A Igreja no Brasil dedica o
mês de setembro a Bíblia. É um dos meses temáticos e que nos motiva a viver
acolhendo sempre em nossas vidas a Palavra de Deus. No último domingo deste mês
comemoraremos também o Dia Nacional da Bíblia. Toda essa motivação vem do fato
da Igreja celebrar em 30 de setembro a memória do grande santo e doutor da
Igreja, São Jerônimo, que a pedido do Papa Dâmaso (366-384) preparou uma
tradução da Bíblia em latim, a partir do hebraico e do grego; a chamada
Vulgata. Foi um trabalho gigantesco que demandou cerca de 35 anos isolado nas
grutas de Belém, onde ele fazia esse oficio, vivendo uma austera vida de oração
e penitência.
Conhecer a Palavra de Deus é fundamental para todo
cristão. A Carta aos hebreus diz que “a Palavra de Deus é viva, eficaz, mais
penetrante do que uma espada de dois gumes, e atinge até à divisão da alma e do
corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração”
(Hb 4,12). Jesus conhecia profundamente as Escrituras (o Antigo
Testamento). Isso é o suficiente para que todos nós façamos o mesmo. Na
tentação do deserto ele venceu o demônio lançando em seu rosto, por três vezes,
a santa Palavra. Quando o tentador pediu que Ele transformasse as pedras
em pães, para provar Sua filiação divina, Jesus lhe disse: “O homem não vive só
de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (Dt 8,3c).
A palavra de Deus é transformadora, santificante. São
Paulo explica isso a seu jovem discípulo Timóteo, com toda convicção: “Toda a
Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para persuadir, para
corrigir e formar na justiça” (2Tm 3,16). Ela é, portanto, um instrumento
indispensável para a nossa santificação. Não conseguiremos ter “os mesmos
sentimentos de Cristo” (Fl 2,5) sem ouvir, ler, meditar, estudar e conhecer a
sua santa palavra. São Jerônimo, dizia que “quem não conhece o Evangelho não
conhece Jesus Cristo”. Jesus nos ensina que “a Escritura não pode ser
desprezada” (Jo 10,34). São Paulo recomendava a Timóteo”: “aplica-te à leitura
da Palavra” (1Tm 4,13). Ela não é palavra humana, mas “palavra de Deus… que age
eficazmente em vós” (1Ts 2,13).
Para termos os textos bíblicos hoje traduzidos em nossas
línguas vernáculas temos que reportar ao grande homem que foi o grande tradutor
dos originais para a língua da época, e que para ser fiel ao contexto, também
viveu na Terra Santa dezenas de anos: São Jerônimo (347-420), chamado de
“Doutor Bíblico”. Ele nasceu na Dalmácia e educou-se em Roma; é um dos Padres
da Igreja latina; sabia o grego, latim e hebraico. Em sua juventude dedicando
muito tempo a autores clássicos, quase nunca encontrava ocasião para as
leituras cristãs. Totalmente posto nessa situação nada conveniente, ele,
contudo, não tinha rompido com os princípios que conhecera na infância, não
havia, de todo, cortado os laços com suas raízes cristãs. Tempos mais tarde,
Jerônimo admitiu que essa sua atitude o tinha colocado fora do verdadeiro
caminho. Apesar disso ele recordava também que Deus não o havia abandonado
nunca e que o guiava constantemente. Foi por essa ocasião que ele tornou-se
catecúmeno. Continuava seus estudos e preparava-se para ser batizado. Seus
domingos em Roma consistiam em constantes visitas às catacumbas. Ali ele
meditava sobre a fé dos mártires, admirava a atitude deles e venerava suas
relíquias.
Jerônimo recebeu o santo batismo na idade adulta. Ele foi
batizado pelo Papa Libério. Já como cristão batizado, ele fez uma viagem de
estudos pelas Gálias. Para acompanhá-lo levou consigo seu irmão de leite
Bonoso. Jerônimo quis visitar Jerusalém. Queria caminhar pela Terra Santa,
venerar os lugares que foram santificados pela presença de Nosso Senhor.
Aproveitou a ocasião de sua estada em Jerusalém para aprofundar seus
conhecimentos da língua hebraica, ele desejava ter um meio a mais para conhecer
melhor as Sagradas Escrituras. Assim, poderia ter mais segurança nas respostas
às questões que o Papa São Dâmaso lhe fazia constantemente a respeito de
passagens difíceis dos Livros Sagrados.
Depois viveu alguns anos na Palestina como eremita. Em
379, foi ordenado sacerdote pelo bispo Paulino de Antioquia; foi ouvinte de São
Gregório Nazianzeno e amigo de São Gregório de Nissa. De 382 a 385 foi
secretário do Papa São Dâmaso. Pregava o ideal de santidade entre as mulheres
da nobreza romana (Marcela, Paula e Eustochium) e combatia os maus costumes do
clero. Na figura de São Jerônimo destacam-se a austeridade, o temperamento
forte, o amor a Igreja e à Sé de Pedro.
Seus últimos 35 anos ele os passou em uma grande cova,
próxima à Gruta do Presépio. Ali continuou, até a morte, seus estudos e
trabalhos bíblicos e com muita energia ainda escrevia contra os hereges que se
atreviam a negar as verdades da Santa Igreja Católica, entre eles Helvídio e
Joviano. No dia 30 do mês de setembro do ano 420, falece São Jerônimo. Contudo,
o trabalho de São Jerônimo abrangeu praticamente sua vida toda. Ele escrevia
com elegância clássica o latim e traduziu a Bíblia inteira. Daí foi que surgiu
a texto da Bíblia conhecido como “Vulgata”, que significa “de uso comum” ou
ainda a língua “vulgar” da época. Essa tradução foi usada largamente em quase
quinze séculos. Seu texto tornou-se oficial com o Concílio de Trento e só cedeu
o lugar nos últimos tempos, depois de estudos linguísticos exegéticos mais
recentes.
A luz da Palavra de Deus nos ajuda a refletir “sobre os
diversos problemas humanos e amadurecer opções responsáveis inspiradas no amor
universal de Cristo”.(Cf. Ecclesia in America, 41). Colocando a Palavra de Deus
em concreto na nossa ação pastoral nós vamos assumir a realidade (encarnação) e
anunciar o Reino de Justiça e Vida (redenção) respondendo aos desafios que nos
apresenta a sociedade (evangelização).
O contato direto, orante e contextual com a Palavra de
Vida que a Sagrada Escritura oferece, deve conduzir-nos a um compromisso sério
de fraternidade e solidariedade. Um importante desafio da animação bíblica é
implementar caminhos e meios que ajudem a impulsionar e iluminar a ser uma
Igreja em saída, comprometida com os mais pobres e humildes, samaritana quando
enxuga a dor dos que sofrem e vivem à margem da sociedade, mais profundamente
comprometida com uma renovação, Igreja sempre em reforma, para atualizar a
Palavra de Deus, que é lâmpada para os nossos pés e luz para os nossos
caminhos.
Cardeal
Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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