São Gaspar Bertoni
foi uma graça especial, uma "bênção do Senhor", ele pertence aquele
grupo de santos, de abençoados, de servos de Deus, que se desenvolveram
prodigiosamente na região de Veneto no início do século passado, em meio a
gravíssimas vicissitudes de guerra, devastação e pobreza. Consciente, como
outras almas escolhidas daquela época, que uma nova página da história estava
sendo escrita e uma nova cultura estava em formação, ele fez o seu melhor para
uma renovada evangelização entre o povo.
Ele estava convencido
de que a pregação era chamada para enfrentar contextos históricos e demandas
sempre diferentes, em situações de conflito, apresentando sempre novas
reflexões.
São Gaspar, dotado
com dons especiais de sabedoria e discernimento, empenhou sua força, apesar de
sua frágil saúde, em pregação intensa. Em nome do seu Bispo, trabalhou
pela formação e orientação espiritual dos seminaristas, religiosos e religiosas.
Além disso, ciente de
que o futuro da Igreja residia na formação dos jovens, que estavam mais expostos
às influências do espírito da época e mais afetados pela pobreza e pelo
empobrecimento social, São Gaspar entendia que eles tinham que estar preparados,
por um lado, para enfrentar as novas batalhas pela fé e, por outro lado, com capacidade
técnica para entrar nas novas profissões
que surgiam. Para isso, ele os orientava para a educação, primeiro dando
vida aos oratórios de jovens, colocados sob a proteção da Virgem, envolvendo
então outros amigos sacerdotes no mesmo trabalho, que assim se encontravam
formando a nova congregação de Estigmatinos.
É significativo notar
que São Gaspar Bertoni delineou um projeto de vida cristã, no qual todos foram
chamados, qualquer que seja o estado de vida, à santidade de vida: não somente
para os padres, mas para os cônjuges, seguindo o exemplo dos santos esposos de
Nazaré, para os jovens, para os trabalhadores e para todas as outras categorias
de pessoas.
Os seus amigos, os
"Missionários Apostólicos", em comunhão de vida pastoral com os
Bispos, tiveram de pregar isto: a vocação universal à santidade, com a
consciência de que do sacrifício de Cristo, do seu Coração misericordioso, das
suas feridas, flui toda a esperança.
Assim, São Gaspar
soube levar tantas almas a fazer parte dessa "imensa multidão", que
hoje contemplamos com um coração exultante e agradecido.
Papa
João Paulo II – Homilia de Canonização – 01 de novembro de 1989
Após
a morte de sua irmãzinha, Gaspar, como filho único, recebeu ótima educação no
lar e nas escolas municipais que frequentou; naquele tempo, estas eram
dirigidas por jesuítas. Pe. Luís Fortis, que seria mais tarde superior geral da
Companhia de Jesus, teve grande influência em sua vida.
A
primeira comunhão, aos onze anos, foi para Bertoni uma experiência
inesquecível. Ele decidiu ingressar no seminário com dezoito anos, frequentando
o curso de teologia como aluno externo; o professor de Moral, Pe. Nicolau
Galvani, foi seu diretor espiritual.
Quando
cursava o primeiro ano de teologia, o exército francês invadiu a cidade de
Verona, ocasionando muitas desgraças e sofrimentos na vida do povo durante
vinte anos.
Ainda seminarista, movido por um grande espírito de caridade, cuidou de pessoas feridas e doentes, ajudando em uma obra fundada por Pedro Leonardi.
Foi
ordenado sacerdote no dia 20 de setembro de 1800. Após a ordenação teve que
enfrentar uma sociedade em convulsão e exigindo iniciativas que trouxessem
soluções para os graves problemas do momento.
Encarregado
de cuidar da juventude da paróquia, para a qual fora destinado, entregou-se
inteiramente a este apostolado, desenvolvendo nele toda sua capacidade de
organização. Fundou um primeiro Oratório nos moldes de "Coorte Mariana
", visando a formação humana e cristã dos jovens. Em 1807 o governo
proibiu as atividades das associações religiosas. Então, Pe. Gaspar adiou a
realização de seus projetos para tempos melhores.
Neste
período, entretanto, assumiu a direção espiritual da obra de Santa Madalena de
Canossa (maio de 1808), na casa de São José. Neste mesmo local começou a
orientar também a Serva de Deus Leopoldina Naudet em seu crescimento espiritual
e na caminhada em vista de um instituto religioso, que recebeu depois o nome de
Irmãs da Sagrada Família. Auxiliou, igualmente, outra Serva de Deus, Teodora
Campostrini, orientando-a em sua vocação e apoiando-a na fundação de outro
instituto feminino.
Em
setembro de 1810, Pe. Gaspar ficou encarregado da direção espiritual dos
clérigos que moravam no seminário. Algum tempo antes, ele já havia reunido em
sua casa alguns jovens sacerdotes, proporcionando-lhes uma formação espiritual
e científica verdadeiramente sólida.
Nesta
atividade, agora junto aos seminaristas, ele elaborou um programa de formação
que tinha como base a fidelidade plena ao Papa; naquela época o Papa Pio VII
fora feito prisioneiro por Napoleão. Na concepção de Pe. Gaspar a reforma da
Igreja devia começar dentro dos seminários, fazendo com que os futuros
ministros do Senhor se conscientizassem dos valores evangélicos. De fato, o
seminário, que anteriormente passara por séria crise econômica e grave
decadência moral, voltou a desempenhar seu verdadeiro papel na formação
sacerdotal, chegando a ser comparado a um mosteiro.
Aproveitando-se
da mudança de governo, Pe. Gaspar tentou reavivar a fé cristã no povo através
da pregação de missões populares, atividade que encontrou oposição da parte do
governo austríaco. Contudo, ele continuou o apostolado da palavra, dedicando-se
à catequese. A 20 de dezembro de 1817 o Papa Pio VII conferiu-lhe o título e as
faculdades de "Missionário Apostólico".
Embora
fazendo-se todo para todos, a fim de ganhar todos para Cristo, Pe. Gaspar
destinou muito tempo à vida de oração e de contemplação, como se pode deduzir
do que está escrito em seu "Memorial Privado". Neste diário
espiritual também se pode ler como Deus, por meio de uma inspiração especial, o
levou a fundar uma família religiosa.
A
4 de novembro de 1816 foi morar em uma casa, anexa à igreja dos Estigmas de São
Francisco; daí que, o povo acostumou a chamar os religiosos que aí residiam de
"Estigmatinos". Foi nesta
igreja que ele propagou a devoção à Paixão e às Chagas do Senhor. Transformou a
casa em uma escola aberta aos filhos de gente simples, trabalhando
gratuitamente para a Igreja e para a sociedade. Juntamente com os companheiros
de comunidade levou uma vida de penitência e sacrifício, vivenciando um projeto
de vida espiritual fundamentado na contemplação e na ação apostólica. Esta
abarcava a educação da juventude, a formação do clero e a pregação missionária
numa ampla disponibilidade a serviço dos bispos.
Em
maio de 1812 esteve à beira da morte devido a uma doença grave. Sarou quase por
milagre, mas a debilidade física provocada por esta enfermidade não o deixou
mais até o fim da vida. Embora vivesse continuamente enfermo, deu exemplo de
paciência heroica, entregando-se completamente nas mãos de Deus.
Acamado
e sofrendo terrivelmente, ainda assim foi conselheiro espiritual de muitas
pessoas que o procuravam, entre as quais se destacam o Beato Carlos Steeb, os
Servos de Deus Pe. Nicolau Mazza e Pe. Antonio Prôvolo; estes três dirigiam
instituições e obras de caridade. Muitas outras pessoas vinham de longe para
pedir seus conselhos.
Sua
perna direita passou por quase trezentas operações. Em meio às dores atrozes
que o atormentavam, esforçava-se por imitar Cristo sofredor, jamais se
queixando. Pelo contrário, oferecia seu lento holocausto pelo bem da Igreja.
Nos últimos momentos de sua existência o enfermeiro perguntou-lhe: "Padre, o senhor precisa de alguma
coisa?" "Preciso sofrer", respondeu.
Apesar
dos sofrimentos e da doença, manteve sempre uma grande esperança cristã, por
causa de sua fé em Cristo, Aquele que conserva no corpo ressuscitado os sinais
da Paixão. Nutriu também grande devoção aos Santos Esposos, Maria e José, que
são os padroeiros da Congregação Estigmatina.
Faleceu santamente no dia 12 de junho de 1853.
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