Já o meu antecessor, Bento XVI, denunciava
a devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana das suas
populações. Desejo acrescentar que muitos dramas tiveram a ver com uma falsa mística
amazônica: é sabido que, desde os últimos decênios do século passado, a Amazônia
tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser preenchido, como uma
riqueza em estado bruto que se deve aprimorar, como uma vastidão selvagem que
precisa de ser domada. E, tudo isto, numa perspectiva que não reconhece os
direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não existissem e
como se as terras onde habitam não lhes pertencessem. Nos próprios programas
educacionais de crianças e jovens, os indígenas apareciam como intrusos ou
usurpadores. As suas vidas e preocupações, a sua maneira de lutar e sobreviver
não interessavam, considerando-os mais como um obstáculo de que temos de nos livrar
do que como seres humanos com a mesma dignidade que qualquer outro e com
direitos adquiridos.
Para aumentar esta confusão, contribuíram
alguns slogans, nomeadamente o de não entregar, como se a citada
sujeição fosse provocada apenas por países estrangeiros, quando os próprios
poderes locais, com a desculpa do progresso, fizeram parte de alianças com o
objetivo de devastar, de maneira impune e indiscriminada, a floresta com as
formas de vida que abriga. Os povos nativos viram muitas vezes, impotentes, a
destruição do ambiente natural que lhes permitia alimentar-se, curar-se,
sobreviver e conservar um estilo de vida e uma cultura que lhes dava identidade
e sentido. A disparidade de poder é enorme, os fracos não têm recursos para se
defender, enquanto o vencedor continua a levar tudo, os povos pobres ficam
sempre pobres e os ricos tornam-se cada vez mais ricos.
Às operações econômicas, nacionais ou
internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos
nativos ao território e sua demarcação, à autodeterminação e ao consentimento
prévio, há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime.
Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos terrenos,
chegando a privatizar a própria água potável, ou quando as autoridades deixam
mão livre a madeireiros, a projetos minerários ou petrolíferos e outras
atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se
indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata. É
usual lançar mão de recursos desprovidos de qualquer ética, como penalizar os
protestos e mesmo tirar a vida aos indígenas que se oponham aos projetos,
provocar intencionalmente incêndios florestais, ou subornar políticos e os
próprios nativos. A acompanhar tudo isto, temos graves violações dos direitos
humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do
narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se
aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural. Não podemos
permitir que a globalização se transforme num novo tipo de colonialismo.
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