Os santos sempre representam uma provocação ao
conformismo de nossos hábitos, muitas vezes considerados sábios simplesmente
porque são confortáveis. O radicalismo de seu testemunho deve ser um
choque para nossa preguiça e um convite para redescobrir algum valor
esquecido; o valor, por exemplo, da castidade como um corajoso
autocontrole dos instintos e alegre experiência de Deus na clara transparência
do espírito. Esta não é a lição mais atual para os homens hoje?
Papa Paulo VI – Homilia
de Canonização – 03 de outubro de 1976
Beatriz era a oitava
filha de Dom Rui Gomes da Silva, alcaide da vila fronteiriça de Campo Maior, e
de Dona Isabel de Menezes, Condessa de Portalegre, linhagens antiquíssimas
que tinham no Rei Dom Sancho I de Portugal o seu remoto antepassado. Era,
ainda, irmã do frade franciscano Beato Amadeu da Silva.
Seu pai teria dado a
mão da sua filha Isabel ao cavaleiro Rui Gomes da Silva, após este
participar com bravura na tomada de Ceuta, tendo aí permanecido a cumprir o
serviço militar.
Descendente de reis
e neta de senhor tão influente, foi desde cedo preparada para a vida na Corte, tornando-se
dama da infanta Dona Isabel, Rainha de Castela e Leão, filha do infante Dom
João, o penúltimo dos filhos do Rei Dom João I de Portugal, a qual era quatro
anos mais nova que Beatriz.
Beatriz da Silva era uma
jovem de grande beleza, conforme testemunha um relato da época: “além de
vir de sangue real, era mui graciosa donzela e excedia a todas em
formosura e gentileza”.
Em 1447, contava a
infanta Dona Isabel dezenove anos, o seu tio, regente do reino, promoveu os
seus esponsais com João II de Castela, que então se achava viúvo. Uma vez
rainha, Isabel, ambiciosa, começou por afastar a influência de Dom Álvaro de
Luna, e não tardou a criar intrigas na corte, algumas das quais envolvendo a
jovem Beatriz, cuja beleza não passara despercebida.
Embora fosse prima e
confidente da rainha, tal não impediu que Isabel se enciumasse dela, maquinando
contra a sua própria vida.
Boatos maldosos
lançavam dúvida sobre a virtude de Beatriz, pois o rei Dom João II, homem
de caráter tímido e inseguro, procurava alento para governar seu reino nas
conversas elevadas que com ela mantinha. Surgiram, então, na rainha
Isabel, ideias fantasiosas acerca da fidelidade conjugal do seu esposo.
Tomada de profundo
ódio, ela procurou de todas as formas maltratar Beatriz. Além de repreendê-la
severamente em público, isolava- a do conjunto das damas nobres e tratava-a com
desprezo por meio de palavras ásperas e cortantes. Embora a santa suportasse todas
essas humilhações com exemplar humildade e redobrasse suas manifestações de
amor e fidelidade para com a rainha, esta decidiu de uma vez por todas
livrar-se dela.
Assim, teria fechado
Beatriz num estreito baú, onde eventualmente a falta de oxigênio acabaria
por matá-la.
A nobre dama viu-se
sem qualquer possibilidade de salvação. Morreria sem os Sacramentos, sem
receber auxílio de ninguém, numa agonia lenta e pavorosa. Começava já sentir
falta de ar. Só os Céus poderiam ajudá-la. Confiante, dirigiu-se a Nossa
Senhora:
– Ó Maria
Imaculada, valei-me! – Nesse instante, mais resplandecente que o
Sol, apareceu-lhe Nossa Senhora vestida de branco, com um manto azul, e tendo
nos braços o Menino Jesus.
– Filha, não
morrerás. Conservo-te a vida para realizares o que tanto tens desejado.
Fundarás uma grande ordem religiosa com o título da Imaculada Conceição; suas
filhas vestirão um hábito semelhante às minhas vestes e se dedicarão a servir a
Deus, em união comigo.
Arrebatada por tal
visão, Beatriz permaneceu três dias no cofre, cheia de consolação e alegria,
sem sentir passar o tempo.
Durante três dias
andou desaparecida, até que o seu tio, Dom João de Menezes, que também se
achava na corte, estranhando a sua ausência, teria questionado a rainha sobre o
paradeiro da sobrinha, que o conduziu ao baú onde a encarcerara, certa de
encontrar já um cadáver.
Para seu grande
espanto, Beatriz tinha sobrevivido.
Beatriz acabou por perdoar à rainha, que se
arrependera, e partiu para o Mosteiro de São Domingos, em Toledo. Sua
meta agora era preparar-se no silêncio e na oração, para a grande missão que
Nossa Senhora lhe dera.
Quando Santa Beatriz chegou ao Mosteiro de São
Domingos, cobriu seu rosto com um véu a fim de que ninguém mais se perdesse por
causa de sua beleza.
Não foi fácil criar a Ordem, mas em 1489, a
pedido de Beatriz e da rainha Isabel a católica, o Papa Inocêncio VIII
autorizou a fundação do novo mosteiro e aprovou as principais regras.
Entretanto, antes que começasse a vida regular no novo mosteiro, Beatriz
faleceu em 1492.
Essa Ordem está caracterizada por três heranças
espirituais de Santa Beatriz: o amor à Maria Imaculada, a Paixão de Jesus
Cristo e a Santíssima Eucaristia.
No leito de morte, quando lhe foi ministrada a
santa Unção, descobriram seu rosto e, para grande surpresa, constatou-se que
ela, embora tivesse mais de 60 anos de idade, tinha conservado a mesma
fisionomia de jovem. Deus quis, por esse milagre, mostrar como Lhe era
agradável a ilibada pureza de Santa Beatriz.
Cedo ganhou fama de santa, sendo cultuada pelo
povo mesmo antes ainda de a Santa Sé a santificar. De fato, a Igreja Católica
só a elevou aos altares já no século XX, quando o Papa Pio XI, em 28 de julho
de 1926, lhe reconhece o título de beata e aprova enfim o culto que já lhe era
devido, desde há muito, pelos leigos. Por fim, em 3 de outubro de 1976, o Papa
Paulo VI canonizou-a, declarando-a santa.
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