«“Prefiro
a misericórdia ao sacrifício” (Mt 9,
13).
As obras de misericórdia no caminho jubilar»
As obras de misericórdia no caminho jubilar»
1. Maria, ícone duma Igreja que
evangeliza porque evangelizada.
Na Bula de proclamação do
Jubileu da Misericórdia, fiz o convite para que «a Quaresma deste Ano Jubilar seja vivida mais intensamente como tempo
forte para celebrar e experimentar a misericórdia de Deus».
Com o apelo à escuta da Palavra de Deus e à iniciativa
«24 horas para o Senhor», quis sublinhar a primazia da escuta orante da
Palavra, especialmente a palavra profética. Com efeito, a misericórdia de
Deus é um anúncio ao mundo; mas cada cristão é chamado a fazer pessoalmente
experiência de tal anúncio.
Maria, por ter acolhido a
Boa Notícia que Lhe fora dada pelo arcanjo Gabriel, canta profeticamente, no Magnificat, a misericórdia com que
Deus A predestinou. Deste modo a Virgem de Nazaré, prometida esposa de José,
torna-se o ícone perfeito da Igreja que evangeliza porque foi e continua a ser
evangelizada por obra do Espírito Santo, que fecundou o seu ventre virginal.
2. A aliança de Deus com os
homens: uma história de misericórdia.
Deus
mostra-Se sempre rico de misericórdia, pronto em qualquer circunstância a
derramar sobre o seu povo uma ternura e uma compaixão viscerais, sobretudo nos
momentos mais dramáticos quando a infidelidade quebra o vínculo do Pacto e se
requer que a aliança seja ratificada de maneira mais estável na justiça e na
verdade.
Este
drama de amor alcança o seu ápice no Filho feito homem. N’Ele, Deus derrama a
sua misericórdia sem limites até ao ponto de fazer d’Ele a Misericórdia
encarnada. O Filho de Deus é o Esposo que tudo faz para ganhar o
amor da sua Esposa, à qual O liga o seu amor incondicional que se torna visível
nas núpcias eternas com ela.
Este é o coração pulsante do
querigma apostólico, no qual ocupa
um lugar central e fundamental a misericórdia divina. Nele sobressai «a beleza
do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado», aquele primeiro anúncio que «sempre se tem
de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a
anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese».
Então
a Misericórdia «exprime o comportamento de Deus para com o pecador,
oferecendo-lhe uma nova possibilidade de se arrepender, converter e acreditar»,
restabelecendo precisamente assim a relação com Ele.
3. As obras de misericórdia.
A
misericórdia de Deus transforma o coração do homem e faz-lhe experimentar um
amor fiel, tornando-o assim, por sua vez, capaz de misericórdia. É
um milagre sempre novo que a misericórdia divina possa irradiar-se na vida de
cada um de nós, estimulando-nos ao amor do próximo e animando aquilo que a
tradição da Igreja chama as obras de misericórdia corporal e espiritual. Estas recordam-nos que a nossa fé se traduz
em atos concretos e quotidianos, destinados a ajudar o nosso próximo no corpo e
no espírito e sobre os quais havemos de ser julgados: alimentá-lo, visitá-lo,
confortá-lo, educá-lo. Por isso, expressei o desejo de que «o povo cristão
reflita, durante o Jubileu, sobre as obras de misericórdia corporal e
espiritual. Será uma maneira de acordar a nossa consciência, muitas vezes
adormecida perante o drama da pobreza, e de entrar cada vez mais no coração do
Evangelho, onde os pobres são os privilegiados da misericórdia divina»
Diante deste amor forte como
a morte (cf. Ct 8, 6), fica patente como o pobre mais miserável seja aquele que não aceita
reconhecer-se como tal. Pensa que é rico, mas na realidade é o mais pobre dos
pobres. E isto porque é escravo do pecado, que o leva a utilizar riqueza e
poder, não para servir a Deus e aos outros, mas para sufocar em si mesmo a
consciência profunda de ser, ele também, nada mais que um pobre mendigo. E
quanto maior for o poder e a riqueza à sua disposição, tanto maior pode
tornar-se esta cegueira mentirosa. Chega ao ponto de não querer ver sequer o
pobre Lázaro que mendiga à porta da sua casa (cf. Lc 16,
20-21), sendo este figura de Cristo que, nos pobres, mendiga a nossa conversão.
Lázaro é a possibilidade de conversão
que Deus nos oferece e talvez não vejamos. E esta cegueira está acompanhada
por um soberbo delírio de omnipotência, no qual ressoa sinistramente aquele
demoníaco «sereis como Deus» (Gn 3,
5) que é a raiz de qualquer pecado.
Portanto
a Quaresma deste Ano Jubilar é um tempo favorável para todos poderem,
finalmente, sair da própria alienação existencial, graças à escuta da Palavra e
às obras de misericórdia.
Se, por meio das obras
corporais, tocamos a carne de Cristo nos irmãos e irmãs necessitados de ser
nutridos, vestidos, alojados, visitados, as obras espirituais tocam mais diretamente
o nosso ser de pecadores: aconselhar, ensinar, perdoar, admoestar, rezar. Por
isso, as obras corporais e as espirituais nunca devem ser separadas. Com efeito, é precisamente tocando, no
miserável, a carne de Jesus crucificado que o pecador pode receber, em dom, a
consciência de ser ele próprio um pobre mendigo.
Não percamos este tempo de
Quaresma favorável à conversão! Nós vos pedimos, pela intercessão materna da Virgem
Maria, a primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina que Lhe foi
concedida gratuitamente, reconheceu a sua pequenez (cf. Lc 1,
48), confessando-Se a humilde serva do Senhor (cf. Lc 1,
38).
Acesse o texto na íntegra:Mensagem do Papa para a Quaresma de 2016
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