Hoje escutamos a
narrativa da Paixão de Cristo. Trata-se, essencialmente, do relato de uma morte
violenta. Notícias de mortes, e mortes violentas, quase nunca faltam nos
noticiários vespertinos. Também nestes últimos dias, temos escutado tais
notícias. Estas notícias se sucedem com tal rapidez, que nos fazem esquecer, a
cada noite, as do dia anterior. Por que, então, após 2000 anos, o mundo ainda
recorda, como se tivesse acontecido ontem, a morte de Cristo? É que esta morte
mudou para sempre o rosto da morte; ela deu um novo sentido à morte de cada ser
humano.
Chegando, porém, a
Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados
abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água" (Jo
19, 33-34).
Penetremos
no epicentro da fonte deste “rio de água viva” no coração trespassado de
Cristo. Existe agora, dentro da Trindade e dentro do mundo, um coração humano
que bate, não só metaforicamente, mas realmente. É um coração trespassado, mas
vivente; eternamente trespassado, precisamente porque eternamente vivente.
Há
uma expressão que foi criada justamente para descrever a profundidade da
maldade que pode aglutinar-se no seio da humanidade: “coração de trevas”.
Depois do sacrifício de Cristo, mais profundo do que o coração de trevas,
palpita no mundo um coração de luz. Cristo, de fato, subindo ao céu, não
abandonou a terra, assim como, encarnando-se, não tinha abandonado a Trindade.
A cruz não
"está", portanto, contra o mundo, mas pelo mundo: para dar um sentido
a todo o sofrimento que houve, que há e que haverá na história humana.
"Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo – diz Jesus a
Nicodemos –, mas para que o mundo seja salvo por Ele" (Jo 3, 17). A cruz é
a proclamação viva de que a vitória final não é de quem triunfa sobre os
outros, mas de quem triunfa sobre si mesmo; não daqueles que causam sofrimento,
mas daqueles que sofrem.
Tornaríamos
vã, no entanto, esta liturgia da Paixão, se ficássemos, como os sociólogos, na
análise da sociedade em que vivemos. Cristo não veio para explicar as coisas,
mas para mudar as pessoas. O coração de trevas não é apenas aquele de algum
malvado escondido no fundo da selva, e nem mesmo aquele da nação e da sociedade
que o produziu. Em diferente medida está dentro de cada um de nós.
A Bíblia o chama de
coração de pedra, "Tirarei do vosso peito o coração de pedra – diz Deus ao
profeta Ezequiel – vos darei um coração de carne". Coração de Pedra é o
coração fechado à vontade de Deus e ao sofrimento dos irmãos, o coração de quem
acumula quantidades ilimitadas de dinheiro e permanece indiferente ao desespero
de quem não tem um copo de água para dar ao próprio filho; é também o coração
de quem se deixa completamente dominar pela paixão impura, pronto para matar ou
a levar uma vida dupla. Para não ficarmos com o olhar sempre dirigido para o
exterior, para os demais, digamos mais concretamente: é o nosso coração de
ministros de Deus e de cristãos praticantes se vivemos ainda, basicamente,
“para nós mesmos” e não “para o Senhor”.
O
coração de carne, prometido por Deus nos profetas, já está presente no mundo: é
o Coração de Cristo trespassado na cruz, aquele que veneramos como “o Sagrado
Coração”. Ao receber a Eucaristia, acreditamos firmemente que aquele coração
vem bater também dentro de nós. Olhando para a cruz digamos do profundo do
coração, como o publicano no templo: "Meu Deus, tem piedade de mim,
pecador!”, e também nós, como ele, voltaremos para casa “justificados”.
Padre Raniero Cantalamessa – 14 de abril de 2017
Hoje celebramos:
São João Clímaco
São Leonardo de Murialdo
Beata Restituta Kafka
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