A história da Paixão de Perpétua e Felicidade, duas jovens mães cartaginesas condenadas às feras no circo, encheu de assombro e emoção gerações inteiras. No diário escrito por Perpétua, o drama da prisão e sofrimentos é vivido interiormente, e com minucias de detalhes ela narra o seu martírio. O texto é completado depois por Tertuliano.
No
ano de 202, o imperador Severo mandou que aqueles que seguissem sendo cristãos
e não quisessem adorar aos deuses romanos deveriam morrer. Perpétua estava
celebrando uma reunião religiosa em sua casa quando chegou a polícia do
imperador e a levou presa, junto com sua escrava Felicidade, e os escravos
Reocato, Saturnino e Segundo.
Diz
Perpétua em seu diário: "Nos colocaram no cárcere e fiquei consternada
porque nunca havia estado em local tão escuro. O calor era insuportável e havia
muitas pessoas em um subterrâneo muito estreito. Parecia que morreria de calor
e asfixia, mas sofria muito mais por não poder estar junto de meu filho, que
tinha tão poucos meses e muito necessitava de mim. O que mais pedia a Deus era
que nos desse grande virtude para sermos capazes de sofrer e lutar por nossa
santa religião".
No dia seguinte chegaram alguns diáconos católicos e deram dinheiro aos
carcereiros para que passassem os presos a outra cela, menos sufocante e
escura. Foram levados a um local onde entrava um raio de sol e não ficaram tão
incômodos. Também permitiram que levassem o filho de Perpétua, que estava se
deixando morrer. Ela disse em seu diário: "Desde que tive meu filho em
minhas mãos, aquele cárcere me pareceu um palácio e sentia-me plena de alegria.
E a criança também retomou a alegria e vigor". As tias e a avó
encarregaram-se depois da criança e sua educação.
O
chefe do governo de Cártago chamou a juízo Perpétua e seus servidores. Na noite
anterior Perpétua teve uma visão:
"Então me levantei.
Vi um jardim imenso. No meio havia um homem alto vestido como pastor. Estava
ocupado em tirar leite das ovelhas. Em volta dele, aos milhares, homens
vestidos de branco. Ele levantou a cabeça, olhou para mim e disse: 'Bem-vinda
minha filha.' Ele chamou-me e deu-me um bocado de queijo que havia preparado;
eu recebi isso com as mãos juntas. Comi e todos disseram 'Amém'. Ao som das
vozes acordei, sentindo o sabor de uma estranha doçura em minha boca. Contei
logo esta visão para meu irmão Saturnino e compreendemos que o martírio nos
aguardava."
Primeiro
foram chamados os escravos e o diácono. Todos proclamaram ante as autoridades
que eram cristãos e preferiam morrer antes que adorar a falsos deuses.
Logo
chamaram a Perpétua. O juiz lhe pedia que deixasse a religião de Cristo e
passasse a religião pagã, que assim salvaria sua vida. E lhe recordava que era
mulher muito jovem e de família rica. Porém Perpétua proclamou que estava
decidida a ser fiel a Jesus Cristo até a morte. Neste momento, trouxeram seu
pai, o único na família que não era cristão, e ajoelhado ele e suplicou que não
persistisse em chamar-se cristã, que aceitasse a religião do imperador, que o
fizesse por amor a seu pai e seu filhinho. Ela se comoveu imensamente, mas
terminou dizendo-lhe:
"Pai,
como se chamada este objeto a sua frente?".
"Uma
bandeja, minha filha.", respondeu ele.
"Pois
bem, a esta bandeja há de chamar-se bandeja, porque é uma bandeja. E sou
cristã, não posso me chamar pagã, porque sou cristã e quero sê-lo para
sempre."
E
acrescentou em seu diário:
"Meu pai era o único na família que não se alegrava
porque nós seríamos mártires em Cristo".
O
juiz decretou que os três homens deveriam ser levados ao circo e ali, em frente
à multidão, seriam destroçados por feras no dia da festa do imperador; e que as
mulheres seriam amarradas frente a uma vaca furiosa. Porém, havia um
inconveniente:
Felicidade
estava grávida e a lei proibia matar a quem estava por dar à luz. E ela desejava
ser martirizada por amor a Cristo. Então os cristãos oraram com fé e Felicidade
deu a luz a uma linda menina, que foi confiada às mulheres cristãs, e assim
Felicidade pode ser martirizada.
Um
carcereiro fazia pouco caso dela, dizendo-lhe: "Agora te queixas das
dores do parto, como farás frente às dores do martírio? "
Ela
lhe respondeu:
"Agora sou
fraca porque sofro por minha natureza. Porém, quando chegar o martírio, me
acompanhará a graça de Deus, que me encherá de fortaleza."
Aos
condenados à morte permitia-se fazer uma ceia de despedida. Perpétua e seus
companheiros organizaram uma ceia eucarística. Dois santos diáconos lhes
levaram a comunhão, e depois de orar e animar-se uns aos outros, abraçaram-se e
despediram com o ósculo da paz. Todos estavam animados, alegremente bem
dispostos a entregarem a vida por proclamar a fé em Jesus Cristo.
Antes
de levarem-nos ao circo, os soldados queriam que os homens vestissem como
sacerdotes dos falsos deuses e as mulheres como sacerdotisas pagãs. Porém Perpétua
se opôs e ninguém conseguiu lhes vestir aquelas roupas.
Os
escravos foram jogados às feras, que os destroçaram e eles derramaram assim
valentemente seu sangue por nossa religião.
O Diácono Sáturo conseguiu converter um dos carcereiros, chamado Pudente, ao
Cristianismo. Disse-lhe:
"Para
que vejas que Cristo é Deus, te anuncio que colocaram frente a um urso feroz,
mas esta fera não me fará nenhum mal."
E
assim aconteceu: lhe amarraram e colocaram em frente à jaula de um urso muito
agressivo. O animal feroz não lhe fez nenhum mal, e ainda deu uma tremenda
dentada no seu tratador, que o atiçava contra o santo diácono. Então soltaram a
um leopardo, que com uma dentada destroçou Sáturo. Quando o diácono estava
moribundo, molhou com seu sangue um anel, colocou-o no dedo de Pudente, que
então aceitou definitivamente converter-se ao Cristianismo.
A
Perpétua e Felicidade amarram com arame, colocaram-nas no centro e soltaram uma
vaca bravíssima, que as atacou sem misericórdia.
Perpétua
unicamente se preocupava em ir-se cobrindo, com os restos de tecido que
sobravam, para que não desse espetáculo por estar desnuda. Ajeitava os cabelos,
para que não parecesse uma pagã chorona.
O
povo emocionado, ao ver a valentia das jovens mães, pediu que as retirassem
pela porta onde saiam os gladiadores vitoriosos. Perpétua, então saiu de seu
êxtase, e perguntou onde estava a tal vaca que lhes atacaria.
Mas
logo após o povo cruel pediu que as trouxessem para lhes cortar a cabeça em
frente a todos. Ao saber desta notícia, as jovens abraçaram-se emocionadas e
retornaram a praça.
A
Felicidade cortaram a cabeça com um golpe de machado, Porém o verdugo que
deveria matar Perpétua estava muito nervosos e errou o primeiro golpe. Ela deu
um grito de dor, porém posicionou melhor a cabeça para facilitar o trabalho do
verdugo e lhe indicou onde deveria atingi-la. Assim, esta mulher corajosa
mostrou até o último instante que morria mártir por sua própria vontade e com
toda generosidade.
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