A rainha Ranavalona I reinou em Madagascar de
1828 a 1861. Inimiga implacável da religião cristã, venerava os sampy (uma
espécie de ídolos) e seguia, como proteção da sua pessoa e do seu reino,
milhares de práticas de superstição. A família mais poderosa e mais próxima da
rainha era a de Victoire Rasoamanarivo. O seu avô, Rainiharo, foi
primeiro-ministro da soberana durante mais de vinte anos. Dois dos seus filhos,
Raharo e Rainilaiarivony, sucederam-lhe nas suas funções.
Rainiharo teve uma filha de nome Rambahinoro.
Do casamento dessa filha com um primo nasceu Victoire Rasoamanarivo, terceira
de sete ou oito filhos. Nascida em 1848, com a revolução industrial,
proletária, e o despertar das nacionalidades, também Victoire adotará um
comportamento que terá um forte impacto no seu ambiente, determinando o seu
destino e a admiração que acabará por suscitar.
Victoire tinha treze anos quando os primeiros
missionários católicos chegaram a Tananarive (hoje Antananarivo), em novembro
de 1861, após a morte da rainha Ranavalona I. Foi uma das primeiras alunas das
Irmãs de São José de Cluny, distinguindo-se pela sua modéstia e devoção,
sobretudo pela assiduidade com que assistia à Missa todas as manhãs.
Foi batizada a 1 de novembro de 1863, aos
quinze anos, fez a sua primeira comunhão a 17 de janeiro do ano seguinte e,
alguns meses mais tarde, a 13 de maio, contando dezesseis anos, foi dada em
casamento a Radriaka, seu primo. Com essa idade, afirmaria mais tarde,
desejaria tornar-se religiosa, acrescentando, porém, que a Providência tinha
decidido de outra maneira.
Todavia, a sua nova condição não a separou das
irmãs. Continuou a frequentar a escola, visto que os trabalhos domésticos
estavam a cargo da criadagem. Foi assim que começaram as dificuldades, porque
os pais e as famílias de ambos tentaram convertê-la ao Protestantismo, religião
do Estado e da alta sociedade.
O calvário de Victoire começou nesse momento,
mas ela mostrou-se irrepreensível e paciente. Não se lamentava, mas chamava a
atenção do marido para o mal que as famílias estavam a fazer à sua dignidade de
mulher. O marido, consciente de que Victoire tinha razão, por vezes
ajoelhava-se a seu lado para rezar.
O destino tomou a forma paradoxal da
esterilidade conjugal: Victoire experimentou toda a amargura do estigma social
associado a essa condição, interrogando-se por isso se tal não seria resultado
de uma má conduta esponsal. Rejeitada pelos seus, Victoire começou a fazer da
Igreja a sua segunda morada. Passava aí sete ou oito horas por dia,
encaminhando-se para lá às quatro da manhã, ao longo de todo o ano e apesar de
todas as ameaças.
Tinha criado um oratório em casa, onde muitas
vezes passava o tempo de joelhos, prolongando as suas orações até altas horas
da noite. Tinha uma especial devoção pela Virgem Santa, pelo que o rosário
nunca deixava as suas mãos. Aquela vida de oração, longe de absorvê-la em
detrimento dos outros deveres, ajudava-a a cumpri-los com total dedicação.
Governava sua casa, que compreendia cerca de
trinta servos. Era assídua nas visitas aos doentes, sem qualquer distinção de
classe, dava esmolas com frequência e recebia pobres e doentes em sua casa.
Quando a Congregação laical da Virgem Santa foi fundada, em 1876, Victoire foi
sua presidente, esforçando-se por infundir nas suas companheiras o zelo pela
caridade.
Criou um ateliê destinado à confecção de roupas
para os pobres e os leprosos. Além disso, ajudou as igrejas pobres; mandou
construir a capela da cidade sagrada, Ambohimanga. Na qualidade de membro da
família do primeiro-ministro, Victoire era dama da Corte. Forçada a
apresentar-se no palácio, ia lá como cristã, com o seu rosário na mão, bem à vista,
e rezava antes e depois das refeições.
Ao ouvir tocar o sino, pedia desculpa e saía
para se recolher num lugar à parte e rezar o Angelus. E quando a interrogavam
sobre a razão de tal conduta, respondia simplesmente: É um costume nosso,
dos católicos!
Nela não havia rigidez, ostentação ou
intolerância, mas apenas fé, fidelidade a Deus e respeito absoluto pelos
outros. Aquilo que mais suscitava a admiração da Corte era a heroica paciência
demonstrada por Victoire, durante quase três anos, frente ao seu indigno
marido. Nunca ninguém a ouviu proferir a mínima queixa contra ele. Todavia, as
suas atitudes abusivas eram de tal ordem que o primeiro-ministro, de acordo com
a rainha, tentou separar Victoire dele, mediante o divórcio. Mal Victoire teve
conhecimento de tal projeto, lançou-se aos pés do sogro suplicando-lhe que
renunciasse à sua decisão, pois, dizia ela, o matrimônio católico é
indissolúvel.
Em 25 de maio de 1883 deflagrou uma perseguição
contra a missão católica e, depois de terem sido expulsos todos os missionários
franceses, os fiéis católicos viriam a ser acusados como traidores dos costumes
da ilha e, portanto, da sua pátria. No mesmo dia em que os missionários saíram
de Tananarive, uma ordem emitida por uma autoridade desconhecida, divulgada por
todos os funcionários civis e religiosos, proclamava que, sendo o Catolicismo a
religião dos inimigos da pátria, os seus adeptos seriam considerados traidores.
No domingo seguinte ao êxodo dos missionários,
os católicos olhavam com tristeza para as suas igrejas fechadas, mas nem sequer
se atreviam a aproximar-se delas.
Às nove da manhã, Victoire chegou diante da
catedral. Ao vê-la fechada, enviou uma mensagem ao primeiro-ministro
perguntando-lhe se uma ordem emitida pela rainha proibia os católicos de entrar
na igreja. Não tinha havido nenhuma ordem real a esse respeito. Então Victoire,
aproximando-se do oficial que liderava os guardas, ordenou que se abrissem as
portas. Se vos opuserdes pela força, o meu sangue será o primeiro que
tereis de derramar. Não tendes direito algum de nos impedir de entrar nas
nossas igrejas para rezar.
As portas foram abertas. Victoire foi a
primeira a entrar, sendo seguida por um grande número de cristãos. Era uma
primeira vitória, a vitória mais importante, visto que, com ela, se estabelecia
o princípio da liberdade da oração.
Durante a guerra franco-malgaxe, a
nacionalidade francesa dos missionários pôs em risco o futuro do Catolicismo,
como religião do agressor. Victoire não tinha preconceitos em relação aos
missionários franceses, com os quais mantinha ótimas relações, mas tinha
pedido, escrevendo para o estrangeiro e tendo em conta a situação local, que
fossem enviados para ali missionários católicos, mas ingleses.
Ora, a expulsão abarcou tanto os missionários
franceses como o único inglês do grupo, o que tornou patente a oposição ao
Catolicismo em si, independentemente da nacionalidade dos missionários.
O padre Caussèque, pároco da catedral, tinha
fundado uma associação de homens chamada União Católica. Esta associação devia
ser o instrumento do qual Victoire se viria a servir para manter a fé e a
prática do culto em toda a missão. Os membros da União Católica reabriam as
capelas, reuniam os cristãos e restauravam as escolas.
Não foi tarefa fácil. Victoire viu-se forçada a
visitar os principais ambientes para infundir coragem nos débeis com a sua
presença. Alguns relatos da época descrevem as manifestações de entusiasmo que
tais visitas suscitavam. Tende confiança, dizia Victoire, a
religião católica não é proibida. Os franceses partiram, mas a religião
permanece.
Quando os missionários regressaram ao seu
posto, Victoire retomou a sua vida simples, modesta e humilde.
A única coisa que ainda a preocupava era a
conversão do seu marido. Rezava e punha outros a rezar por essa intenção. A sua
última obra de “maternidade espiritual” teve precisamente que ver com o seu
marido. Uma noite levaram-no para casa embriagado, depois de uma queda que
viria a revelar-se fatal. Victoire convenceu-o a receber o Batismo, que lhe foi
administrado no seu leito de morte, em 1887.
Como viúva, usou luto até morrer, seis anos
mais tarde. Mandou dizer numerosas missas pelo repouso da alma do marido, e
aproveitou a ocasião desse luto para usar roupa ainda mais simples e para se
retirar quase completamente da Corte. Os seus filhos mais queridos eram os
humildes: doentes, desfavorecidos, presos cruelmente acorrentados, leprosos
continuamente atormentados pelo seu mal, marginalizados pela sociedade.
Após uma brevíssima doença, Victoire morreu a
21 de agosto de 1894. Dois meses depois, os missionários retomaram o caminho do
exílio, que durou até ao fim de 1895. No seu leito de morte, Victoire ergueu as
mãos ao céu, segurando o rosário, e pronunciando por três vezes Mãe, mãe,
mãe, expirou.
Foi
beatificada pelo Papa João Paulo II a 30 de abril de 1989, em Antananarivo. A
Igreja Católica celebra-a a 21 de agosto.
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