Nesta atmosfera de caridade
ecumênica encontra perfeita colocação a breve mas tão rica história da Beata
Maria Gabriella da Unidade, que intencionalmente quis elevar às honras dos
altares nesta data e neste templo. A sua vida, mediante a vocação trapista
antes, e mediante a oferta da vida pela unidade dos cristãos depois, foi toda
ela marcada por estes mesmos três valores essenciais: conversão, imolação pelos
irmãos, oração.
É-me grato ressaltar, e indicar de modo particular aos jovens, tão
apaixonados por espírito de competição e por desporto, que a jovem religiosa
trapista, a quem hoje tributamos pela primeira vez o título de Beata, soube
fazer próprias as exortações do Apóstolo aos fiéis de Corinto (1 Cor. 9,
24) a "correr no estádio para ganhar o prêmio", conseguindo no
decurso de poucos anos colecionar — no estádio da santidade — uma série de
primados, a ponto de fazer inveja aos mais qualificados campeões. De fato,
historicamente ela é a primeira Beata que sai das fileiras da Juventude
Feminina da Ação Católica; a primeira de entre as jovens e os rapazes da
Sardenha; a primeira de entre as monjas e os monges trapistas; a primeira de
entre os que trabalham ao serviço da unidade. Quatro primados semeados no
treinamento daquela "escola do serviço divino" proposta pelo grande
Patriarca São Bento, que sem dúvida é válida ainda hoje após 15 séculos, se for
capaz de suscitar tais exemplos de virtude em quem souber acolhê-la e colocá-la
em prática "com intenção de amor".
De fato, é precisamente nesta fidelidade à escuta que a jovem Maria Sagheddu
— por natureza gênio forte e irritante, como é descrito pelas testemunhas e até
pela sua santa mãe — conseguiu realizar aquela "conversão do
coração", que São Bento pede aos seus filhos. Conversão do coração que é
verdadeira e primeira fonte de unidade.
Desde o momento em que a jovenzinha obstinada e impetuosa, após o contato
com a cruz de Cristo mediante a morte da sua irmã predileta, decidiu
entregar-se a Ele, recorreu dócil e humilde à guia de um pai espiritual, e
aceitou inserir-se na vida da paróquia, inscrevendo-se na Juventude Feminina da
Ação Católica, dedicando-se à catequese dos mais pequeninos, tornando-se
serviçal para com os anciãos, passando horas em oração; a partir daquele
momento é que teve início aquela "conversão" que a acompanhou todos
os dias, até acolher o chamamento vocacional, e deixar atrás de si — com apenas
21 anos — a terra amada e as queridas pessoas da sua Sardenha, para se
apresentar, solícita à voz do Esposo divino, às portas da Trapa.
É precisamente esta sua conversão a Deus, esta sua precisão de unidade no
amor, que constitui a premissa e o terreno fértil em que o Senhor fará descer,
no momento aprazado, o chamamento ao dom total pelos irmãos.
A sua oferta da vida pela unidade, que o Senhor lhe inspirou durante a
semana de orações nestes mesmos dias de 1938 — há quarenta e cinco anos — e que
Ele mostrou apreciar como fragrante holocausto de amor, não é o início, mas a
plena realização da corrida espiritual da jovem atleta. Da alcançada união com
a Voz de Deus, nasce a moção do Espírito a abrir-se aos irmãos.
É a descoberta do Vertical, do Absoluto de Deus, que dá sentido e eficaz
urgência à abertura horizontal aos problemas do mundo. Há aqui um apelo,
precioso hoje mais do que nunca, contra a fácil tentação de um horizontalismo
cristão que prescinda da busca do Vértice; de um psicologismo que ignore a
misteriosa presença e a imprevisível ação da Graça; de um ativismo que parta e
se conclua só a nível e em perspectiva terrenos; de uma fraternidade que
renuncie a ser iluminada por uma comum paternidade divina.
É destas premissas que o gesto heroico da Irmã Maria Gabriella se eleva às
alturas de grande acontecimento eclesial. Precisamente porque nasce de uma
sublime conversão voltada para o Pai, a sua abertura aos irmãos a torna
semelhante ao Cristo crucificado, atinge valor histórico, assume importância
ecuménica.
Isto nos induz não só a admirar e venerar, mas a refletir, a imitar, a
aprofundar, a sofrer e sobretudo a orar, a fim de enraizar cada vez mais em
Cristo o nosso caminho de conversão.
Assim a Beata Maria Gabriella Sagheddu, que de maneira graciosa une ao nome
do Anjo da anunciação o da Virgem da escuta, torna-se sinal dos tempos e modelo
daquele "Ecumenismo espiritual", recordado pelo Concilio. Oxalá Ela
nos encoraje a voltar o nosso olhar — para além e acima das inevitáveis
dificuldades próprias do nosso ser humano — para as maravilhosas perspectivas
da unidade eclesial, cujo progressivo afirmar-se está ligado ao cada vez mais
profundo desejo de nos convertermos a Cristo, para tornar operante e eficaz o
seu anseio: Ut omnes unum sint!
Sim, ó Senhor, que todos se aprestem a ser um só. Juntamente conosco,
vo-lo pede a nova Beata, que na chama deste vosso anseio consumiu em alegre
oblação a própria jovem existência.
Papa João Paulo II –
Homilia de Beatificação – 25 de janeiro de 1983
Maria Sagheddu nasceu em Dorgali, na Sardenha, de uma
família de pastores, em 1914 e as testemunhas de sua infância e adolescência
falam-nos de um carácter teimoso, crítico, contestador, rebelde, mas também com
forte senso do dever, de fidelidade e de obediência.
Pouco a pouco, tornou-se dócil e desapareceram os
impulsos de ira; assumiu um perfil reflexivo e austero, dócil e reservado;
aumentou o seu espírito de oração e de caridade; adquiriu uma nova
sensibilidade eclesial e apostólica; entrou para a Ação Católica.
Surgiu nela a radicalidade da "escuta" que se
abandona totalmente à vontade Deus. Aos vinte e um anos decidiu consagrar-se a
Deus e, seguindo as indicações do seu diretor espiritual, entrou no Mosteiro de
Grottaferrata.
Sua vida caracteriza-se por poucos elementos essenciais:
O primeiro e mais visível é a gratidão pela misericórdia de Deus que a escolhera para Si.
Encontrava prazer em comparar-se ao filho pródigo, e só sabia dizer "obrigada" pela vocação
monástica, pela casa, pelas superioras, pelas irmãs, por tudo. "Como é bom o Senhor" era a
sua contínua exclamação. Esta gratidão acompanhou-a também nos momentos
supremos da sua doença e agonia;
O segundo elemento é o desejo de corresponder com todas as suas forças à graça: que nela
se cumprisse o que o Senhor iniciara; que se fizesse a vontade de Deus, pois
nela se encontra a paz.
Depois da profissão religiosa, assumiu uma atitude de
abandono tranquilo, que a levou ao sacrifício total de si mesma: "Agora faz Tu", dizia
simplesmente. A sua breve vida claustral (três anos e meio) consumou-se como
uma Eucaristia, no empenho quotidiano de negar totalmente a si mesma para
seguir a Cristo, obediente ao Pai até à morte.
Gabriela via na missão do sacrifício o sentido da sua
vida. "A glória de Deus não
consiste em fazer grandes coisas, mas no sacrifício total do próprio eu",
escreveu numa carta.
Com a profissão religiosa, cresceu nela a experiência da
pequenez: "a minha vida não
vale nada... posso oferecê-la tranquilamente".
A sua abadessa, Madre Maria Gullini, tinha uma grande
sensibilidade e um grande amor pela causa ecumênica, que soube comunicar também
à sua comunidade.
Quando a Madre Pia, solicitada pelo Padre Couturier,
apresentou à comunidade o pedido de orações e de oferecimentos pela grande
causa da Unidade dos Cristãos, a Irmã Maria Gabriella sentiu-se logo
comprometida e chamada a oferecer a sua jovem vida: "Sinto que o Senhor me pede" — confessa à Abadessa. "Sinto-me chamada mesmo quando não o
quero pensar".
Foi através de um caminho rápido e direito — entregue
totalmente à obediência, consciente de sua fragilidade, e tendo como único
desejo "a vontade de Deus e a
Sua glória"— que Gabriela alcançou aquela liberdade que a impelia
conformar-se com Jesus, que "tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até à consumação". Perante a "laceração" do Corpo de
Cristo, sentia a necessidade de oferecer-se até à consumação. A
tuberculose manifestou-se no físico da jovem irmã, até então muito sadio, a
partir do mesmo dia da sua oferta, levando-a à morte no espaço de quinze
meses de sofrimento.
Na tarde do dia 23 de abril de 1939, concluiu a sua longa
agonia, totalmente abandonada à vontade de Deus, enquanto os sinos tocavam sem
parar, no fim das vésperas do Domingo do Bom Pastor, no qual o evangelho
proclamava: "Haverá um só
rebanho e um só Pastor".
Foi beatificada por João Paulo II a 25 de janeiro de
1983, quarenta e quatro anos depois da sua morte, na Basílica de São Paulo, no
dia da Festa da Conversão do Apóstolo e da conclusão da Semana de Orações pela
Unidade dos Cristãos.
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