"... Não havia
lugar para eles na hospedaria" (Lc 2, 7).
"Veio
para a sua casa, e os seus não O receberam."... O Verbo estava no mundo, e
o mundo por meio d'Ele foi feito, mas o mundo não O conheceu" (Jo 1,
11.10).
Peço-vos,
Irmãos e Irmãs, habitantes da Urbe e do Orbe, que mediteis neste dia sobre o
nascimento, na estrebaria de Belém, do Filho Nascido desde toda a eternidade.
E
porque é que nasce da Virgem Maria Aquele que é Nascido do Pai desde toda a
eternidade, Deus de Deus, Luz da Luz? Porque é que naquela noite, quando Ele
nasceu de Maria, Virgem, não havia lugar para eles na hospedaria? Porque é que
os seus não O receberam? E porque é que o mundo não O reconheceu?
O Mistério da
noite de Belém dura sem interrupção. Enche a história do mundo e paira à entrada
de todos e cada um dos corações humanos. Todos e cada um dos homens,
cidadãos de Belém, ontem à noite tiveram a possibilidade de olhar para José e
Maria e dizer: não há lugar, não posso acolher-vos.
E
todos e cada um dos homens, de todas as épocas, podem dizer ao Verbo que se fez
carne: Não te acolho, não há lugar.
O
mundo foi feito por meio d'Ele, mas o mundo não O acolheu. E porque será
que o dia do nascimento de Deus é dia de não acolhimento de Deus por parte dos
homens?
Façamos
deslocar o Mistério do Nascimento de Cristo para o nível dos corações
humanos: "Veio para a sua casa". Pensemos em todos aqueles que
fecharam diante d'Ele a porta interior e perguntemos: Porquê?
São
possíveis tantas e tantas respostas, objeções e causas!
A
nossa consciência humana não está em condições de abarcá-las a todas. Não se
sente com a coragem para ajuizar. Só o Omnisciente é que perscruta até ao mais
íntimo o coração e a consciência de cada homem. Ele somente.
E
somente Ele, Nascido desde toda a eternidade: somente o Filho. Com efeito,
"o Pai... entregou ao Filho todo o julgamento" (Jo 5, 22).
Nós,
homens, debruçados uma vez mais sobre o Mistério de Belém, somente podemos
pensar, com mágoa, em quanto terão perdido os habitantes da
"cidade de David", por não terem aberto a porta! Pensar em quanto
perdem todos e cada um dos homens que não deixam nascer, sob o teto do seu
coração, Cristo, "a, verdadeira luz, que a todo o homem ilumina" (Jo 1,
9).
Sim,
pensar em tudo aquilo que o homem perde quando O não encontra, e não pode
ver n'Ele o Pai. Deus, de fato, revelou-se como o Pai, em Cristo.
E
pensar, ainda, em quanto perde o homem, quando não chega a ver n'Ele a
própria humanidade. Cristo, de fato, veio ao mundo para revelar plenamente o
homem ao mesmo homem, e para lhe dar a conhecer a sua vocação sublime.
"Mas
a quantos O receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (Jo 1,
12).
Assim,
na solenidade do Natal do Senhor brota também um ardente voto e desejo, uma
prece humilde: que os homens do nosso século acolham a Cristo.
—
os homens das diversas Nações e Continentes, das várias línguas, culturas e
civilizações;
—
que eles O encontrem, novamente,
—
que lhes seja concedido o Poder, que somente d'Ele provém, porque somente n'Ele
se encontra.
Bradamos
aos Governos, aos Chefes de Estado e aos sistemas e às sociedades que em toda a
parte seja respeitado o princípio da liberdade religiosa; que os homens,
por causa da sua fé em Cristo, não sejam discriminados, danificados ou privados
do acesso aos frutos dos próprios méritos de cidadãos; que aos membros
das Comunidades cristãs não faltem os pastores, os lugares de culto e
que se vejam amedrontados, metidos na prisão e condenados; que os católicos
da Igreja do Oriente possam usufruir dos mesmos direitos que os seus
irmãos da Igreja do Ocidente.
Nós
bradamos para que Cristo tenha lugar em toda a vasta Belém do mundo
contemporâneo; para que seja concedido o direito de cidadania Àquele
que veio ao mundo nos tempos de César Augusto, quando havia sido ordenado um
recenseamento.
E
que façam seu este brado, juntamente comigo, todos aqueles que sentem quão
terrível mal representa para o homem espezinhar os direitos da sua consciência
e da liberdade religiosa.
"Não
havia lugar para eles na hospedaria". O mundo que não aceita Deus, passa
a não ser hospitaleiro em relação ao homem!
Não
nos faz estremecer a imagem de um mundo assim,
—
do mundo que está contra o homem, ainda antes de este conseguir nascer,
—
do mundo que, em nome de diversos interesses, económicos, imperialistas, estratégicos,
expulsa multidões inteiras de homens da terra do seu trabalho, os mete nos
campos de concentração forçada, os priva do direito da pátria, os condena à
fome e faz deles escravos?
Deus,
que se fez homem, poderia ter vindo ao mundo de modo diverso de como
veio?
Poderia
haver para Ele lugar na hospedaria? Não "deveria" Ele, desde o
princípio, estar como aqueles para os quais não há lugar?
Sim,
Irmãos e Irmãs, nós descobrimos novamente a verdadeira alegria do Natal.
Uma outra alegria não seria verdadeira. Não seria universal. Não faria ouvir a
todos e a cada um: Emanuel — que está conosco — que Deus está conosco!
Ainda
que o mundo O não conheça, Ele É! Ainda que os seus O não recebam, Ele vem! E
ainda que não haja lugar para ele na hospedaria. Ele nasce!
É
esta alegria do Natal de Deus que eu desejo partilhar hoje com a Urbe e com o
Orbe, passando a saudar nas diversas línguas todos aqueles para os quais o
Verbo se fez carne.
Papa
João Paulo II - Natal de 1981
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