Hoje, a Igreja recolhe-se em oração pelos seus filhos que já partiram
desta vida. Para os cristãos, não se trata de um simples dia de saudade, mas de
oração pelos fiéis de Cristo que já partiram para a Casa do Pai na firme
esperança da ressurreição. Vêm à nossa mente e ao nosso coração tantas
perguntas:
Que é a morte?
Que é a vida que termina com a morte?
O que há após a morte?
São interrogações que devemos responder à luz da fé.
Num mundo que já não crê e não tem quase nada a dizer sobre a vida e
sobre a morte, a Palavra de Deus nos ilumina: “Irmãos, não queremos que
ignoreis o que se refere aos mortos, para não ficardes tristes como os outros,
que não têm esperança” (1Ts 4,13). O cristão não pode encarar a morte
como os pagãos; nós temos uma esperança, e ela se chama Jesus Cristo, aquele
que disse “eu sou a Ressurreição, eu sou a Vida” (Jo 11,25)!
Recordemos algumas certezas fundamentais da nossa fé:
Deus é vida, criou tudo para a vida. Ele não é o autor da morte, não
entende nada de morte, não tem parte com a morte (cf. Sb 1,13-15). Pelo contrário,
a morte é a separação do Deus da vida, como as trevas são a separação da luz do
sol. “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de
sua própria natureza; foi por inveja do Diabo que a morte entrou no mundo:
experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sb 2,23s). Deus pensou
para nós somente o bem e a felicidade com ele! O homem, ao fechar-se desde o
princípio, para o Deus da vida, desarrumou-se, desaprumou-se e passou a
experimentar sua vida como uma morte: desequilíbrio, dor, egoísmo, solidão,
medo, doença, falta de sentido e, finalmente, a morte física... O salário do
nosso pecado foi uma situação de morte, de infelicidade, de incoerência e
tristeza, que culmina com a morte física. Basta olhar o mundo ao nosso redor!
Isto não significa que, se não tivéssemos pecado, viveríamos aqui para
sempre. Deus não nos criou para vivermos aqui indeterminadamente: “O
Senhor tirou o homem da terra e a ela faz voltar novamente. Deu aos homens
número preciso de dias e tempo determinado” (Eclo 17,1s). Deus nos deu
um número preciso de dias, um tempo de vida. Mas, uma coisa é certa: sem o
pecado, vivendo na amizade com Deus e na harmonia com os outros e o mundo,
nossa morte não teria o gosto amargo de morte. Se hoje a morte tem um aspecto
trágico, é porque está ligada ao pecado, ao nosso afastamento de Deus. Por isso
a morte nos mete medo e, muitas vezes, é sentida como uma ameaça de cair no
nada.
Mas, Deus não nos abandonou à morte: ele nos enviou o seu Filho, em tudo
igual a nós, menos no pecado. Ele tomou sobre si as nossas dores, viveu nossa
vida mortal, de incertezas, de tristezas, de angústias, de morte. Morrendo de
nossa morte, ele foi ressuscitado pelo Pai na força do Espírito Santo. Morrendo
da nossa morte, ele nos deu a possibilidade e a graça de morrer como ele e com
ele ressuscitar da morte: “Eu sou a ressurreição! Quem crê em mim,
ainda que esteja morto viverá!” (Jo 11,25). Desde o Batismo, unidos a
Cristo morto e ressuscitado, alimentados pelo seu corpo e sangue na Eucaristia,
sabemos que “nem a morte nem a vida nem criatura alguma nos poderá
separar do amor de Cristo” (Rm 8,38s).
Esta é a nossa esperança: vivermos unidos a Cristo já agora e, após a
nossa morte, ressuscitar nele e com ele, nele e como ele! Como o Senhor foi
glorificado no seu corpo e na sua alma pela potência do Espírito Santo, assim
também nós seremos glorificados: logo após a nossa morte, na nossa alma, nunca
mais sentiremos o medo, a tristeza, a dor, o pranto... e, no fim dos tempos,
também no nosso corpo mortal seremos glorificados:“semeado corruptível,
ressuscitará corpo incorruptível; semeado desprezível, ressuscitará reluzente
de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado psíquico,
ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,42-44). Sermos glorificados
significa entrar na plenitude de Cristo, na alegria de Cristo, na eternidade de
Cristo! Isto, para nós, é o Paraíso: estar para sempre com o Senhor!
Irmãos, Irmãs, rezemos hoje pelos nossos queridos que já morreram;
rezemos por todos os fiéis que já partiram para o Cristo: que recebam o perdão
de seus pecados e entrem na plenitude de Deus. A Sagrada Escritura diz que “é
um santo e piedoso pensamento rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus
pecados” (2Mc 12,46). Que nosso carinho e nossa saudade sejam acompanhados
pela nossa piedosa oração, cheia de esperança na ressurreição.
Mas, pensemos também na nossa vida, no destino que estamos dando à nossa
existência, pois nosso encontro com o Senhor é preparado no dia-a-dia, nos
pequenos momentos de nosso caminho neste mundo. São Bernardo de Claraval
afirmava que nossa vida neste mundo é semente de eternidade. Pois bem!
Estejamos atentos para viver de tal modo, que nossa vida seja uma amizade com
Deus que começa aqui e se consumará na glória!
Voltemos nosso olhar e nosso pensamento para Cristo, vencedor da nossa
morte. As palavras do Prefácio da missa de hoje são tão consoladoras: Em Cristo “brilhou
para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da morte
entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que creem em
vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal,
nos é dado nos céus, um corpo imperecível”.Que o Senhor realize a nossa
esperança e que nós vivamos de tal modo, que sejamos dignos dela!
Descanso eterno dai-lhes, Senhor!
Da luz perpétua, o resplendor!
Que suas almas descansem em paz.
Assim seja!
Da luz perpétua, o resplendor!
Que suas almas descansem em paz.
Assim seja!
Dom
Henrique Soares
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