O Papa Gregório II nasceu em 669, filho de Marcelo - senador romano e Honesta - nobre que se dedicava a caridade, e foi iniciado desde cedo na prática dos negócios
eclesiásticos. Tendo entrado na Ordem beneditina, foi sucessivamente
subdiácono, capelão do palácio pontifício, bibliotecário e esmoler da igreja
romana.
A Santa Igreja passava por um
período de provação. De 687 a 701, o papado fora perturbado pelo duplo cisma
dos antipapas Pascal (de 687 a 692) e Teodoro (687). Teria de enfrentar ainda a
grande investida iconoclasta do imperador do Oriente, e para isso a barca de
Pedro precisava ter no seu timão um homem enérgico e destemido. Esse homem foi
Gregório II.
Com firmeza de caráter e superior
inteligência, foi escolhido pelo Papa Constantino para acompanhá-lo a
Constantinopla, quando ainda era apenas diácono, a fim de discutir com o
imperador Justiniano II os cânones do concílio de Trullo, de 692.
.
No dia 19 de março de 715, subiu ao trono pontifício, como o 89º papa da Igreja, em
meio às aclamações do povo e do clero, que já o estimavam e dele esperavam
grandes coisas.
Uma das grandes determinações do
novo pontífice foi dar continuação ao apostolado inaugurado por São Gregório
Magno para a conversão dos povos bárbaros, ainda pagãos. Ele queria, aplicando
uma disciplina cristã, dar formação àqueles povos errantes e sempre perigosos
para o mundo latino. Outra de suas grandes preocupações eram as relações entre
a Santa Sé e o império de Bizâncio, onde habitualmente a heresia encontrava
abrigo. A escolha do Papa era então dependente em parte do imperador bizantino,
que confirmava a eleição pontifícia. São Gregório tinha ainda que prover
materialmente Roma, muito provada pelos ataques dos bárbaros e dos lombardos.
Providência muito premente era
fortificar a cidade contra um possível ataque dos sarracenos, com domínio
crescente sobre o Mediterrâneo. Iniciou esta medida com sucesso, mas quando as
muralhas da cidade estavam sendo reforçadas, vários fatores o impediram de
concluí-la, inclusive uma inundação do Tibre.
Trabalhando simultaneamente em
várias frentes, planejou implantar a cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo além das
fronteiras do Danúbio, aonde jamais tinham chegado as águias romanas. Enviou
para a Baviera São Corbivian; para as florestas do Hesse e da Turíngia, o monge
inglês Winfrid, que se tornou o evangelizador da Alemanha, mais conhecido como
São Bonifácio. Bonifácio voltou em 722 a Roma, para ser sagrado bispo. O Papa
solicitou então o auxílio de Carlos Martel, rei dos francos, para secundar o
seu trabalho, e assim foi legitimamente posta a força a serviço da Religião.
A epístola 27, que São Gregório
enviou a São Bonifácio em 22 de novembro de 726, contém diretrizes detalhadas
de como agir em relação aos neo-convertidos; e orienta de maneira firme sobre
os problemas de moral, doutrina, liturgia e pastoral. Sobre os padres indignos,
que por falta de preparação mais acurada e de vida espiritual séria se haviam
deixado contaminar pelo paganismo reinante, ele determina: “Quando eles
não forem formalmente hereges, é-vos permitido comer ou falar com eles. Mas
deveis, usando a autoridade apostólica, adverti-los, repreendê-los; e, se
possível, trazê-los de volta à pureza da disciplina eclesiástica. [...]
Observareis a mesma regra em relação aos grandes que vos prestam auxílio”.
O imperador do Oriente, Leão III
Isáurico, era oriundo de uma família muito humilde, mas fora galgando posições
importantes devido à sua bravura e habilidade, chegando ao cobiçado trono de
Bizâncio. Esse imperador-soldado salvou a Cristandade por duas vezes, ao
derrotar os muçulmanos em 718 e 740. Entretanto, quis legislar também em
matéria eclesiástica. Em dois editos – um de 726, outro de 728 – proibiu o
culto das imagens religiosas, a veneração das relíquias dos santos, e mesmo que
a eles se rezasse. Isso provocou uma onda de revoltas em todo o império.
Medidas financeiras de 725 já tinham provocado resistência, principalmente nas
províncias italianas do império, que nisto secundaram a oposição do Pontífice
romano ao imperador. Quando foi publicado o edito sobre as imagens, a
insurreição foi geral.
Começou então em todo o império a
guerra contra as imagens. Como uma horda de vândalos, os iconoclastas invadiram
igrejas, conventos e até casas particulares, destruindo as imagens religiosas e
massacrando quem as quisesse defender. O próprio imperador confiscou em seu
proveito grande número de estátuas de ouro e prata, vasos preciosos que serviam
ao culto dos santos, pedrarias que ornavam os mantos de várias imagens da
Virgem, chegando a destruir um grande crucifixo de bronze que Constantino, o
Grande, havia colocado no pórtico do palácio imperial.
Gregório II escreveu várias
cartas enérgicas ao imperador iconoclasta, numa das quais diz: “O que são
nossas igrejas senão obras das mãos dos homens, senão pedras, madeira, cal e
estuque? O que nelas há de ornamento são as pinturas que nos representam as histórias
de Jesus Cristo e dos Santos. Dizeis que adoramos as paredes, pedras e tábuas.
Só a ignorância pode induzir-vos a crer em semelhantes coisas, pois formamos as
imagens somente para recordar aqueles cujos nomes tais objetos levam, e cujas
figuras representam para nós, a fim de levantar para o alto nosso ânimo
grosseiro e pesado”.
O imperador ameaçou enviar homens
a Roma para fazer em pedaços a imagem de São Pedro e levar o Papa encadeado
para Constantinopla. O Pontífice contestou: “Sabei que os Papas são os
medianeiros e pacificadores entre o Oriente e o Ocidente, e não temem vossas
ameaças. A uma milha de Roma, na Campanha, estamos em segurança. Todos os povos
do Ocidente olham com crescente reverência para aquele cuja imagem ameaçais
derrubar. Quereis destruir São Pedro, ao qual todos os reinos do Ocidente
consideram como Vigário de Deus na Terra. Enviai vossa gente. Somos inocentes
do sangue que se derramará, o qual recairá sobre vossa cabeça”.
Aludindo a uma
frase contida na carta que o imperador lhe enviara – “Eu sou imperador e
sacerdote” – o Papa insiste na clássica distinção entre os dois campos de
atuação: “Os dogmas não dizem respeito aos imperadores, mas aos Pontífices,
porque temos o espírito de Jesus Cristo. Uma é a constituição da Igreja, outra
a do século”.
Apesar dos atentados de oficiais
gregos contra sua vida, o Papa continuou opondo-se às taxas ilegais e à
interferência imperial no domínio eclesiástico.
Presenciando essas desavenças
entre o poder papal e o imperial, Liutprando, rei dos lombardos, creu ser o
momento oportuno para estender seu domínio na Itália central. Dominou Ravena,
as cidades da Pentápole, e avançou até Sutri, ameaçando o ducado de Roma. Mas
as preces do Pontífice o fizeram parar. Como novo São Leão Magno, o Papa fez
ver ao conquistador que a queda de Roma seria a queda da Cristandade; e que os
sarracenos rejubilar-se-iam com esse desastre, ainda mais que o imperador de
Bizâncio.
Liutprando entrou então na basílica
do Vaticano, despojou-se dos trajes reais e os depositou sobre os túmulos dos
Apóstolos, com sua coroa e sua espada; e fez a doação aos Apóstolos Pedro e
Paulo, na pessoa do Papa, das possessões por ele tomadas. Era o início dos
Estados Pontifícios, resolvendo uma necessidade de então, pois o Pai comum da
Cristandade não podia, para defender a realização de sua missão, confiar
inteiramente nos azares e inconstâncias de uma proteção alheia.
São Gregório II faleceu em 11 de
fevereiro de 731 e foi sepultado na basílica vaticana.
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