"Se encontrasse aqueles negreiros que me raptaram, e
mesmo aqueles que me torturaram, ajoelhar-me-ia para beijar as suas mãos;
porque, se isto não tivesse acontecido, eu não seria agora cristã e
religiosa". Santa Josefina Bakhita
O
perdão, fruto do amor para com Deus e os irmãos, é uma das mensagens que
Bakhita nos deixa como síntese de sua vida. É uma lição da qual o nosso tempo
tem extrema necessidade. O perdão cura as feridas e restabelece em profundidade
os relacionamentos humanos. Com seu
perdão, com seu amor e confiança em Deus, Bakhita se torna símbolo de uma
história de enorme sofrimento e do triste drama da escravidão, mas é também
símbolo da mulher que não se deixa abater por sua pesada condição.
Na escravidão
Irmã Josefina
Bakhita nasceu no Sudão – África, (provavelmente) 1869 . Bakhita não é o nome
recebido de seus pais ao nascer. O susto provado no dia em que foi raptada,
provocou-lhe alguns profundos lapsos de memória. A terrível experiência a
fizera esquecer também o próprio nome.
Bakhita, que significa
«afortunada», é o nome que lhe foi imposto por seus raptores.
Bakhita
haveria de ser vendida cinco vezes sucessivas, aos mais variados patrões,
exposta nos mercados, presa pelos pés a pesadas correntes e obrigada a
trabalhar sem descanso para satisfazer os caprichos de seus amos. Colocada a
serviço da mãe e da esposa de um general, a jovem escrava ali enfrentou os
piores anos de sua existência, como ela mesma descreve: "As chicotadas caíam em cima
de nós sem misericórdia; de modo que nos três anos que estive a serviço deles,
não me lembro de ter passado um só dia sem feridas, porque não havia ainda
sarado dos golpes recebidos e recebia outros ainda, sem saber a causa. [...]
Quantos maus tratos os escravos recebem sem nenhum motivo! [...] Quantas
companheiras minhas de desventura morreram pelos golpes sofridos!".
Era dessa forma que os escravos eram marcados: Bakhita provavelmente tinha assim suas costas |
Além
desses e de outros tormentos, fizeram-lhe uma tatuagem que a obrigou a
permanecer imóvel sobre sua esteira por mais de um mês. Bakhita conservou até o
fim da vida 144 cicatrizes sobre o corpo, além de um leve defeito ao caminhar.
Rumo à liberdade
Na
capital do Sudão, Bakhita foi, finalmente, comprada por um Cônsul italiano, o
senhor Calixto Legnani. Pela primeira vez, desde o dia em que fora raptada,
ninguém usava o chicote ao lhe dar ordens mas, ao contrário, era tratada com
maneiras afáveis e cordiais. Na casa do Cônsul, Bakhita encontrou serenidade,
carinho e momentos de alegria, ainda que sempre velados pela saudade de sua
própria família, perdida para sempre.
Situações
políticas obrigaram o Cônsul a partir para a Itália. Bakhita pediu-lhe que a
levasse consigo e foi atendida. Com eles partiu também um amigo do Cônsul, o
senhor Augusto Michieli.
Na Itália
Chegados
em Gênova, o Sr. Legnani, pressionado pelos pedidos da esposa do Sr. Michieli,
concordou que Bakhita fosse morar com eles. Assim ela seguiu a nova família
para a residência de Zeniago (Veneza) e, quando nasceu Mimina, a filhinha do
casal, Bakhita se tornou para ela babá e amiga.
A compra
e a administração de um grande hotel em Suakin, no Mar Vermelho, obrigaram a
esposa do Sr. Michieli, dona Maria Turina, a transferir-se para lá, a fim de
ajudar o marido no desempenho dos vários trabalhos. Entretanto, a conselho de
seu administrador, a criança e Bakhita
foram confiadas às Irmãs Canossianas do Instituto dos Catecúmenos de Veneza. E
foi aqui que, a seu pedido, Bakhita, veio a conhecer aquele Deus que desde
pequena ela «sentia no coração, sem
saber quem Ele era».
«Vendo o sol, a lua e as
estrelas, dizia comigo mesma: Quem é o Patrão dessas coisas tão bonitas? E
sentia uma vontade imensade vê-Lo, conhecê-Lo e prestar-lhe homenagem».
Filha de Deus
Depois
de alguns meses de catecumenato, Bakhita
recebeu os Sacramentos de Iniciação Cristã e o novo nome de Josefina. Era o
dia 9 de janeiro de 1890. Naquele dia não sabia como exprimir a sua alegria. Os
seus olhos grandes e expressivos brilhavam revelando uma intensa comoção. Desse
dia em diante, era fácil vê-la beijar a pia batismal e dizer: «Aqui me tornei filha de Deus!».
Cada
novo dia a tornava sempre mais consciente de como aquele Deus, que agora
conhecia e amava, a havia conduzido a Si por caminhos misteriosos, segurando-a
pela mão.
Quando
dona Maria Turina retornou da África para buscar a filha e Bakhita, esta, com
firme decisão e coragem fora do comum, manifestou a sua vontade de permanecer
com as Irmãs Canossianas e servir aquele Deus que lhe havia dado tantas provas
do seu amor.
A jovem
africana, agora maior de idade, gozava de sua liberdade de ação que a lei
italiana lhe assegurava.
Filha de Madalena
Bakhita
continuou no Catecumenato onde sentiu com muita clareza o chamado para se
tornar religiosa e doar-se totalmente ao Senhor, no Instituto de Santa Madalena
de Canossa.
A 8 de
dezembro de 1896, Josefina Bakhita se consagrava para sempre ao seu Deus, que
ela chamava com carinho «el me Patron!».
Por mais
de 50 anos, esta humilde Filha da Caridade, verdadeira testemunha do amor de
Deus, dedicou-se às diversas ocupações na casa de Schio.
De fato,
ela foi cozinheira, responsável do guarda-roupa, bordadeira, sacristã e
porteira. Quando se dedicou a este último serviço, as suas mãos pousavam
docemente sobre a cabecinha das crianças que, diariamente, frequentavam as
escolas do Instituto. A sua voz amável, que tinha a inflexão das cantigas da
sua terra, chegava prazerosa aos pequeninos, reconfortante aos pobres e doentes
e encorajadoras a todos os que vinham bater à porta do Instituto.
Testemunha do Amor
A sua
humildade, a sua simplicidade e o seu constante sorriso, conquistaram o coração
de todos os habitantes de Schio. As Irmãs a estimavam pela sua inalterável
afabilidade, pela fineza da sua bondade e pelo seu profundo desejo de tornar
Jesus conhecido.
«Sede
bons, amai a Deus, rezai por aqueles que não O conhecem. Se, soubésseis que
grande graça é conhecer a Deus!».
Chegou a
velhice, chegou a doença longa e dolorosa, mas a Irmã Bakhita continuou a
oferecer o seu testemunho de fé, de bondade e de esperança cristã. A quem a
visitava e lhe perguntava como se sentia, respondia sorridente: «Como o Patrão
quer».
A última prova
Na
agonia reviveu os terríveis anos de sua escravidão e vária vezes suplicava à
enfermeira que a assistia: «Solta-me as correntes ... pesam muito!».
Em suas últimas palavras, proferidas pouco antes de seu falecimento, deixou
transparecer o gozo que lhe enchia a alma: "Quando
uma pessoa ama tanto uma outra, deseja ardentemente ir para junto dela: por
que, então, tanto medo da morte? A morte nos leva a Deus".
Foi
Maria Santíssima que a livrou de todos os sofrimentos. Assuas últimas palavras
foram: «Nossa Senhora! Nossa Senhora!», enquanto o seu último sorriso
testemunhava o encontro com a Mãe de Jesus.
Irmã Bakhita faleceu no dia 8
de fevereiro de 1947, uma multidão acorreu logo à casa do Instituto para ver
pela última vez a sua «Santa Irmã
Morena», e pedir-lhe a sua proteção lá do céu.
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