Nºs 216 a 220
Em todas
as nossas instituições, devemos desenvolver e reforçar muito mais a nossa
capacidade de recepção cordial, porque muitos dos jovens que chegam
encontram-se numa situação profunda de orfandade.
E não me refiro a certos conflitos familiares,
mas a uma experiência que atinge igualmente crianças, jovens e adultos, mães,
pais e filhos. Para muitos órfãos e órfãs, nossos contemporâneos – talvez para
nós mesmos –, comunidades como a
paróquia e a escola deveriam oferecer percursos de amor gratuito e promoção, de
afirmação e crescimento.
Hoje, muitos jovens sentem-se filhos do
fracasso, porque os sonhos de seus pais e avós acabaram queimados na fogueira
da injustiça, da violência social, do salve-se quem puder. Quanto
desenraizamento! Se os jovens cresceram num mundo de cinzas, não é fácil para
eles sustentar o fogo de grandes ilusões e projetos. Se cresceram num deserto vazio de sentido, como poderão ter vontade de
se sacrificar para semear? A experiência de descontinuidade,
desenraizamento e queda das certezas basilares, favorecida pela cultura
mediática atual, provoca esta sensação de profunda orfandade à qual devemos
responder, criando espaços fraternos e atraentes onde haja um sentido para
viver.
Criar lar é, em última análise, criar família; é aprender a sentir-se
unido aos outros, sem olhar a vínculos utilitaristas ou funcionais, unidos de
modo a sentir a vida um pouco mais humana. Criar lares, “casas de comunhão”, é permitir que a profecia encarne e torne as
nossas horas e dias menos rudes, menos indiferentes e anónimos. É criar laços
que se constroem com gestos simples, diários e que todos podemos realizar. Como
todos sabemos muito bem, um lar precisa da colaboração de todos. Ninguém pode ficar indiferente ou alheio,
porque cada qual é uma pedra necessária na sua construção. Isto implica
pedir ao Senhor que nos conceda a graça de aprender a ter paciência, aprender a
perdoar-nos; aprender cada dia a recomeçar.
E quantas
vezes temos de perdoar e recomeçar? Setenta vezes sete, todas as vezes que for
necessário. Criar laços fortes requer a confiança, que se alimenta diariamente
de paciência e perdão. Deste modo se concretiza o milagre de experimentar que,
aqui, se nasce de novo; aqui todos nascemos de novo, porque sentimos a eficácia
da carícia de Deus que nos permite sonhar o mundo mais humano e,
consequentemente, mais divino.
Neste contexto, é preciso oferecer lugares
apropriados aos jovens, nas nossas instituições: lugares que eles possam gerir
a seu gosto, com a possibilidade de entrar e sair livremente, lugares que os
acolham e onde lhes seja possível encontrar-se, espontânea e confiadamente, com
outros jovens tanto nos momentos de sofrimento ou de chatice como quando
desejam festejar as suas alegrias. Algo do gênero foi realizado por alguns
oratórios e outros centros juvenis, que em muitos casos são o ambiente onde os
jovens vivem experiências de amizade e enamoramento, onde se encontram e podem
compartilhar música, atividades recreativas, desporto e também a reflexão e a
oração com pequenos subsídios e várias propostas. Assim abre caminho aquele
indispensável anúncio de pessoa a pessoa, que não pode ser substituído por
nenhum recurso ou estratégia pastoral.
A amizade e o intercâmbio, frequentemente mesmo
em grupos mais ou menos estruturados, possibilitam reforçar competências
sociais e relacionais num contexto onde não se sentem avaliados nem julgados. A
experiência de grupo constitui também um grande recurso para a partilha da fé e
a ajuda mútua no testemunho. Os jovens
são capazes de guiar outros jovens, vivendo um verdadeiro apostolado no meio
dos seus próprios amigos.
Isso não significa que se isolem e percam todo
o contato com as comunidades paroquiais, os movimentos e outras instituições
eclesiais. Mas os jovens inserir-se-ão melhor em comunidades abertas, vivas na
fé, desejosas de irradiar Jesus Cristo, alegres, livres, fraternas e
comprometidas. Tais comunidades podem ser os canais que os levam a sentir que é
possível cultivar relações preciosas.
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