Agora gostaria de falar daquele ao qual a
Igreja chama o Doctor communis: isto é, São Tomás de
Aquino. O meu venerado Predecessor, Papa João Paulo II, na sua Encíclica Fides
et ratio recordava que São Tomás "foi sempre proposto pela
Igreja como mestre de pensamento e modelo do modo reto de fazer teologia".
Não surpreende que, depois de Santo Agostinho, entre os escritores
eclesiásticos mencionados no Catecismo da Igreja Católica, São Tomás seja
citado mais do que todos os outros, por sessenta e uma vezes! Ele foi
denominado também o Doctor Angelicus, talvez pelas suas
virtudes, de modo particular pela sublimidade do pensamento e pureza da vida.
Tomás nasceu entre os anos de 1224 e 1225, no
castelo que a sua família, nobre e abastada, possuía em Roccasecca, nos
arredores de Aquino, perto da célebre abadia de Montecassino, aonde tinha sido
enviado pelos seus pais para receber os primeiros elementos da sua instrução.
Alguns anos mais tarde transferiu-se para a capital do Reino da Sicília,
Nápoles, onde Frederico II tinha fundado uma prestigiosa Universidade. Nela
ensinava-se, sem os limites em vigor alhures, o pensamento do filósofo grego
Aristóteles, no qual o jovem Tomás foi introduzido, e de quem intuiu
imediatamente o grande valor. Mas sobretudo, nesses anos transcorridos em
Nápoles, nasceu a sua vocação dominicana. Com efeito, Tomás sentiu-se atraído
pelo ideal do Oriente, fundado não muitos anos antes de São Domingos. Todavia,
quando vestiu o hábito dominicano, a sua família opôs-se a esta escolha, e ele
foi obrigado a deixar o convento e a transcorrer um pouco de tempo com a
família.
Em 1245, já de maior idade, pôde retomar o seu
caminho de resposta ao chamamento de Deus. Foi enviado a Paris, para estudar
teologia sob a guia de outro santo, Alberto Magno, sobre o qual falei
recentemente. Alberto e Tomás estreitaram uma amizade verdadeira e profunda, e
aprenderam a estimar-se e a respeitar-se um ao outro, a tal ponto que Alberto
quis que o seu discípulo o seguisse também até Colónia, onde ele tinha sido
convidado pelos Superiores da Ordem para fundar uma Casa de estudos teológicos.
Então, Tomás entrou em contacto com todas as obras de Aristóteles e dos seus
comentadores árabes, que Alberto ilustrava e explicava.
Naquele período, a cultura do mundo latino
tinha sido profundamente estimulada pelo encontro com as obras de Aristóteles,
que permaneceram desconhecidas por muito tempo. Tratava-se de escritos sobre a
natureza do conhecimento, as ciências naturais, a metafísica, a alma e a ética,
ricos de informações e de intuições que pareciam válidas e convincentes. Era
toda uma visão completa do mundo, desenvolvida sem e antes de Cristo, com a
mera razão, e parecia impor-se à razão como "a" própria visão; por
conseguinte, ver e conhecer esta filosofia era para os jovens um fascínio
incrível. Muitos acolheram com entusiasmo, aliás com entusiasmo acrítico, esta
enorme bagagem do saber antigo, que parecia poder renovar vantajosamente a
cultura, abrir horizontes totalmente novos. Porém, outros temiam que o
pensamento pagão de Aristóteles estivesse em oposição à fé cristã e rejeitavam
estudá-lo. Encontraram-se duas culturas: a cultura pré-cristã de Aristóteles,
com a sua racionalidade radical, e a cultura clássica cristã. Determinados
ambientes eram impelidos à rejeição de Aristóteles também pela apresentação que
se fizera deste filósofo por parte dos comentadores árabes Avicena e Averroes.
Com efeito, foram eles que transmitiram ao mundo latino a filosofia
aristotélica. Por exemplo, estes comentadores tinham ensinado que os homens não
dispõem de uma inteligência pessoal, mas que só existe um único intelecto
universal, uma só substância espiritual, comum a todos, que age em todos como
"única": portanto, uma despersonalização do homem. Outro ponto
questionável, veiculado pelos comentadores árabes era aquele segundo o qual o
mundo é eterno, como Deus. Compreensivelmente, desencadearam-se disputas
infinitas nos mundos universitário e eclesiástico. A filosofia aristotélica
ia-se difundindo até entre as pessoas simples.
Na escola de Alberto Magno, Tomás de Aquino
desempenhou um trabalho de importância fundamental para a história da filosofia
e da teologia, diria para a história da cultura: estudou profundamente
Aristóteles e os seus intérpretes, encontrando novas traduções latinas dos
textos originais em grego. Assim, não se apoiava mais unicamente nos comentadores
árabes, mas podia ler pessoalmente os textos originais, e comentou uma boa
parte das obras aristotélicas, distinguindo nelas aquilo que era válido daquilo
que era duvidoso, ou que devia ser totalmente rejeitado, demonstrando a
consonância com os dados da Revelação cristã e utilizando ampla e
perspicazmente o pensamento aristotélico na exposição dos escritos teológicos
que ele mesmo compôs. Em última análise, Tomás de Aquino mostrou que entre fé
cristã e razão subsiste uma harmonia natural. E foi esta a grande obra de
Tomás, que naquele momento de desencontro entre duas culturas – naquele
momento em que parecia que a fé devia render-se perante a razão – demonstrou
que elas caminham a par e passo, que quanto parecia ser razão não compatível
com a fé não era razão; e aquilo que parecia ser fé não era tal, enquanto se
opunha à verdadeira racionalidade; deste modo, ele criou uma nova síntese, que
veio a formar a cultura dos séculos seguintes.
Em virtude das suas excelentes qualidades
intelectuais, Tomás foi chamado novamente a Paris como professor de teologia na
cátedra dominicana. Ali começou também a sua produção literária, que continuou
até à morte, e que contém algo de prodigioso: comentários à Sagrada Escritura,
porque o professor de teologia era sobretudo intérprete da Sagrada Escritura,
comentários aos escritos de Aristóteles, obras sistemáticas imponentes, entre
as quais sobressai a Summa Theologiae, tratados e discursos
sobre vários argumentos. Na composição dos seus escritos, era coadjuvado por
alguns secretários, entre os quais o irmão dominicano Reginaldo de Piperno, que
o acompanhou fielmente e com o qual o ligava uma amizade fraterna e sincera,
caracterizada por uma grande confidência e confiança. Trata-se de uma
característica dos santos: cultivam a amizade, porque ela é uma das
manifestações mais nobres do coração humano, e contém em si algo de divino,
como o próprio Tomás explicou em algumas quaestiones da Summa
Theologiae, onde escreve: "A caridade é principalmente a
amizade do homem com Deus, e com os seres que Lhe pertencem".
Não permaneceu prolongada e estavelmente em
Paris. Em 1259 participou no Capítulo Geral dos Dominicanos em Valenciennes,
onde foi membro de uma comissão que estabeleceu o programa de estudos na Ordem.
Depois, de 1261 a 1265, Tomás esteve em Orvieto. O Pontífice Urbano IV, que
nutria uma grande estima por ele, comissionou-lhe a composição dos textos
litúrgicos para a festa do Corpus Christi, instituída a seguir ao
milagre eucarístico de Bolsena. Tomás tinha uma alma requintadamente
eucarística. Os lindos hinos que a liturgia da Igreja entoa, para celebrar o
mistério da presença real do Corpo e do Sangue do Senhor na Eucaristia são
atribuídos à sua fé e à sua sabedoria teológica. De 1265 a 1268 Tomás residiu
em Roma onde, provavelmente, dirigia um Studium, ou seja, uma
Casa de estudos da Ordem, e onde começou a escrever a sua Summa
Theologiae.
Em 1269 foi chamado novamente a Paris, para um
segundo ciclo de ensino. Os estudantes – pode-se compreender – entusiasmavam-se
com as suas lições. Um dos seus ex-alunos declarou que uma enorme multidão de
estudantes seguia os cursos de Tomás, a tal ponto que as salas tinham
dificuldades em contê-los e, com um apontamento pessoal, acrescentava que
"ouvi-lo era para ele uma profunda felicidade". A
interpretação de Aristóteles formulada por Tomás não era aceite por todos, mas
até os seus adversários no campo acadêmico, como Gofredo de Fontaines, por
exemplo, admitiam que a doutrina de frei Tomás era superior a outras pela sua
utilidade e valor, e servia como corretivo para aquelas de todos os outros
doutores. Talvez também para o subtrair dos intensos debates em curso, os
Superiores enviaram-no novamente a Nápoles, para permanecer à disposição do rei
Carlos I, que tencionava reorganizar os estudos universitários.
Além do estudo e do ensino, Tomás dedicou-se
inclusive à pregação pública. E também o povo ia ouvi-lo de bom grado. Diria
que é verdadeiramente uma grande graça, quando os teólogos sabem falar com
simplicidade e fervor aos fiéis. Por outro lado, o ministério da pregação ajuda
os próprios estudiosos de teologia a ter um sadio realismo pastoral, e enriquece
a sua investigação com estímulos intensos.
Os últimos meses da vida terrena de Tomás
permanecem circundados por uma atmosfera particular, diria misteriosa. Em dezembro
de 1273 ele chamou o seu amigo e secretário Reginaldo para lhe comunicar a
decisão de interromper todos os trabalhos porque, durante a celebração da
Missa, tinha compreendido, a seguir a uma revelação sobrenatural, que tudo
aquilo que tinha escrito até então era apenas "um monte de
palha". É um episódio misterioso, que nos ajuda a compreender não
só a humildade pessoal de Tomás, mas também o fato de que tudo o que
conseguimos pensar e dizer sobre a fé, por mais elevado e puro que seja, é
infinitamente ultrapassado pela grandeza e pela beleza de Deus, que nos será
revelada plenamente no Paraíso. Alguns meses depois, cada vez mais absorvido
numa meditação reflexiva, Tomás faleceu enquanto viajava para Lião, aonde ia
para participar no Concílio Ecuménico proclamado pelo Papa Gregório X. Veio a
falecer na Abadia cisterciense de Fossanova, depois de ter recebido o Viático
com sentimentos de grande piedade.
A vida e o ensinamento de São Tomás de Aquino
poder-se-iam resumir num episódio transmitido pelos antigos biógrafos. Enquanto
o Santo, como fazia habitualmente, estava em oração diante do Crucifixo, de
manhã cedo na Capela de São Nicolau em Nápoles, Domingos de Caserta, o
sacristão da igreja, ouviu um diálogo. Tomás perguntava, preocupado, se aquilo
que tinha escrito sobre os mistérios da fé cristã era correto. E o Crucificado
respondeu-lhe: "Tu falaste bem de mim, Tomás. Qual será a tua
recompensa?". E a resposta que Tomás deu é aquela que também nós,
amigos e discípulos de Jesus, sempre gostaríamos de lhe dizer: "Nada
mais do que Tu, Senhor!"
Papa Bento XVI – 02 de
junho de 2010
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