segunda-feira, 23 de abril de 2018

23 de abril - Beata Maria Gabriella Sagheddu


Nesta atmosfera de caridade ecumênica encontra perfeita colocação a breve mas tão rica história da Beata Maria Gabriella da Unidade, que intencionalmente quis elevar às honras dos altares nesta data e neste templo. A sua vida, mediante a vocação trapista antes, e mediante a oferta da vida pela unidade dos cristãos depois, foi toda ela marcada por estes mesmos três valores essenciais: conversão, imolação pelos irmãos, oração.

É-me grato ressaltar, e indicar de modo particular aos jovens, tão apaixonados por espírito de competição e por desporto, que a jovem religiosa trapista, a quem hoje tributamos pela primeira vez o título de Beata, soube fazer próprias as exortações do Apóstolo aos fiéis de Corinto (1 Cor. 9, 24) a "correr no estádio para ganhar o prêmio", conseguindo no decurso de poucos anos colecionar — no estádio da santidade — uma série de primados, a ponto de fazer inveja aos mais qualificados campeões. De fato, historicamente ela é a primeira Beata que sai das fileiras da Juventude Feminina da Ação Católica; a primeira de entre as jovens e os rapazes da Sardenha; a primeira de entre as monjas e os monges trapistas; a primeira de entre os que trabalham ao serviço da unidade. Quatro primados semeados no treinamento daquela "escola do serviço divino" proposta pelo grande Patriarca São Bento, que sem dúvida é válida ainda hoje após 15 séculos, se for capaz de suscitar tais exemplos de virtude em quem souber acolhê-la e colocá-la em prática "com intenção de amor".

De fato, é precisamente nesta fidelidade à escuta que a jovem Maria Sagheddu — por natureza gênio forte e irritante, como é descrito pelas testemunhas e até pela sua santa mãe — conseguiu realizar aquela "conversão do coração", que São Bento pede aos seus filhos. Conversão do coração que é verdadeira e primeira fonte de unidade.

Desde o momento em que a jovenzinha obstinada e impetuosa, após o contato com a cruz de Cristo mediante a morte da sua irmã predileta, decidiu entregar-se a Ele, recorreu dócil e humilde à guia de um pai espiritual, e aceitou inserir-se na vida da paróquia, inscrevendo-se na Juventude Feminina da Ação Católica, dedicando-se à catequese dos mais pequeninos, tornando-se serviçal para com os anciãos, passando horas em oração; a partir daquele momento é que teve início aquela "conversão" que a acompanhou todos os dias, até acolher o chamamento vocacional, e deixar atrás de si — com apenas 21 anos — a terra amada e as queridas pessoas da sua Sardenha, para se apresentar, solícita à voz do Esposo divino, às portas da Trapa.

É precisamente esta sua conversão a Deus, esta sua precisão de unidade no amor, que constitui a premissa e o terreno fértil em que o Senhor fará descer, no momento aprazado, o chamamento ao dom total pelos irmãos.

A sua oferta da vida pela unidade, que o Senhor lhe inspirou durante a semana de orações nestes mesmos dias de 1938 — há quarenta e cinco anos — e que Ele mostrou apreciar como fragrante holocausto de amor, não é o início, mas a plena realização da corrida espiritual da jovem atleta. Da alcançada união com a Voz de Deus, nasce a moção do Espírito a abrir-se aos irmãos.

É a descoberta do Vertical, do Absoluto de Deus, que dá sentido e eficaz urgência à abertura horizontal aos problemas do mundo. Há aqui um apelo, precioso hoje mais do que nunca, contra a fácil tentação de um horizontalismo cristão que prescinda da busca do Vértice; de um psicologismo que ignore a misteriosa presença e a imprevisível ação da Graça; de um ativismo que parta e se conclua só a nível e em perspectiva terrenos; de uma fraternidade que renuncie a ser iluminada por uma comum paternidade divina.

É destas premissas que o gesto heroico da Irmã Maria Gabriella se eleva às alturas de grande acontecimento eclesial. Precisamente porque nasce de uma sublime conversão voltada para o Pai, a sua abertura aos irmãos a torna semelhante ao Cristo crucificado, atinge valor histórico, assume importância ecuménica.

Isto nos induz não só a admirar e venerar, mas a refletir, a imitar, a aprofundar, a sofrer e sobretudo a orar, a fim de enraizar cada vez mais em Cristo o nosso caminho de conversão.
Assim a Beata Maria Gabriella Sagheddu, que de maneira graciosa une ao nome do Anjo da anunciação o da Virgem da escuta, torna-se sinal dos tempos e modelo daquele "Ecumenismo espiritual", recordado pelo Concilio. Oxalá Ela nos encoraje a voltar o nosso olhar — para além e acima das inevitáveis dificuldades próprias do nosso ser humano — para as maravilhosas perspectivas da unidade eclesial, cujo progressivo afirmar-se está ligado ao cada vez mais profundo desejo de nos convertermos a Cristo, para tornar operante e eficaz o seu anseio: Ut omnes unum sint!

Sim, ó Senhor, que todos se aprestem a ser um só. Juntamente conosco, vo-lo pede a nova Beata, que na chama deste vosso anseio consumiu em alegre oblação a própria jovem existência.

Papa João Paulo II – Homilia de Beatificação – 25 de janeiro de 1983

Maria Sagheddu nasceu em Dorgali, na Sardenha, de uma família de pastores, em 1914 e as testemunhas de sua infância e adolescência falam-nos de um carácter teimoso, crítico, contestador, rebelde, mas também com forte senso do dever, de fidelidade e de obediência.

Pouco a pouco, tornou-se dócil e desapareceram os impulsos de ira; assumiu um perfil reflexivo e austero, dócil e reservado; aumentou o seu espírito de oração e de caridade; adquiriu uma nova sensibilidade eclesial e apostólica; entrou para a Ação Católica.

Surgiu nela a radicalidade da "escuta" que se abandona totalmente à vontade Deus. Aos vinte e um anos decidiu consagrar-se a Deus e, seguindo as indicações do seu diretor espiritual, entrou no Mosteiro de Grottaferrata.

Sua vida caracteriza-se por poucos elementos essenciais:

O primeiro e mais visível é a gratidão pela misericórdia de Deus que a escolhera para Si. Encontrava prazer em comparar-se ao filho pródigo, e só sabia dizer "obrigada" pela vocação monástica, pela casa, pelas superioras, pelas irmãs, por tudo. "Como é bom o Senhor" era a sua contínua exclamação. Esta gratidão acompanhou-a também nos momentos supremos da sua doença e agonia;

O segundo elemento é o desejo de corresponder com todas as suas forças à graça: que nela se cumprisse o que o Senhor iniciara; que se fizesse a vontade de Deus, pois nela se encontra a paz.

Depois da profissão religiosa, assumiu uma atitude de abandono tranquilo, que a levou ao sacrifício total de si mesma: "Agora faz Tu", dizia simplesmente. A sua breve vida claustral (três anos e meio) consumou-se como uma Eucaristia, no empenho quotidiano de negar totalmente a si mesma para seguir a Cristo, obediente ao Pai até à morte.

Gabriela via na missão do sacrifício o sentido da sua vida. "A glória de Deus não consiste em fazer grandes coisas, mas no sacrifício total do próprio eu", escreveu numa carta.

Com a profissão religiosa, cresceu nela a experiência da pequenez: "a minha vida não vale nada... posso oferecê-la tranquilamente".

A sua abadessa, Madre Maria Gullini, tinha uma grande sensibilidade e um grande amor pela causa ecumênica, que soube comunicar também à sua comunidade.

Quando a Madre Pia, solicitada pelo Padre Couturier, apresentou à comunidade o pedido de orações e de oferecimentos pela grande causa da Unidade dos Cristãos, a Irmã Maria Gabriella sentiu-se logo comprometida e chamada a oferecer a sua jovem vida: "Sinto que o Senhor me pede" — confessa à Abadessa. "Sinto-me chamada mesmo quando não o quero pensar".

Foi através de um caminho rápido e direito — entregue totalmente à obediência, consciente de sua fragilidade, e tendo como único desejo "a vontade de Deus e a Sua glória"— que Gabriela alcançou aquela liberdade que a impelia conformar-se com Jesus, que "tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até à consumação". Perante a "laceração" do Corpo de Cristo, sentia a necessidade de oferecer-se até à consumação. A tuberculose manifestou-se no físico da jovem irmã, até então muito sadio, a partir do mesmo dia da sua oferta, levando-a à morte no espaço de quinze meses de sofrimento.

Na tarde do dia 23 de abril de 1939, concluiu a sua longa agonia, totalmente abandonada à vontade de Deus, enquanto os sinos tocavam sem parar, no fim das vésperas do Domingo do Bom Pastor, no qual o evangelho proclamava: "Haverá um só rebanho e um só Pastor".

Foi beatificada por João Paulo II a 25 de janeiro de 1983, quarenta e quatro anos depois da sua morte, na Basílica de São Paulo, no dia da Festa da Conversão do Apóstolo e da conclusão da Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos.

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