terça-feira, 9 de setembro de 2014

São Pedro Claver

Nascido em Verdú, pequena cidade espanhola da Catalunha, em 1580, Pedro Claver sentiu- se chamado para a vida religiosa desde tenra infância. Aos 22 anos de idade, bateu às portas do noviciado da Companhia de Jesus.

Dois anos mais tarde, a fim de completar os estudos de Filosofia, foi enviado por seus superiores ao Colégio de Montesion, na ilha de Maiorca. Deuse, então, um providencial encontro que marcaria de modo indelével a vida de Pedro e firmaria definitivamente sua vocação.

Nesse colégio habitava um venerável ancião, simples irmão coadjutor e porteiro da casa, que séculos depois seria canonizado e viria a ser uma das glórias da Ordem: Santo Afonso Rodríguez.

"O que devo fazer para amar verdadeiramente a Nosso Senhor Jesus Cristo?" - perguntava o estudante. E Santo Afonso não se contentava em dar um simples conselho, mas descortinava os ilimitados horizontes da generosidade e do holocausto: "Quantos que vivem ociosos na Europa, poderiam ser apóstolos na América! Não poderá o amor de Deus sulcar esses mares que a cobiça humana soube cruzar? Não valem também aquelas almas a vida de um Deus? Por que tu não recolhes o Sangue de Jesus Cristo?"
As ardentes palavras do velho porteiro acenderam labaredas de zelo que acabariam por consumir o coração de Pedro Claver.

Nessa época, o irmão Afonso foi favorecido por Deus com uma mística visão: sentiu-se arrebatado até o Céu onde contemplou incontáveis tronos ocupados pelos bem-aventurados e, no meio deles, um trono vazio. Escutou uma voz que lhe dizia: "É este o lugar preparado para teu discípulo Pedro, como prêmio de suas muitas virtudes e pelas inúmeras almas que converterá nas Índias, com seus trabalhos e sofrimentos".

No dia 23 de janeiro de 1610, o superior provincial, atendendo a seus pedidos, enviou-o como missionário para a América do Sul. E no final desse mesmo ano, após longa travessia, aportou na cidade de Cartagena, uma das mais importantes do Império Espanhol do além-mar.

Terminada sua formação teológica na casa de formação dos jesuítas na província da Nova Granada, recebeu finalmente o Sacramento da Ordem no dia 19 de março de 1616 e celebrou sua primeira Missa diante da imagem da Virgem dos Milagres a quem professaria sempre uma ardorosa e filial devoção.

A cidade de Cartagena constituía, nessa época, um dos pontos principais de comércio entre a Europa e o novo continente, e juntamente com Veracruz, no México, eram os dois únicos portos autorizados para a introdução de escravos africanos na América Espanhola. Calcula-se que cerca de dez mil escravos chegavam anualmente a esta cidade, trazidos por mercadores, geralmente portugueses e ingleses, que se dedicavam a este vil e cruel comércio.


Esses pobres seres, arrancados das costas da África, eram trazidos no fundo dos porões dos navios para serem vendidos como simples objetos e finalmente destinados ao trabalho nas minas e nas fazendas onde, depois de haver vivido sem esperança, morriam miseravelmente sem o auxílio da religião.

Levando em sua mão direita um bastão encimado por uma cruz e um belo crucifixo de bronze pendurado no pescoço, saía Pedro Claver todos os dias para catequizar os escravos. Calores extenuantes, chuvas torrenciais, críticas e incompreensões até dos próprios irmãos de vocação, nada arrefecia sua caridade.
Com freqüência batia nos pórticos senhoriais da cidade pedindo doces, presentes, roupas, dinheiro e almas decididas que o auxiliassem em seu duro apostolado. E não poucas vezes nobres capitães, cavaleiros e senhoras ricas e piedosas o seguiam até as míseras moradias dos escravos.

Entrando nesses lugares, seu primeiro cuidado dirigia-se sempre aos doentes. Lavava-lhes o rosto, curava suas feridas e chagas e repartia comida aos mais necessitados. Apaziguadas as penalidades do corpo, reunia então a todos em torno de um improvisado altar, os homens de um lado e as mulheres de outro, e iniciava a catequese que ele sabia colocar maravilhosamente ao alcance da curta inteligência dos escravos. Pendurava à vista de todos uma tela pintada com a figura de Nosso Senhor crucificado, com uma grande fonte de sangue correndo de seu lado ferido; aos pés da Cruz, um sacerdote batizava com o Sangue Divino vários negros.

Dizia-lhes, então, que deveriam esquecer todas as superstições e ritos que praticavam nas tribos e lugares de origem, e lhes repetia isso muitas vezes.
Depois lhes ensinava a fazer o sinal-da-cruz e lhes explicava paulatinamente os principais mistérios da nossa Fé: Unidade e Trindade de Deus, Encarnação do Verbo, Paixão de Jesus, mediação de Maria, Céu e inferno.

Pedro Claver compreendia bem que eles não podiam assimilar idéias abstratas sem a ajuda de muitas imagens e figuras. Por isso lhes mostrava estampas nas quais estavam pintadas cenas da vida de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, representações do Paraíso e do inferno.

Após inúmeras jornadas de árdua evangelização, batizava-os finalmente. Para celebrar este Sacramento utilizava uma jarra e uma bacia de fina porcelana chinesa, e queria que os escravos estivessem limpos. Introduzia seu crucifixo de bronze na água, abençoava-a e dizia que agora aquele líquido era santo, e que após serem lavadas nessa água suas almas se tornariam mais refulgentes que o sol. 

"Todo o tempo livre de confessar, catequizar e instruir os negros, dedicava- o à oração", narra uma testemunha.
Repousava diariamente apenas três horas, e passava o resto da noite de joelhos em sua cela ou diante do Santíssimo Sacramento, em profunda oração, muitas vezes acompanhada de místicos arroubos. Grande adorador de Jesus na Eucaristia preparava-se todos os dias durante uma hora antes de celebrar o Sacrifício do Altar, e permanecia em ação de graças meia hora após a Missa, não permitindo que ninguém o interrompesse nesses períodos.

Ilimitada também era sua devoção a Nossa Senhora. Rezava o Rosário completo todos os dias, ajoelhado ou andando pelas ruas da cidade, e não deixava passar nenhuma festa d'Ela sem organizar solenes celebrações, com música instrumental e coral.

Após 35 anos de intenso trabalho apostólico e 70 de idade, caiu gravemente enfermo. Pouco a pouco foram-se paralisando as extremidades de seus membros, e um forte tremor agitava continuamente seu corpo extenuado. Tornou-se "uma espécie de estátua da penitência com as honras de pessoa", relata uma testemunha.
Os últimos quatros anos de sua vida, ele os passou imobilizado na enfermaria do convento. E, por incrível que pareça, este homem que havia sido a alma da cidade, o pai dos pobres e o consolador de todas as desventuras, foi completamente largado por todos e submergido no esquecimento e no abandono.

Passava os dias, os meses e os anos em silenciosa meditação, contemplando da janela da enfermaria a imensidade do mar e escutando a melodia das ondas que se rompiam contra as muralhas da cidade. A sós com a dor e com Deus, aguardava o momento do supremo encontro.

Um jovem escravo fora designado pelo superior da casa para cuidar do doente. Entretanto, esse que deveria ser enfermeiro não passava de bruto algoz. Comia a melhor parte dos alimentos destinados ao paralítico e "um dia o deixava sem bebida, outro sem pão, muitos sem comida", segundo conta uma testemunha da época. Também "o martirizava quando o vestia, governando-o com brutalidade, torcendo-lhe os braços, batendo nele e tratando-o com tanta crueldade como desprezo". Porém, nunca seus lábios proferiram a menor queixa. "Mais merecem minhas culpas", exclamava às vezes.

Certo dia de agosto de 1654, disse Claver a um irmão de hábito: "Isto se acaba. Deverei morrer num dia dedicado à Virgem". Na manhã de 6 de setembro, à custa de um imenso esforço, fez- se conduzir até a igreja do convento e quis comungar pela última vez. Quase se arrastando, aproximou-se da imagem de Nossa Senhora dos Milagres, diante da qual havia celebrado a sua primeira Missa. Ao passar pela sacristia, disse a um irmão: "Morro. Vou morrer. Posso fazer algo por vossa reverência na outra vida?" No dia seguinte, perdeu a fala e recebeu a Unção dos Enfermos.

Sucedeu, então, algo de extraordinário e sobrenatural. A cidade de Cartagena pareceu acordar de uma longa letargia e por todos os lados corria a voz: "Morreu o santo!" E uma multidão dirigiu-se para o colégio dos jesuítas, onde agonizava Pedro Claver.
Todos queriam beijar suas mãos e seus pés, tocar nele rosários e medalhas. Distintas senhoras e pobres negras, nobres, capitães, meninos e escravos desfilaram nesse dia diante do santo, que jazia sem sentidos em seu leito de dor. Só às 9 horas da noite os padres conseguiram fechar as portas e assim conter aquela piedosa avalanche.
E assim, entre 1h e 2h da madrugada de 8 de setembro, festa da Natividade de Maria, com grande suavidade e paz, o escravo dos escravos adormeceu no Senhor. 

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