conta que lhe
faltava consistência para ser bem sucedido no seu ministério.
É frequente que o Missionário se encontre sem
livros e sem a possibilidade de consultar alguma pessoa mais experiente; e que,
mesmo assim, deva responder às objeções contra a fé e resolver questões
difíceis e outros problemas. Quanto mais ele for instruído maior será a estima
de que gozará entre os povos. Frequentemente também se encontrará no meio de
povos que apreciam o estudo e o saber. Seria inconveniente que os pregadores da
verdade fossem inferiores aos ministros do erro.
Portanto, enquanto os seminaristas - chamados
por Deus - são preparados convenientemente para as Missões, devem ser
instruídos em todas as disciplinas (sagradas ou profanas) que interessem ao
Missionário. E isto deve ser feito com todo o cuidado no Colégio Pontifício da
Propaganda da Fé; ordenamos também que nesses, de agora em diante, seja
disponibilizado um ensinamento de todos os assuntos atinentes às Missões.
A primeira coisa que o missionário deve
conhecer é a língua do povo ao qual está dedicado. Não basta que tenham algum
conhecimento mas é necessário que a saiba falar corretamente e com fluência. Na
verdade ele é dirigido a toda a espécie de pessoas tanto letradas como a não
letradas. Naturalmente, é mais fácil a alguém que fale bem a língua do povo
conseguir o estima de todos.
Em relação à explicação da doutrina cristã, o
Missionário diligente não deve confia-la aos catequistas mas tenha-a para si
como o seu próprio trabalho, como a sua principal obrigação, sabendo que a
pregação do Evangelho é o seu principal ministério.
Às vezes pode acontecer que, como ministro e
representante da religião, ele deva comparecer diante das autoridades do país,
ou seja convidado para qualquer reunião de sábios. Como poderia sustentar o seu
nível se, por ignorância da língua, não soubesse exprimir os seus pensamentos?
Foi por isso que, para desenvolver as Igrejas
do Oriente, fundamos em Roma um Instituto especial para que aqueles que farão
apostolado naquelas regiões consigam ser bem instruídos em todos os assuntos,
mas especialmente no conhecimento das línguas e dos costumes do Oriente.
Achando que este Instituto é de grande utilidade, aproveitamos esta ocasião
para exortar todos os Superiores das Ordens e das Famílias Religiosas às quais
estão confiadas Missões no Oriente, de que mandem para aí os seus alunos,
destinados às mesmas Missões, afim de que adquiram uma cultura sólida.
Para aqueles que se preparam para o apostolado,
é indispensável – como dissemos – a santidade de vida. É necessário que aquele
que prega Deus seja homem de Deus; e tenha ódio ao pecado aquele ensina o ódio
ao pecado. Especialmente juntos dos pagãos, que são guiados mais pelo instinto
que pela razão, é muito mais proveitosa a pregação do exemplo que a pregação da
palavra. Ainda que o Missionário seja dos mais dotados de mente e de coração
(por ser completo na doutrina e cultura), se estas qualidades não são
condizentes com uma vida santa, quase nenhuma ou mesmo nenhuma eficácia terão
essas qualidades para a salvação dos povos; pior, na maioria das vezes causarão
dano a si mesmo e aos outros.
Por isso, o Missionário seja exemplarmente
humilde, obediente e casto: seja especialmente piedoso, dedicado à oração em
contínua união com Deus, intercedendo junto de Deus pelas causas das almas.
Quanto mais próximo de Deus, tanto mais será concedida a graça do Senhor.
Escute a exortação do Apóstolo: “revesti-vos, como amados de Deus, santos e
eleitos, dos sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de
mansidão, de paciência”. Removidos todos os obstáculos com a ajuda destas
virtudes, é fácil e espontâneo o acesso à verdade nos corações dos homens; não
existe vontade férrea que possa resistir.
Portanto, o Missionário que, à imitação do
Senhor Jesus, cheio de caridade, reconhecendo como filhos de Deus também os
mais afastados, redimidos pelo mesmo sangue, não se irrita pela sua aspereza,
não desanima perante a perversidade dos seus costumes, nãos os despreza ou
desdenha, não os trata com rudeza mas procura atraí-los com toda a ternura da
bondade cristã, para conduzi-los um dia ao abraço de Cristo, o Bom Pastor.
Nesse sentido ele deve meditar na passagem da
Sagrada Escritura: “O teu espírito incorruptível está em todas as coisas!
Por isso, pouco a pouco corriges os que caem,
os repreendes e lhes recordas o seu pecado, para que se afastem do mal e creiam
em ti, Senhor… Mas Tu, que dominas a tua quando quiseres”. Que adversidade,
travessia ou perigosa contingência poderá desencorajar um tal mensageiro de
Jesus Cristo? Nenhuma.
Reconhecido perante Deus que o chamou para
uma missão tão sublime, ele está disposto a tudo, a tolerar generosamente as
dificuldades, os insultos, a fome, as privações, a própria morte mais cruel,
somente para resgatar uma só alma.
O Missionário com esta compreensão e
propósito, seguindo o exemplo de Cristo e dos Apóstolos, prepara-se
confiadamente para exercer o seu mandato: mas recorde-se de colocar a sua
confiança em Deus. A propagação da sabedoria cristã é tudo um trabalho divino,
como já falamos, porque só Deus sabe entrar no íntimo de cada um, iluminar as
mentes com o esplendor da verdade, acender nos corações a chama da virtude e
fornecer ao homem as energias necessárias para que possa abraçar e seguir
aquilo que ele conhece como verdadeiro e bom. Se o Senhor não assistisse o
Ministro, seria vãos todos os esforços. Apesar de tudo isto, seja empenhado no
seu trabalho, confiando na ajuda da graça divina, que não é negada a quem a
pede.
Não podemos deixar também de mencionar as
mulheres que, desde o início do cristianismo, colaboraram eficazmente com os
pregadores na difusão do Evangelho. São especialmente dignas de louvor aquelas
virgens consagradas a Deus que se encontram em grande número nas Missões,
dedicadas à educação das crianças ou a outras obras de piedade e de
beneficência: queremos que essas encontrem neste louvor um novo encorajamento
para aumentarem sempre mais o seu contributo em favor da Igreja. Por certo que
a sua obra será tanto mais vantajosa quanto mais essas se empenhem na sua
própria perfeição espiritual.
Agora dirigimo-nos a todos aqueles que, por
grande misericórdia de Deus, estão já em posse da verdadeira fé e daí colhem
imensos benefícios. Antes de mais nada devem ter em consideração a obrigação
que lhe diz respeito na ajuda às Missões.
Na verdade, Deus “mandou a cada um cuidar do
seu próximo”. Quem tem mais necessidade da nossa ajuda fraterna dos que
desconhecem Deus estando à mercê das mais desenfreadas paixões e sob a
duríssima tirania do demônio? Por isso, todos aqueles que contribuem, segundo
as suas próprias forças, para os iluminar, sobretudo ajudando à obra dos
Missionários, entregam a Deus o testemunho mais agradável da sua gratidão por
lhes ter dado o dom da fé.
São de três espécies as ajudas que se podem
dar às Missões e que os Missionários não cessam de pedir: a primeira, que está
ao dispor de todos, é de os confiar ao Senhor através da oração. Mais do que
uma vez sublinhamos que a obra dos Missionários será estéril e vã se não for
fecundada pela graça divina. Como dizia de si mesmo S. Paulo: “eu plantei,
Apolo regou mas foi Deus quem deu o crescimento”.
Para conseguir esta graça há somente um modo:
a perseverança da oração humilde, como disse o Senhor: “pedindo qualquer coisa,
hão de obtê-la de meu Pai”. Não há dúvida quanto à concretização desta oração,
tratando-se de uma causa tão nobre e querida aos olhos de Deus. Por isso, assim
como Moisés no alto do monte levantou as mãos ao céu e conseguiu a ajuda divina
a favor dos israelitas que combatiam contra os amalecitas, assim também todos
os cristãos, rezando, ajudam os pregadores do evangelho, enquanto estes
trabalham na vinha do Senhor. Por esta razão foi instituído o “Apostolado da
Oração”. Nós o Recomendamos vivamente a todos os fiéis, desejando que ninguém
se recuse a fazer parte dele, mas que todos queiram participar, no mínimo com o
coração, nas canseiras apostólicas.
Em segundo lugar, é necessário prover ao
diminuto número de missionários. Já se havia sentido anteriormente mas é ainda
maior depois da guerra. Várias partes da vinha do Senhor precisam de
agricultores. Apelamos ao vosso cuidado, veneráveis irmãos: fareis o necessário,
se estimulardes no clero e nos alunos do seminário diocesano a vocação para as
Missões. Não vos deixeis enganar por alguma aparência de bem ou de
considerações humanas, temendo que vos faça falta na vossa diocese o que dais
às Missões. No lugar do um Missionário que deixais partir Deus suscitará mais
sacerdotes que serão muito úteis à vossa diocese.
Exortamos também os Superiores das Ordens e
Institutos Religiosos que se dedicam às Missões, para que a elas destinem os
melhores alunos, ou seja os que pela santidade de vida, espírito de sacrifício
e zelo pelas almas se apresentem verdadeiramente idóneos ao difícil ministério
do apostolado.
E quando os superiores tenham conhecimento
que os seus Missionários conseguiram felizmente trazer alguma população das
superstições à sabedoria cristã e aí tenham fundado uma igreja estável,
permitam que tais veteranos de Cristo sejam transferidos para resgatar um outro
povo das mãos do diabo e deixem para outros – sem lamentação – a tarefa de
fazer crescer e melhorar o que lhes tinha sido confiado por Cristo. Desse modo,
enquanto contribuirão para ganhar uma grande quantidade de pessoas, atrairão
também sobre as suas famílias religiosas os mais altos dons da bondade divina.
Para sustentar as Missões são necessários
também muitos meios materiais, especialmente porque cresceram também muito as
necessidades depois da guerra que devastou e destruiu escolas, lares,
hospitais, dispensários e outras instituições de caridade. Apelamos
veementemente a todos os pessoas de boa vontade que queiram ajudar neste sentido.
De fato, “se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com
necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer
nele?” Assim falava o Apóstolo João daqueles que passam necessidades materiais.
Quanto mais se deve prestar atenção à lei da caridade neste caso, tratando-se
não só de socorrer uma infinita quantidade de gente que enfrenta a miséria e a
fome, mas também e principalmente de resgatar uma multidão imensa da escravidão
de satanás para conquistá-la para a liberdade dos filhos de Deus?
Desejamos assim que de modo particular sejam
ajudadas - pela generosidade dos católicos - as obras que foram instituídas em
favor das Missões:
Em primeiro lugar a “obra da propagação da
fé”, tantas vezes recomendada pelos nossos predecessores. Queremos que a
Sagrada Congregação da Propaganda tenha particular cuidado com ela para que se
tornem cada vez mais fecundas. Essa deve prover que as Missões já criadas e as
outras que se deverão criar, sejam dotadas com os melhores meios. Confiamos que
os católicos do mundo inteiro não permitam que enquanto outros dispõem de
poderosos meios para espalhar o erro, os nossos – para difundir a verdade –
tenham que lutar com indigência.
Em segundo lugar, recomendamos vivamente a
“obra da Santa Infância” que se propõe administrar o Batismo às crianças
moribundas das Missões. Nesta obra podem participar também as nossas crianças
que podem assim conhecer o quanto é inestimável o dom da fé e aprendam a levar
o seu contributo juntamente com outros.
Não seja também esquecida a “obra de S.
Pedro” que tem por finalidade a boa formação do Clero indígena das Missões.
Queremos também que tenham em atenção aquilo
que foi prescrito pelo nosso antecessor Leão XIII: no dia da Epifania se
recolham em todas as Igrejas do Mundo o óbolo “para resgate dos escravos em
África” e que o recolhido seja entregue à Sagrada Congregação da Propagação da
fé.
Afim de que as nossas intenções se cumpram
integralmente é necessário que vós, veneráveis irmãos, instruam, de modo muito
particular o vosso clero, em relação às Missões.
Geralmente os fiéis estão abertos e dispostos
a socorrer a obra do apostolado; não deixeis perder estas boas intenções e
cuidai de tirar o maior proveito para as Missões. Com este objetivo sabei que é
nosso desejo que seja instituída em todas as dioceses católicas uma associação
chamada “União Missionária do Clero”. Queremos que essa esteja na dependência
da Sagrada Congregação da Propagação da Fé, à qual já demos todas as faculdades
necessárias.
Fundada em Itália, esta associação
difundiu-se rapidamente em várias regiões. Como tem o nosso assentimento, já a
dotamos de muitas indulgências. Mediante essa a ação do clero será sabiamente
organizada quer a interesse dos fiéis pela conversão de tantos pagãos quer no
desenvolvimento e difusão de todas as Obras já aprovadas da Sé Apostólica em
benefício das Missões.
Eis, veneráveis irmãos, o que queríamos
comunicar-vos em relação à propagação da fé em todo o mundo. Se todos fizerem o
seu dever - como acreditamos -, os Missionários no campo de trabalho e os fiéis
na sua pátria, podemos esperar que as Sagradas Missões, recuperadas dos graves
prejuízos da guerra, possam novamente prosperar. O divino Mestre exorta-nos,
como um dia a Pedro, com as palavras: “Faz-te ao largo”, com um grande ardor de
caridade paterna nos impele a querer conduzir toda a humanidade ao abraço de
Deus.
Com efeito, permanece vivo e poderoso o
Espírito de Deus na Igreja e não pode ser estéril o zelo de tantos apóstolos
que trabalharam e trabalham ainda por dilatar os limites da Igreja. Estimulados
pelo seu exemplo, surgirão fileiras de missionários que, amparados pelas
orações e pela generosidade de boas pessoas, conquistarão muitos outros para
Cristo. Que a Mãe de Deus, Rainha dos Apóstolos nos acompanhe e obtenha o
Espírito Santo para os anunciadores do Evangelho. Com a Sua proteção e como
garantia de paterna bondade, vos concedemos a vós, veneráveis irmãos, ao vosso
clero e ao vosso povo a bênção apostólica.
30 de novembro de
1919 - Bento XV
Nenhum comentário:
Postar um comentário