Gabriel de Nossa Senhora das
Dores, a quem Leão XIII chamava o novo São Luiz Gonzaga, nasceu em Assis em
1838, e no mesmo dia recebeu o batismo, na mesma pia, em que foi batizado São
Francisco de Assis.
Seu pai era governador da
cidade de Urbânia, e como um dos
magistrados dos Estados Pontifícios, gozava de grande estima do Papa Pio IX e
Leão XIII honrava-o com sua sincera amizade. A mãe era de nobre família.
Eram esposos cristãos,
vivendo no santo temor de Deus, unidos no vínculo de respeito e amor
fidelíssimo. Deus abençoou esta santa união com treze filhos, dos quais Gabriel
era o undécimo. Este, no batismo recebeu nome de Francisco, em
homenagem a seu avô e ao Seráfico de Assis.
Dando testemunho da educação
que recebiam na família, no Processo da beatificação do Servo de Deus, os seus
irmãos declararam: “Nós fomos educados com o máximo cuidado, no que diz
respeito à piedade e à instrução. Nossa mãe era piedosíssima e nos educou
segundo as máximas da nossa santa Religião”.
Nos braços, sobre os joelhos
de uma mãe profundamente religiosa o pequeno Francisco aprendeu os rudimentos
da vida cristã e pronunciar os santos nomes de Jesus e Maria.
A morte prematura da mãe
trouxe grande tristeza. D. Inês sentindo a última hora se aproximar, reuniu
todos os filhos à cabeceira do leito, estreitou-os, um por um, ao seu coração,
selou a sua fronte com o último beijo, deu-lhes a bênção, distinguindo com mais
carinho os de tenra idade, entre estes, Francisco; munida de todos os
sacramentos, confortada pela graça de Deus, na idade de 38 anos deixou este
mundo.
Do pai, o próprio filho
Francisco ao seu diretor espiritual deu o seguinte testemunho: Meu pai,
tinha por costume levantar-se bem cedo. Dedicava uma hora à oração e meditação;
se neste tempo alguém desejava falar-lhe, havia de esperar pelo fim das
práticas religiosas. Terminadas estas, ia à igreja assistir a santa Missa e costumava
levar consigo dos filhos os que não fossem impedidos. Finda a santa Missa
metia-se ao trabalho. À noite reunia seus filhos e dava-lhes sábios conselhos e
úteis exortações. Falava-lhes dos deveres para com Deus, do respeito devido à
autoridade paternal e do perigo das más companhias. “Os maus companheiros,
dizia ele, são os assassinos da juventude, os satélites de Lúcifer, traidores
escondidos e por isso para os temer e deles ter cuidado”.
Os biógrafos de Francisco
fazem ressaltar em primeiro lugar a extraordinária bondade de coração do
menino, principalmente para com os pobres. Muitas vezes ficou ele sem a
merenda, por tê-la dado aos pobres. Entre seus irmãos era ele o anjo da paz,
sempre pronto para desculpar e para defendê-los, quando acusados injustamente.
Não suportava a injúria, fosse ela atirada a si ou a um dos seus. Com a maior
facilidade se desfazia de objetos de certo valor, que recebia de presente.
Assim presenteou a um de seus irmãos de uma bela corrente de prata, que tinha
recebido de um parente. Estes belos traços no caráter de Francisco não afastam
certas sombras que nele subsistiam também. Os que o conheciam meigo, bondoso,
compassivo, sabiam-no também ser nervoso, impaciente, irascível.
Francisco era obediente e
tinha grande respeito ao pai, o que aliás não impedia que diante de uma severa
repreensão desse largas ao seu gênio impulsivo, com palavras e gestos
demonstrando o seu descontentamento, sua raiva. Mas logo voltava às boas; sua
boa índole não permitia, que estas revoltas interiores durassem muito tempo.
Era encantador ver, momentos depois, o menino desfeito em pranto, procurar o
pai e por seus modos ingênuos e infantis, assegurar-se do perdão e do amor do
dele. Este, fingindo não dar crédito a estas demonstrações, retrucava
bruscamente: “Nada de carícias; quero ver fatos”. Então o menino se
atirava ao colo do pai, beijava-o e sentia-se feliz, em ter voltado a paz, com
o perdão paterno. Nesta escola de sábia pedagogia Francisco cedo aprendeu
combater e vencer seus defeitos.
Por algum tempo Francisco
ficou entregue aos cuidados de um mestre; depois freqüentou o colégio dos
Irmãos das Escolas Cristãs, onde fez rápidos progressos, figurando sempre entre
os melhores alunos. Na idade de sete anos fez a sua primeira confissão.
Um ano depois, em junho de
1846 recebeu o sacramento da confirmação. Tudo isto prova que o menino já se
achava bem instruído nas verdades da nossa fé.
Nesse mesmo tempo caiu
também a data da sua primeira comunhão, para qual se preparou com todo o
esmero. Esses sentimentos de fé e de piedade, aquelas chamas de amor ao
Santíssimo Sacramento não mais se separaram do coração de Francisco nos anos de
sua mocidade, nem no meio de uma vida dissipada de certo modo mundana. Não
menos certo é que a freqüente recepção da santa comunhão preservou-o de graves
desvios no meio das tentações do mundo.
Terminados os estudos
elementares, o pai pensou em procurar para Francisco uma educação mais elevada,
de acordo com a sua posição social e confiou seu filho aos Padres Jesuítas que
na cidade de Spoleto dirigiram um colégio. Mestres e colegas igualmente o
estimavam. Tudo nele encantava: os seus modos delicados e gentis, a modéstia no
falar, o sorriso benévolo que lhe afloravam aos lábios, o garbo com que se sabia
ver em circunstâncias mais solenes, os sentimentos nobres que dominam em todo o
seu proceder.
Desde a sua infância mostrou
devoção particular a Nossa Senhora das Dores, uma imagem da qual se conservava
em sua família; e cabia-lhe a ele adorná-la de flores e manter acesa uma
lâmpada diante da estátua.
Para completar a imagem do
jovem estudante e assim melhor poder compreender a mudança que nele mais tarde
se efetuou, tenha aqui lugar a descrição da solene distribuição de prêmios, da
última em que Francisco tomou parte no colégio dos Jesuítas em Spoleto, em
setembro de 1856.
Francisco ocupava o primeiro
lugar. Ninguém se lhe igualava em elegância exterior, no garbo de representar,
na graça de declamar, na graciosidade da gesticulação, no timbre encantador da
voz. Podendo representar no palco, parecia estar no seu elemento e fazia-o com
toda a naturalidade e perfeição. Em sua aparência não deixava nada a desejar:
tudo obedecia às exigências da última moda: o cabelo esmeradamente penteado, o
traje elegante e ricamente adornado, as luvas brancas, gravata de seda, sapatos
luzidios e artisticamente acabados, a tudo isso Francisco ligava máxima
importância.
O inimigo das almas tirou
proveito dessas fraquezas. Se não conseguiu roubar-lhe a inocência, não foi
porque não lhe poupasse contínuos assaltos, bem sucedidos. A paixão pelo
teatro, a verdadeira mania por bailes, o amor à leitura de romances eram tantos
os perigos, que é de admirar que o jovem Francisco não caísse presa das ciladas
diabólicas. Tão pronunciada era sua paixão às danças, que recebeu o apelido de
“bailarino”. Assim um dos seus mestres, quando soube da sua inesperada fuga do
mundo para o convento, disse: “O bailarino fez isto? Quem esperava uma tal
coisa! Deixar tudo e fazer-se religioso no noviciado dos Padres Passionistas!”
Francisco bem conhecia o
perigo em que nadava, e não faltava quem o chamasse à atenção, o lembrasse da
necessidade da oração, da vigilância, da mortificação, da devoção a Jesus e
Maria, de não perder de vista a
eternidade.
Com todas as leviandades e
suas perigosas tendências para o mundo, Francisco não deixava de ser um bom e
piedoso jovem.
Das paixões de Francisco,
uma das mais fortes foi a da caça. A esta paixão ele pagava tributos bem
pesados e seu diretor espiritual não hesitou em atribuir a este esporte a cruel
moléstia, que o ceifou na flor da idade. Certa vez, em pular uma cerca, chegou
a cair e com tanta infelicidade, que quebrou-lhe um osso do nariz. O fuzil
disparou e o projétil passou-lhe rente pela testa, pouco faltando que lhe rebentasse
o crânio. Francisco reconhecendo logo a providência deste aviso, renovou a sua
promessa. Ficou com as cicatrizes, mas deixou-se ficar no mundo.
A graça divina também não se
deu por vencida. Rejeitada três vezes, tentou um quarto golpe, mais doloroso
ainda. De todos de sua família Francisco dedicava grande amizade a sua irmã
Maria Luzia, nove anos mais velha que ele, e esta amizade era correspondida com
todo afeto. Em 1855 irrompeu em Spoleto a cólera e Maria Luiza foi a primeira
vítima da terrível epidemia. A morte da irmã feriu profundamente o coração do
jovem e mergulhou sua alma em trevas nunca antes experimentadas. Perdeu o gosto
de tudo e se entregou a uma tristeza inconsolável. Parecia, que com este golpe
a graça divina tivesse removido o último obstáculo de a promessa se
cumprir. Assim ainda não foi. Todo acabrunhado, Francisco manifestou ao pai sua
resolução de entrar para o convento chegando a dizer que para ele tudo se tinha
acabado nesta vida. Possenti, receando perder seu filho a quem muito amava, não
recebeu bem a comunicação e pediu-lhe nunca mais tocasse neste assunto.
Aconselhou-o a se distrair, a afastar os pensamentos tristes a procurar a
sociedade, freqüentar o teatro; chegou a insinuar-lhe a idéia de procurar a
amizade de uma donzela distinta, de família igualmente conceituada, na
esperança de nos entendimentos inocentes ela conseguir de fazê-lo esquecer-se
dos seus intentos religiosos.
Na igreja metropolitana de
Spoleto gozava de uma veneração singular uma imagem de Nossa Senhora; a esta
imagem chamava simplesmente “a Icone”. Na oitava do dia 15 de agosto esta
imagem era levada em solene procissão por dentro da igreja e não havia quem não
se ajoelhasse à sua passagem. Em 1856 Francisco Possenti achava-se no meio dos
fiéis e todo tomado de amor por Maria Santíssima, os seus olhos se fixavam na
venerada imagem como que esperando por uma bênção especial. Pois, quando a
“Icone” vinha aproximando-se do jovem, parecia ela lhe atirar um olhar todo
especial e lhe dizer: “Francisco, o mundo não é para ti; a vida no convento
te espera”. Esta palavra, qual uma seta de fogo cravou-lhe no coração;
assim saiu da igreja desfeito em lágrimas. Estava resolvido a realizar desta
vez o plano de alguns anos. Tratou, porém, de não dar por enquanto nenhuma
demonstração do seu intento.
Embora certo de sua vocação,
mas desconfiando da sua fraqueza, e para não ser vítima de uma ilusão procurou
seu diretor espiritual Pe. Bompiani, e a ele se abriu inteiramente, fazendo do
conselho do mesmo depender sua resolução definitiva. O exame foi feito com toda
sinceridade e tendo tomado em consideração todos os fatores influentes no passado
da vida do jovem, o Pe. Bompiani não duvidou de se tratar de uma vocação
verdadeira e animou o jovem a seguí-la.
Francisco se resolveu então
a pedir sua admissão na Congregação dos Passionistas. Comunicar ao pai a
resolução tomada, não foi fácil. Mas desta vez o Sr. Sante, homem
consciencioso, vendo a aflição e a firmeza de seu filho, não mais se opôs;
tomado, porém, de espanto quando soube que a Congregação por Francisco
escolhida, a dos Passionistas, era de todas a mais austera. Se bem que não se
opusesse à vontade do filho, tratou de procrastinar a execução do seu plano e
impor condições. Francisco, porém, ficou firme. Tomou ainda e pela última vez,
parte na solenidade da distribuição dos prêmios, no colégio dos Jesuítas, fez
como sempre um papel brilhante no palco, despediu-se dos seus professores, dos
seus amigos, depois foi para convento Morrovale, dos Passionistas
onde já em 21 de setembro de 1856 recebeu o hábito com o nome de Gabriel
dell’Adolorata.
Convencidíssimo da sua
vocação religiosa, longe do mundo, da sociedade e da família, não mais teve
outro ideal que subir as culminâncias da perfeição.
Inconfundível era sua
personalidade no meio dos seus companheiros do noviciado. Sem perder as notas
características do seu caráter, a jovialidade, a alegria de espírito, a
amenidade de trato, era fiel no cumprimento dos exercícios regulares, como
também na prática das virtudes cristãs e monásticas.
E as causas desta mudança
radical na vida de Gabriel, duas: o ardente amor a Jesus Crucificado, à Santa
Eucaristia, sua devoção singular a Mãe de Deus, em particular à Nossa Senhora
das Dores e sua inalterada mortificação, por meio da qual deu morte aos seus
desordenados apetites, um por um.
Tendo corrido o ano de
provação, Gabriel foi admitido à profissão e mandado para várias casas da
Congregação, com o fim de completar os seus estudos de teologia. Durante os
anos de preparação para o sacerdócio, superiores e companheiros viram no santo
jovem o modelo mais perfeito de todas as virtudes, e cumpridor exatíssimo dos
seus deveres.
Quando chegou à idade de
vinte e três anos, aparecem os primeiros sintomas da tuberculose pulmonar. O
longo tempo da sua enfermidade Gabriel o aproveitou para ainda mais se
aprofundar na sua devoção predileta à Sagrada Paixão e Morte de Jesus Cristo e
à Maria Santíssima, Mãe das Dores. Em fevereiro de 1862 ainda pôde andar e
receber a santa comunhão na igreja, junto com seus companheiros.
Inesperadamente o mal se
agravou; foi preciso avisá-lo para receber os últimos sacramentos. A notícia
assustou-o por um momento só; mas imediatamente recuperou a habitual calma, que
logo se transformou numa alegria antes nunca experimentada. O modo de receber o
santo viático comoveu e edificou a todos que assistiram. Não mais largava a
imagem do crucificado, que cobria de beijos, e ao seu alcance tinha a estátua
de N. Sra. das Dores, que freqüentemente apertava ao seu peito, proferindo
afetuosas jaculatórias, como estas: “Minha mãe, faze depressa!” – “Jesus,
Maria, José, expire eu em paz em vossa companhia!” – “Maria, mãe da graça, mãe
da misericórdia, do inimigo nos protegei, e na hora da morte nos recebei”.
Assim morreu o santo jovem
na idade de vinte e quatro anos, na manhã de 27 de fevereiro de 1862. Trinta
anos depois foi feito o reconhecimento do seu corpo. Nesta ocasião com o
simples contato de suas relíquias verificou-se a cura prodigiosa de uma jovem
com tuberculose em estado terminal.
Em
1908 o Papa Pio X inscreveu o nome de Gabriel da Virgem Dolorosa no catálogo
dos Beatos e em 1920 Bento XV decretou-lhe as solenes honras da canonização.
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