“A
peculiaridade do nosso beato está contida no seu martírio (1943), inserido no
contexto histórico particularmente trágico do período do III Reich, durante a
segunda guerra mundial. O beato Franz era um homem do nosso tempo, um homem
normal, com alguns defeitos e até por um certo período, com um estilo de vida
bastante leviano e mundano. Contudo, seguindo a sua vocação e com a graça de
Deus conseguiu colocar a vontade de Deus acima de tudo, chegando, após longas
lutas internas a uma vida extraordinária de testemunho cristão. Pelas suas
convicções de fé enfrentou a morte. O seu caminho é um desafio e um
encorajamento para todos os cristãos que podem tomar o seu exemplo, para viver
com coerência e empenho radical a própria fé, também até às extremas
consequências se for necessário.
Os beatos e os santos tem dado sempre o
exemplo do que significa e representa ser cristão, também em particulares
momentos concretos da história.
Num
tempo como o nosso, no qual não faltam os condicionamentos e até a manipulação
das consciências e das inteligências, às vezes através de formas sub-reptícias
que se servem das modernas e mais avançadas tecnologias, o testemunho do beato
Franz, da sua indômita coragem e da sua firme e forte coerência é um
importantíssimo exemplo.
São
comovedoras as palavras contidas na última carta enviada à sua esposa Franziska
Schwaniger, em especial quando afirma: "Dou graças também ao nosso
Salvador porque pude sofrer por Ele. Confio na sua infinita misericórdia;
espero que Ele me perdoe tudo e não me abandone na minha última hora...
Observai os mandamentos e, com a graça de Deus, ver-nos-emos em breve no
Céu!"
São
palavras que nos levam à essência, pois os santos sabem sempre ir ao essencial,
que aqui é reconduzível àquele "serva mandata", "cumpre os
mandamentos" (cf. Mt 19, 17) com o qual Jesus responde a quem quer
saber o que deve fazer para ter a vida eterna.”
Cardeal
José Saraiva Martins – Mensagem durante a beatificação – 26 de outubro de 2007
Franz
J Jagerstatter nasceu a 20 de Maio de 1907 em St. Radegung, na Alta Áustria.
Durante a sua adolescência e juventude distinguiu-se dos seus companheiros pela
alegria, pela vivacidade e pelo particular aspecto exterior, que o tornava
fascinante e atraente; não obstante na sua jovem idade houvesse um certo
interesse pela vida superficial, o Servo de Deus permanecia fortemente ancorado
nos princípios da fé, rezando todos os dias e aproximando-se dos sacramentos.
Em
1931, após uma permanência de três anos em Eisenerz, Franz foi obrigado a
regressar a casa, pois seu pai tinha sido atingido pela tuberculose, e a partir
daquele momento caberia a ele a gestão da quinta de família.
Em
1933 nasceu Hildegard, filha que reconheceu e amou muito, fruto da sua relação
clandestina com a Sr. Auer, doméstica da casa. Em 1936, casou com Franziska
Schwaniger e dessa união nasceram três filhas. Os cônjuges distinguiam-se na
paróquia que frequentavam por serem católicos praticantes e profundamente
devotos, e estavam entre os poucos que recebiam quotidianamente a sagrada
comunhão.
Aos
primeiros sinais da chegada do regime totalitário do Führer, o Servo de Deus
fez oposição ao nascente partido nazista e às suas ideologias. Era tão grande a
sua aversão por tudo o que fosse contrário aos ideais e princípios católicos
que não só deixou de expor as próprias ideias mas também, com singular coragem,
rejeitava fazer a saudação nazista. Pode ser definido como um
"resistente" ao nazismo, um simples camponês que representou uma das
pouquíssimas testemunhas que em terra alemã tenha ousado opor-se ao regime de
Hitler. Jagerstatter foi a única pessoa em todo seu povoado que repudiou e
votou contra a anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938. Estava
consternado ao ver que muitos católicos apoiavam os nazistas. Inclusive um
cardeal exigiu que todas as paróquias erguessem a bandeira nazista em suas
igrejas no dia do aniversário de Hitler.
“Dificilmente
poderia existir uma hora mais triste para a fé cristã em nosso país”, escreveu
o pai de família.
Ele
sentiu naquele momento que não podia chamar a si mesmo de discípulo de Cristo
se aceitasse os mandatos de um regime ao qual considerava “satânico”.
A
princípio, parecia que ser agricultor lhe impediria de lutar pelo exército da
Alemanha, pois requeriam a produção de grandes quantidades de alimentos.
Infelizmente, em 1943, a necessidade de mais soldados aumentou e Jagerstatter
foi chamado ao serviço ativo.
Dirigiu-se
ao centro de indução e anunciou que não lutaria, por isso, foi enviado à prisão
militar de Linz. “Estou convencido de que a melhor decisão é dizer a verdade,
embora corra perigo de vida”, escreveu.
Amigos,
familiares e até mesmo o Bispo local visitaram Jagerstatter na prisão, tentando
convencê-lo a se alistar, mas ninguém lhe deu um argumento convincente para que
desistisse de suas convicções morais e religiosas ao fazer uso da objeção de
consciência.
Em
vez disso, todos tentaram convencê-lo de que Deus não o tornaria responsável
por fazer o que o obrigavam. Mas não o convenceram.
“Desde
a morte de Cristo, cada século foi testemunha da perseguição dos cristãos;
sempre houve heróis e mártires que entregaram sua vida – normalmente de
maneiras horríveis – por Cristo e sua fé. Se esperamos chegar à nossa meta algum
dia, então nós também devemos chegar a ser heróis dá fé”, escreveu Franz
Jagerstatter.
A
escolha e a vida de Franz estão relacionadas com uma radicalidade evangélica
que não admite réplica, ao contrário, provoca e questiona. O seu pároco, Josef
Karobath, após o debate decisivo em 1943, realizado poucos dias antes da
chamada ao alistamento, comentou: "Ele deixou-me sem palavras, porque
tinha as melhores argumentações. Queríamos fazê-lo desistir mas derrotou-nos
sempre ao citar as Escrituras".
Havia
em Franz uma serenidade, meditada e sofrida, devido a adesão ao pleno
significado da mensagem evangélica: nele a coerência tornou-se um fator
distintivo, não por preconceitos ideológicos ou por um pacifismo abstrato, mas
porque se deixou conduzir pela adesão concreta e vivida aos valores, aos
significados, às exigências daquilo em que acreditava.
Franz
Jägerstätter foi processado pelo tribunal marcial de Berlim e condenado à morte
a 6 de Julho de 1943 porque reconhecido culpado do delito de reticência ao
recrutamento militar. Foi esta a motivação oficial, que porém subentende outra,
a verdadeira: era culpado por não ter renunciado â sua profissão de fé. Foi
guilhotinado em Brandeburgo a 9 de Agosto de 1943. Suas últimas palavras
registradas antes de morrer na guilhotina foram: “Estou completamente unido em
união interior com o Senhor”.
Durante o Concílio Vaticano
II, o testemunho de Jagerstatter ajudou a dar forma à seção do documento Gaudium et spes que
menciona as objeções de consciência à guerra.
Foi beatificado no dia 26 de
outubro de 2007 e a sua esposa Franziska, de 94 anos, suas filhas, netos e bisnetos
participaram da cerimônia.
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