Homilia do Papa Francisco:
As imagens utilizadas por Jesus, na primeira parte do Evangelho de hoje, deixam-nos apreensivos: o sol escurece, a lua deixa de dar claridade, as estrelas caem e as forças celestes são abaladas (cf. Mc 13, 24-25). Mas, pouco depois, o Senhor abre à esperança: será num momento assim, de total obscuridade, que há de vir o Filho do Homem (cf. Mc 13, 26); e agora já se podem contemplar os sinais da sua vinda, como quando deduzimos que o verão está próximo por ver que a figueira começa a cobrir-se de folhas (cf. Mc 13, 28).
Deste modo o Evangelho ajuda-nos a ler a história,
captando dois aspectos dela: as dores de hoje e a esperança
de amanhã. Por um lado, evocam-se todas as dolorosas contradições em que a
realidade humana vive imersa em cada tempo; por outro, há o futuro de salvação
que a espera, isto é, o encontro com o Senhor que vem para nos libertar de todo
o mal. Vejamos estes dois aspectos, com o olhar de Jesus.
O primeiro aspecto: a dor de hoje. Vivemos
numa história marcada por tribulações, violências, sofrimentos e injustiças, à
espera duma libertação que parece nunca mais chegar. E os feridos, oprimidos e
às vezes esmagados por tudo isso são sobretudo os pobres, os elos mais frágeis
da cadeia. O Dia Mundial dos Pobres, que estamos a celebrar, pede-nos que não
viremos a cara para o outro lado, não tenhamos medo de olhar de perto o
sofrimento dos mais frágeis, para os quais aparece muito atual o Evangelho de
hoje: o sol da sua vida é frequentemente obscurecido pela solidão, a lua das
suas expetativas apaga-se; as estrelas dos seus sonhos caíram na resignação e
acaba abalada a sua própria existência. Tudo isto por causa da pobreza a que
muitas vezes se veem constrangidos, vítimas da injustiça e da desigualdade duma
sociedade do descarte, que corre apressada sem os ver e, sem escrúpulos, os
abandona ao seu destino.
Em contrapartida, existe o segundo aspecto: a
esperança de amanhã. Jesus quer abrir-nos à esperança, arrancar-nos da
angústia e do medo à vista da dor do mundo. Para isso assegura-nos: ao mesmo
tempo que o sol se obscurece e tudo parece cair é precisamente quando Ele Se
faz vizinho a nós. Nos gemidos da nossa dolorosa história, há um futuro de
salvação que começa a germinar por entre os dramas da história. A esperança de
amanhã floresce na dor de hoje. Sim, a salvação de Deus não é só uma
promessa reservada para o Além, mas cresce já agora dentro da nossa história
ferida – todos temos o coração enfermo –, abre caminho
por entre as opressões e injustiças do mundo. Precisamente no meio do
lamento dos pobres, o Reino de Deus desabrocha como as folhas tenras duma
árvore e conduz a história para a meta, para o encontro final com o Senhor, o
Rei do Universo que nos libertará definitivamente.
Chegados aqui, perguntemo-nos: Que nos é pedido, a nós
cristãos, face a esta realidade? Nos é pedido para nutrir a esperança
de amanhã, curando a dor de hoje. Estão interligados: se tu não caminhas
curando as dores de hoje, dificilmente terás a esperança de amanhã. De fato,
a esperança que nasce do Evangelho não consiste em esperar passivamente por um
amanhã em que as coisas hão de correr melhor – isto não é possível –, mas em
tornar concreta hoje a promessa de salvação de Deus: hoje, cada dia... De fato,
a esperança cristã não é o ditoso otimismo, antes, diria o otimismo adolescente,
de quem espera que as coisas mudem e, entretanto, continua a ocupar-se da vida
própria, mas é construir dia a dia, com gestos concretos, o Reino do amor, da
justiça e da fraternidade que Jesus inaugurou. Por exemplo, a esperança cristã
não foi semeada pelo levita e o sacerdote que passaram ao lado daquele homem
ferido pelos ladrões. Foi semeada por um estranho, por um samaritano que parou
e realizou a ação (cf. Lc 10, 30-35). E hoje é como se a Igreja
nos dissesse: «Para e semeia esperança na pobreza. Aproxima-te dos pobres e
semeia esperança». A esperança daquela pessoa, a tua esperança e a
esperança da Igreja. A nós, é pedido isto: ser, entre as ruínas quotidianas
do mundo, construtores incansáveis de esperança; ser luz enquanto o sol se
obscurece; ser testemunhas de compaixão enquanto ao redor reina a distração;
ser amorosos e atentos, na indiferença generalizada.
Testemunhas de compaixão. Nunca poderemos fazer o bem,
sem passar pela compaixão. Quando muito, faremos coisas boas, mas que não atingem
a via cristã, porque não tocam o coração. Aquilo que nos faz tocar o coração, é
a compaixão: aproximamo-nos, sentimos compaixão e realizamos atos de ternura. Tal
é o estilo de Deus: proximidade, compaixão e ternura. É isto que nos é pedido
hoje.
Recentemente voltou-me à mente aquilo que costumava
repetir D. Tonino Bello, um bispo próximo dos pobres e ele mesmo pobre em
espírito: «Não podemos limitar-nos a esperar, devemos organizar a
esperança». Se a nossa esperança não se traduzir em opções e gestos concretos
de atenção, justiça, solidariedade, cuidado da casa comum, não poderão ser
aliviados os sofrimentos dos pobres, não poderá ser modificada a economia do
descarte que os obriga a viver à margem, não poderão florescer de novo os seus
anseios. Compete-nos, especialmente a nós cristãos, organizar a esperança –
é uma linda expressão, esta de Tonino Bello: organizar a esperança –,
traduzi-la diariamente em vida concreta nas relações humanas, no compromisso
sociopolítico. Isto faz-me pensar no trabalho que fazem tantos cristãos com as
obras de caridade, no trabalho da Esmolaria Apostólica... Que é que se faz lá?
Organiza-se a esperança. Não se dá uma moeda; organiza-se a esperança. Esta é
uma dinâmica que hoje nos pede a Igreja.
Hoje Jesus oferece-nos uma imagem simples e ao mesmo
tempo sugestiva da esperança: é a imagem das folhas da figueira, que
desabrocham sem fazer ruído, assinalando que o verão está próximo. E estas
folhas aparecem – sublinha Jesus –, quando o ramo se torna tenro (cf. Mc 13,
28).
Irmãos, irmãs, aqui está a palavra que faz germinar a
esperança no mundo e alivia a dor dos pobres: a ternura. Compaixão
que te leva à ternura. Depende de nós superar o fechamento, a rigidez interior,
que é a tentação de hoje, dos «restauracionistas» que querem uma Igreja
ordenada e rígida: isto não é do Espírito Santo. E devemos superar isto, e
fazer germinar nesta rigidez a esperança. E depende de nós também vencer a
tentação de nos ocuparmos apenas com os nossos problemas, para nos
enternecermos à vista dos dramas do mundo, compadecendo-nos da dor. À
semelhança das folhas tenras da árvore, somos chamados a absorver a poluição
que nos rodeia e transformá-la em bem: não adianta falar dos problemas,
polemizar, escandalizar-nos… (isto, todos o sabemos fazer!); o que adianta é
imitar as folhas, que sem chamar a atenção todos os dias transformam o ar
poluído em ar puro. Jesus quer-nos «conversores de bem»: pessoas que,
imersas no ar pesado que todos respiram, respondem ao mal com o bem (cf. Rm 12,
21). Pessoas que agem: partilham o pão com os famintos, trabalham pela justiça,
elevam os pobres e devolvem-lhes a sua dignidade, como fez aquele samaritano.
É bela, é evangélica, é jovem uma Igreja que sai de si
mesma e, como Jesus, anuncia a boa nova aos pobres (cf. Lc 4, 18).
Repiso o último adjetivo: é jovem uma Igreja assim; a juventude de semear
esperança. Esta é uma Igreja profética, que diz, com a sua presença, aos
corações desanimados e aos descartados do mundo: «Coragem, o Senhor está
próximo! Também para ti há um verão que desabrocha no coração do inverno. Mesmo
da tua dor, pode ressurgir esperança». Irmãos e irmãs, levemos ao mundo
este olhar de esperança. Levemo-lo com ternura aos pobres, aproximando-nos
deles, com compaixão, sem os julgar – julgados, seremos nós –. Porque lá, junto
deles, junto dos pobres, está Jesus; porque lá, neles, está Jesus, que nos
espera.
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