São Roberto Belarmino, doutor da Igreja, nos
oferece um modelo de oração, alma de todas as atividades: uma oração que ouve a
Palavra do Senhor, que se satisfaz ao contemplar a sua grandeza, que não se
fecha em si mesma, mas tem a alegria de se abandonar a Deus. Um sinal
distintivo da espiritualidade de Belarmino é a percepção viva e pessoal da
imensa bondade de Deus, pelo que o nosso santo se sentia verdadeiramente filho
amado de Deus e o recolher-se com serenidade e simplicidade, em oração, em
contemplação de Deus era para ele fonte de grande alegria.
Ele leva-nos com a memória ao tempo da
dolorosa cisão da cristandade ocidental, quando uma grave crise política e
religiosa provocou a separação de nações inteiras da Igreja de Roma.
Nasceu
a 4 de Outubro de 1542 em Montepulciano, nos arredores de Sena, e era sobrinho
por parte da mãe do Papa Marcelo II. Recebeu uma excelente formação humanística
antes de entrar na Companhia de Jesus. Os estudos de filosofia e teologia, que
completou entre o Colégio Romano, Pádua e Lovaina, centrados sobre São Tomás e
os Padres da Igreja, foram decisivos para a sua orientação teológica.
Ordenado sacerdote, foi durante alguns anos
professor de teologia em Lovaina. Sucessivamente, tendo sido chamado a Roma
como professor no Colégio Romano, foi-lhe confiada a cátedra de “Apologética”.
O Concílio de Trento tinha terminado há pouco tempo e para a Igreja católica
era necessário revigorar e confirmar a sua identidade, também em relação à
Reforma protestante. A obra de Belarmino inseriu-se neste contexto.
De 1588 a 1594 foi inicialmente padre
espiritual dos estudantes jesuítas do Colégio Romano, entre os quais encontrou
e orientou são Luís Gonzaga, e depois superior religioso. O Papa Clemente VIII
nomeou-o teólogo pontifício, consultor do Santo Ofício e reitor do Colégio dos
Penitenciários da Basílica de São Pedro. Ao biénio de 1597–1598 remonta o seu
catecismo, Doutrina cristã breve, que foi a sua obra mais
popular.
No
dia 3 de Março de 1599 foi criado cardeal pelo Papa Clemente VIII e, a 18 de
Março de 1602, nomeado arcebispo de Cápua. Recebeu a ordenação episcopal em 21
de Abril desse mesmo ano.
Durante os três anos em que foi bispo
diocesano, distinguiu-se pelo zelo de pregador na sua catedral, pela visita que
realizava semanalmente às paróquias, pelos três Sínodos diocesanos e um
Concílio provincial que promoveu. Depois de ter participado nos conclaves que
elegeram Papas Leão XI e Paulo V, foi novamente chamado a Roma, para ser membro
das Congregações do Santo Ofício, para o Índex, os Ritos, os Bispos e a
Propagação da Fé. Desempenhou inclusive funções diplomáticas, junto da
República de Veneza e da Inglaterra, em defesa dos direitos da Sé Apostólica.
Nos seus últimos anos, compôs vários livros de espiritualidade, nos quais
condensou o fruto dos seus exercícios espirituais anuais. Com a sua leitura o
povo cristão ainda hoje se sente muito edificado. Faleceu em Roma, no dia 17 de
Setembro de 1621. O Papa Pio XI beatificou-o em 1923, canonizou-o em 1930 e
proclamou-o Doutor da Igreja em 1931.
São
Roberto Belarmino desempenhou um papel importante na Igreja das últimas décadas
do século XVI e do início do século seguinte. As suas Controversiae constituem um ponto de referência,
ainda hoje válido, para a eclesiologia católica sobre as questões relativas à
Revelação, à natureza da Igreja, aos Sacramentos e à antropologia teológica.
Nelas é acentuado o aspecto institucional da Igreja, por causa dos erros que
então circulavam a propósito de tais questões. Todavia, Belarmino esclareceu
também os aspectos invisíveis da Igreja como Corpo místico e explicou-os com a
analogia do corpo e da alma, com a finalidade de descrever a relação entre as
riquezas interiores da Igreja e os aspectos exteriores que a tornam
perceptível. Nesta obra monumental, que procura sistematizar as várias
controvérsias teológicas dessa época, ele evita toda a abordagem polemica e
agressiva em relação às ideias da Reforma, mas utilizando os argumentos da
razão e da Tradição da Igreja, ilustra a doutrina católica de modo claro e
eficaz.
Todavia,
a sua herança consiste no modo como concebeu o seu trabalho. Com efeito, as
gravosas funções de governo não o impediram de tender, quotidianamente, para a
santidade com a fidelidade às exigências da própria condição de religioso,
sacerdote e bispo. É desta fidelidade
que provém o seu compromisso na pregação. Dado que, como sacerdote e bispo, é
antes de tudo um pastor de almas, sentia o dever de pregar assiduamente.
Pregou centenas de sermones — homilias — na Flandres, em Roma,
em Nápoles e em Cápua, por ocasião das celebrações litúrgicas. Não menos
abundantes são as suas expositiones e as explanationesa os párocos, às
religiosas e aos estudantes do Colégio Romano, que têm com frequência como objeto
a Sagrada Escritura, especialmente as Cartas de são Paulo. A sua pregação e as
suas catequeses apresentam aquela mesma índole de essencialidade, que tinha
aprendido da educação inaciana, inteiramente destinada a concentrar as forças
da alma sobre o Senhor Jesus, intensamente conhecido, amado e imitado.
Nos
escritos deste homem de governo sente-se de modo muito claro, apesar da reserva
por detrás da qual ele esconde os seus sentimentos, o primado que ele assegura
aos ensinamentos de Cristo. No seu livro De
ascensione mentis in Deum —
Elevação da mente a Deus — composto segundo o esquema do Itinerarium de são Boaventura, exclama: «Ó
alma, o teu exemplar é Deus, beleza infinita, luz sem sombras, esplendor que
supera aquele da lua e do sol. Eleva os olhos a Deus, em quem se encontram os
arquétipos de todas as coisas e do qual, como de uma fonte de fecundidade
infinita, deriva esta variedade quase infinita das coisas. Portanto, deve
concluir: quem encontra Deus, encontra tudo; quem perde Deus, perde tudo».
Belarmino,
que vive na sociedade opulenta e frequentemente malsã do último período do
século XVI e do primeiro período do século XVII, desta contemplação haure
aplicações práticas e projeta a situação da Igreja do seu tempo com um vigoroso
ímpeto pastoral.
No livro De
arte bene moriendi — A arte
de morrer bem — por exemplo, indica como norma segura do bom viver, e também do
bom morrer, a meditação frequente e séria, de que se deverá prestar contas a
Deus das próprias ações e do próprio modo de viver, e procurar não acumular
riquezas nesta terra, mas viver com simplicidade e com caridade, de maneira a
acumular bens no Céu.
No livro De
gemitu columbae — O gemido da
pomba, onde a pomba representa a Igreja — exorta com força o clero e todos os
fiéis a uma reforma pessoal e concreta da própria vida, seguindo aquilo que
ensinam a Escritura e os Santos, entre os quais em particular são Gregório de
Nazianzo, são João Crisóstomo, são Jerônimo e santo Agostinho, além dos grandes
fundadores de Ordens religiosas, como são Bento, são Domingos e são Francisco.
Belarmino
ensina com grande clareza e com o exemplo da sua própria vida, que não pode
haver uma verdadeira reforma da Igreja, se antes não houver a nossa reforma
pessoal e a conversão do nosso coração.
Dos Exercícios Espirituais de santo Inácio, Belarmino hauria
conselhos para comunicar de modo profundo, até aos mais simples, a beleza dos
mistérios da Fé. Ele escreve: «Se tens sabedoria, compreendes que foste
criado para a glória de Deus e para a tua salvação eterna. Esta é a tua
finalidade, este é o centro da tua alma, este é o tesouro do teu coração. Por
isso, considera verdadeiro bem para ti aquilo que te conduz para o teu fim, e
verdadeiro mal aquilo que te priva dele. Acontecimentos prósperos ou adversos,
riquezas e pobrezas, saúde e doença, honras e ofensas, vida e morte, o sábio
não deve procurá-los nem rejeitá-los para si mesmo. Mas só são bons e
desejáveis, se contribuírem para a glória de Deus e para a tua felicidade
eterna; são maus e devem ser evitados, se a impedirem» (De
ascensione mentis in Deum, grad.
1).
Papa Bento XVI – 23 de fevereiro de 2011
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