É significativo
que a Beatificação do Padre
Salvador Lilli, missionário franciscano da Custódia da Terra Santa
e pároco de Mujuk-Deresi, se realize precisamente na vigília da Festa de São
Francisco de Assis.
No sétimo
centenário da morte do Santo de Assis, em 1926, o meu Predecessor Pio XI quis
sublinhar a união que liga o Seráfico São Francisco à terra de Jesus,
beatificando oito franciscanos da Custódia, mortos em Damasco em 1860. Hoje, no
oitavo centenário do nascimento de São Francisco, um outro seu filho, também
ele empenhado pastoralmente na terra do Oriente, é elevado às honras dos
altares, juntamente com sete seus paroquianos mártires.
A cronologia do
Beato Salvador é simples, mas rica de fatos que atestam o seu grande amor a
Deus e aos irmãos; ela culmina com o martírio que vem coroar uma vida de
fidelidade à vocação franciscana e missionária. Dos sete Companheiros no
martírio conhecemos os nomes, as famílias e o ambiente de vida: eram humildes
camponeses e fervorosos cristãos, provenientes de uma estirpe que através dos
séculos conservara Integra a própria fidelidade a Deus e à Igreja, não obstante
momentos difíceis e às vezes também dramáticos.
Entre aquela gente
humilde inseriu-se o jovem missionário com dedicação total, realizando em breve
tempo quanto podia parecer impensável aos outros. Fundou três novas aldeias
para reunir os núcleos familiares dispersos, com o objetivo de melhor
protegê-los e instruí-los; providenciou à aquisição de um vasto terreno para
dar trabalho e pão a quem sentia privação deles, e promoveu com tenacidade a
instrução dos jovens. Sobretudo imprimiu um ritmo mais intenso à vida religiosa
dos seus paroquianos, que se sentiam atraídos pelo seu exemplo, pela sua
piedade e generosidade; os seus preferidos eram os doentes, os pobres, as
crianças.
Sábio conselheiro e
zeloso promotor de obras sociais, era aberto a todos: católicos, ortodoxos,
maometanos e a todos sabia oferecer, com o sorriso, o seu serviço; por isto era
particularmente amado pelos seus fiéis, estimado e respeitado pelos outros.
Depois, durante o
alastrar-se da cólera, o seu apostolado iluminou-se de caridade heroica: foi ao
mesmo tempo sacerdote e médico. Não temendo o contágio, passava de casa em casa
para assistir moral e materialmente os doentes. Nesta circunstância escreveu à
irmã, religiosa trinitária: "Sentia-me com uma tal coragem que ir
para junto do doente de cólera, socorrê-lo, administrar-lhe remédios, etc., me
pareciam coisas ordinárias". E indicava a clara motivação: o
sacerdote cheio de fé em Deus não teme os perigos e "corre para consolar o
mísero irmão que tantas vezes se encontra abandonado também pelos seus mais
caros".
Quando se
manifestaram com violência os sinais prenunciadores da tormenta que se
aproximava ameaçadora, os confrades exortaram o Padre Salvador a refugiar-se em
lugares mais seguros. Os próprios habitantes da região, preocupados pela vida
do seu Padre, insistiram para que ele se colocasse a salvo. A resposta do Padre
Lilli foi calma e decidida: "Não posso abandonar as minhas
ovelhas; prefiro morrer com elas, se for necessário"; e permaneceu
no posto missionário.
A 19 de Novembro de
1895, os militares entraram na casa paroquial e o comandante apresentou logo a
alternativa: renegar a Cristo ou morrer. Clara e firme foi a resposta do
sacerdote que teve por isto de sofrer uma primeira explosão de violência:
alguns golpes de baioneta que lhe causaram o derramamento de sangue.
Três dias depois, o
Religioso e sete dos seus paroquianos foram levados pela tropa: caminharam duas
horas; junto de uma torrente receberam ordem de parar e o coronel propôs-lhes
pela última vez a escolha entre a abjuração e a morte: "Não reconheço outro senão
Cristo", disse o Padre. Não menos nobre foi a resposta dos outros
Mártires: "Matai-nos, mas não renegaremos a nossa religião".
Em primeiro lugar
foi morto o Beato Salvador, trespassado pelas baionetas dos soldados; logo
depois, os outros sete sofreram a mesma sorte.
Este missionário
franciscano e os seus sete fiéis falam com incisiva eloquência ao mundo de
hoje: eles são para todos nós salutar apelo à substância do cristianismo.
Quando as circunstâncias da vida nos colocam diante das opções fundamentais,
entre valores terrenos e valores eternos, os oito Beatos Mártires ensinam-nos
com se vive o Evangelho, também nas contingências mais difíceis.
O reconhecimento de
Jesus Cristo como Mestre e Redentor implica a plena aceitação de todas as
consequências que na vida derivam deste ato de fé. Os Mártires, elevados hoje
às honras dos altares, hão de ser honrados com a imitação do seu exemplo de
fortaleza e de amor a Cristo. O testemunho deles e a graça que os assistiu são
para nós motivo de coragem e de esperança: asseguram-nos que é possível, diante
das mais árduas dificuldades, seguir a lei de Deus e superar os obstáculos
encontrados no vivê-la e pô-la em prática.
Os nossos Beatos
Mártires viveram em primeira pessoa as palavras dirigidas por Jesus aos seus
discípulos: "Todo aquele que se declarar por Mim diante dos homens, também Me
declararei por ele diante do Meu Pai que está nos Céus" (Mt 10, 32); o Beato
Salvador e os seus companheiros sofreram a morte para dar o seu heroico
testemunho a Cristo perante o mundo: o Senhor declarou-se por eles diante do
Pai com a vida eterna.
Papa
João Paulo II – Homilia de Beatificação – 03 de outubro de 1982
Salvador Lilli nasceu
na Capadócia, na província de Áquila, foi o sexto e último filho de uma família
de boa prática religiosa e boa situação econômica, devido à atividade comercial
do pai. O ambiente familiar profundamente cristão fez germinar e crescer no
menino Salvador sentimentos de fé e piedade, e ao mesmo tempo as possibilidades
econômicas permitiram-lhe uma preparação e instrução escolar fora do comum.
Aos 18 anos,
Salvador apresentou-se ao guardião do convento de São Francisco da Ripa, em
Roma, pedindo para ser admitido na ordem dos frades menores. Em 1863 resolveu
ir como missionário para a Terra Santa, onde desde os tempos de São Francisco
os franciscanos são encarregados de cuidar de santuários e assistir a
peregrinos. Continuou na Palestina os estudos de filosofia e teologia, primeiro
em Belém e a seguir em Jerusalém, onde foi ordenado sacerdote em 1879. No ano
seguinte foi à Turquia; como conhecia diversas línguas orientais, a árabe, a
turca e a armênia, desenvolveu um frutuoso apostolado entre os cristãos dessas
regiões, sobretudo em Marasc.
Em 1885 voltou à
Itália para visitar a família e os confrades, e logo no ano seguinte regressou
a Marasc, onde, como superior da missão no quadriênio de 1890-1894 realizou
importantes obras de caridade e de assistência social em favor dos fiéis.
Ajudado por outros
confrades, durante 15 anos a sua ação apostólica não se limitou a atividades
religiosas, mas também fomentou a instrução e a promoção social dos pobres.
Graças aos seus extraordinários dotes de inteligência e de coração e ao
perfeito conhecimento da língua turca, tanto falada como literária, depressa e sem
dificuldade granjeou o afeto dos cristãos e a estima e o respeito dos não
cristãos, inclusivamente das autoridades, devido sobretudo aos empreendimentos
de ordem social, como o de ter adquirido uma grande propriedade e a ter dotado
de alfaias agrícolas e ter aberto um dispensário.
Em 1885 os
mulçumanos desencadearam uma perseguição armada, sistemática e feroz contra a
minoria armênia da região. Frei Salvador, que havia dezesseis meses era pároco,
além de superior da fraternidade, recusou fazer-se muçulmano. Ferido numa
perna, e depois feito prisioneiro com dez dos seus paroquianos, foi assediado
pelos maometanos, com subornos e com ameaças, no intuito de o fazerem
apostatar. Mas manteve-se sempre firme e inquebrantável; e apesar da ferida da
perna, que provocava grande perda de sangue, ainda confortava e animava os
outros, dizendo-lhes: “Meus filhos, sede fortes na fé, não vos
façais muçulmanos. O sofrimento passa depressa, e no céu está à nossa espera
Jesus com todos os seus santos. Coragem! Depois do martírio espera-nos a coroa
de glória no paraíso”.
No dia 22 de
novembro de 1895, junto com sete cristãos armênios seus paroquianos, foi
imolado a golpes de baioneta. No dia 3 de outubro de 1982, o papa João Paulo II
proclamava Beatos Salvador Lilli e os sete cristãos seus companheiros no
martírio pela fé em Cristo.
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