A pobreza. Esta é as marca de toda a vida de João da Cruz. Pobreza
que primeiro o abraçou e que depois foi por ele abraçada – o tesouro que ele
encontrou.
Não acalenteis outro desejo senão o de
entrar, em relação a tudo o que existe à face da terra, no distanciamento, no
nada e na pobreza apenas por amor de Cristo: não tereis outra necessidade além
daquela a que tenhais submetido o vosso coração. O pobre em espírito nunca é
mais feliz do que quando se encontra na indigência, e aquele cujo coração nada
deseja põe-no sempre ao largo.
Os
pobres em espírito (Mt 5,3) dão com extrema liberalidade tudo o que possuem. O
seu prazer consiste em prescindir de tudo oferecendo-o por amor de Deus e do
próximo […]. Não são apenas os bens, as satisfações e os prazeres deste mundo
que nos atam e que atrasam no nosso itinerário para Deus; se as recebermos ou
se as buscarmos com espírito de posse, as alegrias e as consolações espirituais
podem, também elas, constituir um obstáculo ao nosso caminho para o Céu.
Conselhos
e Máximas, nos. 355-357, 362
A escolha
entre o amor e a pobreza: foi a única herança deixada
por seu pai – Gonzalo, um nobre, que por amor à sua esposa – Catalina uma jovem
plebeia sem recursos – renunciou à riqueza de sua família. Juntos construíram
uma nova família pobre, mas rica de amor.
A
importância do amor é indubitável. O problema maior para João da Cruz está no
objeto do amor. Amar o que?
E quando
se ama algo fora de Deus, então será a ruína do coração humano, pois, por causa
da própria natureza do nosso amor, o que amamos em detrimento de Deus, torna-se
deus para nós. Aqui está o fundamento d a idolatria.
Senhor Deus, amado meu! Se ainda Te
recordas dos meus pecados, para não fazeres o que ando pedindo, faze neles,
Deus meu, a tua vontade, pois é o que mais quero: e exerce neles a tua bondade
e misericórdia e serás neles conhecido.
E, se esperas por obras
minhas, para, por meio delas, me concederes o que te rogo, dá-as Tu, e
opera-as Tu por mim, assim como as penas que quiseres aceitar e faça-se. Mas se
pelas minhas obras não esperas, porque esperas, clementíssimo Senhor meu?
Porque tardas? Porque, se, enfim, há de ser graça e misericórdia o que em teu
Filho te peço, toma a minha insignificância, pois a queres, e dá-me este
bem, pois que Tu também o queres.
Quem se poderá libertar
de seu baixo modo de agir de sua condição imperfeita, se não o levantas Tu a Ti
em pureza de amor, Deus meu? Como se elevará a Ti o homem gerado e criado em
baixezas, se Tu não o levantares, Senhor, com a mão com que o fizeste?
Não me tirarás, Deus
meu, o que uma vez me deste em teu único Filho Jesus Cristo, em quem me
deste tudo quanto quero. Por isso folgarei pois não tardarás, se eu
confiar. Por que tardas em esperar, ó minha alma, se desde já podes amar a
Deus em teu coração?
O céu é meu e minha é a
terra; meus são os homens, os justos são meus, e meus os pecadores; os anjos
são meus, e a Mãe de Deus e todas as coisas são minhas. O próprio Deus é meu e
para mim, porque Cristo é meu e todo para mim. Que pedes pois e buscas, alma
minha? Tudo isto é teu e tudo para ti. Não te rebaixes nem atentes nas migalhas
que caem da mesa de teu Pai. Sai para fora de ti e gloria-te da tua glória,
esconde-te nela e goza, e alcançarás as petições do teu coração.
Canção da alma enamorada de São João da Cruz
João
abraça a pobreza carmelitana e em vista dela inicia com Santa Teresa a obra que
fará com que outros possam viver a sua mesma busca.Torna-se um reformador, e no
Carmelo descalço sobressai-se: foi o primeiro descalço, primeiro mestre de
noviços, primeiro reitor de estudantes da Reforma, diretor espiritual das
religiosas.
A
conflito entre os “calçados” e os “descalços” atinge seu auge na noite de 2 de
dezembro de 1577, quando o frei João é preso e levado para o cárcere
carmelitano na cidade de Toledo.
Este
será um dos momentos mais dolorosos, e ao mesmo tempo, mais ricos da vida de
João da Cruz. A prisão, que dura nove meses, é a experiência maior do nada que
sempre acompanhou o Frei João e que ele não hesitou em abraçar.
A
escuridão, o isolamento, o abandono dos seus irmãos calçados e descalços, a
privação da Eucaristia, os maus-tratos, foram absorvidos por ele como meios
para a revitalização de suas convicções evangélicas, para saborear o divino em
sua pureza, sem nenhum consolo terreno.
Mistério
de nove meses em um local sujo, respirando o mesmo ar, vestindo a mesma roupa,
sem luz nem diálogo, tomado física e moralmente pela angústia. Teve ali luzes e
graças.
Em
1578 consegue fugir, tendo atingido o cume da imersão mística do mistério de
Deus, provando o nada que a ele conduz.
No
primeiro Capítulo Geral da reforma em 1591 ele fica sem nenhum cargo e até sua
morte – seis meses – vive mais uma “noite escura” como a de Toledo: entregue às
humilhações, calúnias, abandonado por todos. Quando lhe vem a enfermidade,
escolhe um convento onde o superior o olha com maus olhos e, oprimido pelas
dores físicas e morais, mas consolado pela união de amor com Deus, por quem
tudo suportou, João da Cruz falece e vê seu desejo realizado em 14 de dezembro
de 1591:
“Oh
chama de amor viva
Que
ternamente feres
De
minha alma no mais profundo centro!
Pois
não és mais esquiva,
Acaba
já. Se queres,
AH!
Rompe a tela deste doce encontro.”
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