"Na verdade,
apresentar completamente a figura de São Mateus é quase impossível, porque as
notícias que lhe dizem respeito são poucas e fragmentadas. Mas o que podemos
fazer, não é tanto um esboço da sua biografia, mas ao contrário o perfil que o Evangelho
transmite.
Entretanto, ele
está sempre presente nos elencos dos Doze escolhidos por Jesus. O seu nome
hebraico significa "dom de Deus". O primeiro Evangelho canónico, que
tem o seu nome, apresentando-o no elenco dos Doze com uma qualificação bem
clara: "o publicano". Desta forma ele é identificado com o homem
sentado no banco dos impostos, que Jesus chama ao seu seguimento: "Partindo
dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e
disse-lhe: "Segue-me!". Ele
levantou-se e seguiu-o". Também
Marcos e Lucas narram a chamada do homem sentado no posto de cobrança, mas
chamam-no "Levi". Para imaginar o cenário descrito em Mt 9,
9 é suficiente recordar a magnífica tela de Caravaggio, conservada aqui em Roma
na Igreja de São Luís dos Franceses. Dos Evangelhos sobressai um ulterior
pormenor biográfico: no trecho que precede imediatamente a narração da
chamada é referido um milagre realizado por Jesus em e é mencionada a
proximidade do Mar da Galileia, isto é do Lago de Tiberíades. Disto pode
deduzir-se que Mateus desempenhasse a função de cobrador em Cafarnaum, situada
precisamente "à beira-mar", onde Jesus era hóspede fixo na casa de
Pedro.
Com base nestas
simples constatações que resultam do Evangelho podemos fazer algumas reflexões.
A primeira é que Jesus acolhe no grupo dos seus íntimos um homem que, segundo
as concepções em vigor na Israel daquele tempo, era considerado um público
pecador. De fato, Mateus não só administrava dinheiro considerado impuro devido
à sua proveniência de pessoas estranhas ao povo de Deus, mas colaborava também
com uma autoridade estrangeira odiosamente ávida, cujos tributos podiam ser
determinados também de modo arbitrário. Por estes motivos, mais de uma vez os
Evangelhos falam unitariamente de "publicanos e pecadores", de
"publicanos e prostitutas". Além disso eles veem nos publicanos um
exemplo de mesquinhez: amam os que os amam) e mencionam um deles, Zaqueu,
como "chefe dos publicanos e rico", enquanto a opinião popular os
associava a "ladrões, injustos, adúlteros". É ressaltado um primeiro
dado com base nestes elementos: Jesus não exclui ninguém da própria amizade. Ao
contrário, precisamente porque se encontra à mesa em casa de Mateus-Levi, em
resposta a quem falava de escândalo pelo facto de ele frequentar companhias
pouco recomendáveis, pronuncia a importante declaração: "Não
são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim
chamar os justos, mas os pecadores".
O bom anúncio do
Evangelho consiste precisamente nisto: na oferenda da graça de Deus ao pecador!
Noutro texto, com a célebre parábola do fariseu e do publicano que foram ao
Templo para rezar, Jesus indica inclusivamente um anônimo publicano como
exemplo apreciável de confiança humilde na misericórdia divina: enquanto
o fariseu se vangloria da própria perfeição moral, "o cobrador de impostos...
nem sequer ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo:
"Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador". E Jesus
comenta: "Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro
não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será
exaltado".
Na figura de
Mateus, portanto, os Evangelhos propõem-nos um verdadeiro e próprio
paradoxo: quem aparentemente está afastado da santidade pode até
tornar-se um modelo de acolhimento da misericórdia de Deus e deixar entrever os
seus maravilhosos efeitos na própria existência. Em relação a isto, São
João Crisóstomo faz uma significativa anotação: ele observa que só na
narração de algumas chamadas se menciona o trabalho que as pessoas em questão
desempenhavam. Pedro, André, Tiago e João são chamados quando estão a pescar,
Mateus precisamente quando cobra os impostos. Trata-se de trabalhos de pouca
importância — comenta Crisóstomo — "porque não há nada mais detestável do
que um cobrador de impostos e nada de mais comum do que a pesca". A
chamada de Jesus chega portanto também a pessoas de baixo nível social,
enquanto desempenham o trabalho quotidiano.
Outra reflexão, que
provém da narração evangélica, é que à chamada de Jesus, Mateus responde
imediatamente: "ele levantou-se e seguiu-o". A condensação da
frase ressalta claramente a prontidão de Mateus ao responder à chamada. Isto
significava para ele o abandono de todas as coisas, sobretudo do que lhe
garantia uma fonte de lucro seguro, mesmo se muitas vezes injusto e desonesto. Evidentemente
Mateus compreendeu que a familiaridade com Jesus não lhe permitia perseverar em
atividades desaprovadas por Deus. Intuiu-se facilmente a aplicação ao
presente: também hoje não é admissível o apego a coisas incompatíveis com
o seguimento de Jesus, como é o caso das riquezas desonestas. Certa vez Ele
disse sem meios-termos: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que
tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e
segue-me". Foi precisamente isto que Mateus fez: levantou-se e seguiu-o!
Neste "levantar-se" é legítimo ver o abandono de uma situação de
pecado e ao mesmo tempo a adesão consciente a uma existência nova, reta, na
comunhão com Jesus.
Por fim, recordamos
que a tradição da Igreja antiga concorda na atribuição a Mateus da paternidade
do primeiro Evangelho. Isto acontece já a partir de Papias, Bispo de Hierápoles
na Frígia por volta do ano 130. Ele escreve: "Mateus reuniu as palavras
(do Senhor) em língua hebraica, e cada um as interpretou como podia”.
O historiador Eusébio
acrescenta esta notícia: "Mateus, que primeiro tinha pregado aos hebreus,
quando decidiu ir também a outros povos escreveu na sua língua materna o
Evangelho por ele anunciado; assim, procurou substituir com a escrita, junto
daqueles dos quais se separava, aquilo que eles perdiam com a sua partida"
(ibid., III, 24, 6). Já não temos o Evangelho escrito por Mateus em hebraico ou
em aramaico, mas no Evangelho grego que ainda continuamos a ouvir, de certa
forma, a voz persuasiva do publicano Mateus que, tendo-se tornado Apóstolo,
continua a anunciar-nos a misericórdia salvadora de Deus e ouvimos esta
mensagem de São Mateus, meditamo-la sempre de novo para aprender também nós a
levantar-nos e a seguir Jesus com determinação."
Papa
Bento XVI 30/08/2006
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