Lucien Botovasoa nasceu no ano de 1908 em Madagascar.
Os seus pais eram camponeses pobres, como tantos outros da região, sempre
dependentes dos riscos associados ao clima. Seguiam a religião tradicional, mas
tinham uma mentalidade aberta. Quando os habitantes da aldeia descobriram a fé
cristã, muitos deles converteram-se e pediram o Batismo. Entre estes contava-se
também Lucien Botovasoa, batizado a 15 de abril de 1922, Sábado Santo, com
treze anos de idade, antes dos seus pais, que se converteram à fé cristã muito
mais tarde.
Lucien Botovasoa foi crismado no ano seguinte,
a 2 de abril de 1923. Desde a sua infância, Lucien desejava viver a sua fé com
empenho e seriedade. O ideal de vida de Lucien era ser um bom cristão, apóstolo
de Jesus no coração do mundo. Aquilo que mais caracterizou o martírio de Lucien
foi o amor pelos seus compatriotas e pelos seus perseguidores. Não foi por
acaso que recebeu o cognome de Rabefihavanana, o Reconciliador.
Seguia o lema dos padres jesuítas, Ad
majorem Dei gloriam, e tendo obtido o diploma do magistério, que lhe
permitiria ensinar, regressou a Vohipeno como vice-diretor da escola paroquial
e professor.
Era um pedagogo maravilhoso e um professor excepcional,
competente, consciencioso e cheio de zelo na forma de explicar aos seus alunos,
com clareza e doçura, todas as matérias escolares. No entanto, também era um
mestre cristão, preocupando-se sempre com a educação religiosa das crianças, às
quais ensinava o catecismo quer nas horas escolares quer depois das aulas.
Todas as tardes, depois da escola, lia as
histórias dos santos àqueles que o desejavam. Aquilo de que mais gostava era
das vidas dos mártires: sabia contá-las a quem o escutava com um fervor muito
particular, que inflamava os corações.
Em 10 de outubro de 1930, Lucien casa-se pela
Igreja com Suzanne Soazana. Tiveram oito filhos, dos quais apenas cinco
sobreviveram. Lucien amava os seus filhos, educava-os e ensinava-os a rezar. No
entanto, também dedicava imenso tempo aos filhos dos outros, visitando os
doentes, dando aulas à noite e animando vários grupos aos quais dava catequese:
os Cruzados do Coração de Jesus, em que ingressara, a Guarda de Honra do
Sagrado Coração de Jesus e os Jovens Católicos Malgaxes.
Suzanne gostaria que o marido trocasse o ofício
de professor pelo de contabilista. Lucien, porém, continuava o seu serviço de
formação na vida cristã com alegria e generosidade. O lugar em que o viam com
mais frequência era a igreja: Lucien tocava acordeão e dirigia o coro, não só
durante a missa dominical, mas também diariamente, na missa das seis da manhã.
Por volta de 1940, procurando um livro sobre a
vida de um santo casado que lhe servisse de modelo, Lucien Botovasoa descobriu
a Ordem Terceira Franciscana (a partir de 1978, Ordem Franciscana Secular), e
estudou a sua Regra. Com Marguerite Kembarakala, que o tinha formado na fé,
constituiu uma primeira comunidade de irmãos em Vohipeno. A regra era muito
exigente, e Lucien aplicava-a à letra.
Lucien Botovasoa começou a destacar-se pela sua
piedade e pobreza. Levantava-se várias vezes durante a noite, rezando de
joelhos aos pés da cama; depois, às seis da manhã, dirigia-se à igreja para
fazer uma hora de meditação diante do sacrário. Às quartas e sextas-feiras
animava a refeição em família, mas, fiel à Regra, jejuava, para desagrado de
Suzanne. Em outubro de 1945 e em junho de 1946, houve eleições políticas em
Madagáscar. Os dois partidos políticos desejavam ter Lucien Botovasoa como seu
candidato. Lucien, porém, recusou categoricamente o convite de ambos,
denunciando que “a vossa política alimenta-se de mentiras e só poderá acabar
em sangue”.
No dia 30 de março de 1947, Domingo de Ramos,
enquanto Lucien participava na Santa Missa, teve de seguir o seu irmão até à
floresta, por ordem do seu pai. Os dois refugiaram-se ali quando os insurgentes
atacaram a cidade. Os combates duraram até quarta-feira. As matanças às mãos do
Partido dos Deserdados de Madagascar mancharam de sangue a Semana Santa. O
resultado foi um massacre total, com dezoito igrejas e cinco escolas
incendiadas.
Naturalmente, no dia de Páscoa não foi possível
celebrar a Eucaristia na igreja paroquial. No segundo domingo da Páscoa, Lucien
regressou à cidade depois de ter levado a sua família para um lugar seguro, na
floresta. Aí conseguiu reunir os refugiados numa oração comum, na qual
participaram católicos, protestantes e muçulmanos. Lucien comentou o Evangelho,
exortando todos a reanimar a sua própria fé e a ter coragem para enfrentar o
martírio, caso tal fosse necessário. Falava e conduzia os cânticos com uma
alegria intensa e um grande júbilo.
A 16 de abril de 1947, o rei Tsimihono,
responsável local do Movimento Democrático da Renovação Malgaxe (MDRM),
convocou toda a gente com o intuito de expulsar da cidade os inimigos do
partido, incluindo Lucien Botovasoa. Na quinta-feira, 17 de abril, o rei propôs
um posto muito importante a Lucien Botovasoa: pediu-lhe que se tornasse
secretário do MDRM, mas ele recusou. Entretanto, Lucien tinha comunicado à
mulher que ia ser condenado. Suzanne desejaria que ele se escondesse, mas
Lucien recusou e, tirando da parede uma imagem de São Francisco, disse: Será
este o meu guia.
Após um almoço sereno, em família, e depois da
oração, Lucien respondeu sem a mínima hesitação àqueles que tinham vindo para
prendê-lo: Estou pronto.
Entregou-se sem a menor resistência. Sabia que
ia ser morto e, quando o chamaram, avançou. Sentado à direita do rei, no lugar
de honra, disse em voz alta:
Sei que estais prestes a matar-me e não
me posso opor. Se a minha vida pode salvar outras, não hesiteis em matar-me. A
única coisa que vos peço é que não toqueis nos meus irmãos.
Se tivesse aceitado o cargo de secretário do
MDRM, teria salvado a sua vida. No entanto, respondia: Vós matais, queimais
as igrejas, proibis a oração, mandais espezinhar os crucifixos e destruir as
imagens sagradas, os rosários e os escapulários, quereis profanar a nossa
igreja, transformando-a num salão de baile, fazeis um trabalho sujo. Sabeis
como a religião é importante para mim: não posso trabalhar para vós.
Uns trinta rapazes de Ambohimanarivo, a maior
parte seus antigos alunos, acompanharam-no até ao Matadouro, local onde tinham
lugar as execuções, na saída sul da cidade, numa localidade chamada Ambalafary.
Lucien pedia: Dizei à minha família que não
chore porque eu estou feliz. É Deus que me leva consigo. Que os vossos corações
nunca abandonem o Senhor!
Caminhava como um homem livre, como um
vencedor. O grupo dos rapazes chegou ao lugar da execução. Três homens
designados pelo rei já estavam no seu posto. Para lá chegar, o cortejo tinha de
atravessar um canal. Antes de o atravessar, Lucien pediu que o deixassem rezar,
o que lhe foi concedido.
Ó meu Deus, perdoa aos meus irmãos, que
agora têm uma difícil missão a cumprir. Possa o meu sangue ser derramado para
salvação da minha pátria!
Lucien repetiu várias vezes estas palavras.
Também rezou em latim, e talvez tenha entoado o cântico quaresmal de que tanto
gostava: Poupa, Senhor, poupa o teu povo, faz com que a tua cólera não
permaneça para sempre sobre nós!
Em seguida quiseram ligar-lhe as mãos, mas ele
recusou. Não me ligueis para me matar. Eu ligo-me sozinho.
Cruzou os pulsos um sobre o outro, segurando na
mão a cruz do rosário que tinha ao pescoço. Já de joelhos, rezou mais uma vez,
repetindo as palavras que já dissera antes: Ó meu Deus, perdoa aos meus
irmãos…
Era o primeiro a perdoar aos verdugos,
intercedendo por eles, enquanto estes escarneciam dele: A tua oração é demasiado
longa! Acreditas que te salvará? e alguns deles, que tinham ficado na outra
margem do canal, insultavam-no aos gritos. Lucien, porém, respondia:
Ainda não acabei! Deixai-me mais um
momento.
Ergueu as mãos ao céu e prostrou-se três vezes
por terra, como Jesus durante a Paixão, depois voltou-se para eles, dizendo: Apressai-vos
agora, porque o espírito está pronto, mas a carne é fraca. Enquanto o
matavam, os verdugos zombavam da sua vítima: Agora vai tocar o teu acordeão.
Tendo expirado por amor a Cristo e à sua
Igreja, o seu corpo foi lançado ao rio Matitanana. Reconhecendo o seu martírio
e o testemunho da sua fé, a Igreja beatificou-o a 15 de abril de 2018, em
Vohipeno, no Madagascar.
Sua memória é celebrada pela Igreja no dia 17
de abril.
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