Às vezes, infelizmente, as
ideologias levam-nos a dois erros nocivos. Por um lado, o erro dos cristãos que
separam as exigências do Evangelho do seu relacionamento pessoal com o Senhor,
da união interior com Ele, da graça. Assim transforma-se o cristianismo numa
espécie de ONG, privando-o daquela espiritualidade irradiante que, tão bem,
viveram e manifestaram São Francisco de Assis, São Vicente de Paulo, Santa
Teresa de Calcutá e muitos outros. A estes grandes santos, nem a oração, nem o
amor de Deus, nem a leitura do Evangelho diminuíram a paixão e a eficácia da
sua dedicação ao próximo; antes pelo contrário...
Mas é nocivo e ideológico
também o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos
outros, considerando-o algo de superficial, mundano, secularizado, comunista,
populista; ou então relativizam-no como se houvesse outras coisas mais
importantes, como se interessasse apenas uma determinada ética ou um arrazoado
que eles defendem. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara,
firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana,
sempre sagrada. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se
debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na
eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas
de escravatura, e em todas as formas de descarte. Não podemos propor-nos
um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam,
gastam folgadamente e reduzem a sua vida às novidades do consumo, ao mesmo
tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina
miseravelmente.
Muitas vezes ouve-se dizer
que, face ao relativismo e aos limites do mundo atual, seria um tema marginal,
por exemplo, a situação dos migrantes. Alguns católicos afirmam que é um tema
secundário relativamente aos temas “sérios” da bioética. Um cristão, deve
colocar-se na pele do irmão que arrisca a vida para dar um futuro aos seus
filhos. Poderemos reconhecer que é precisamente isto o que nos exige Jesus
quando diz que a Ele mesmo recebemos em cada forasteiro (cf. Mt 25,
35)? São Bento assumira-o sem reservas e, embora isto pudesse “complicar” a vida
dos monges, estabeleceu que todos os hóspedes que se apresentassem no mosteiro
fossem acolhidos “como Cristo”, manifestando-o mesmo com gestos de adoração, e
que os pobres e peregrinos fossem tratados “com o máximo cuidado e solicitude”.
Algo de semelhante propõe o Antigo
Testamento, quando diz: “não usarás de violência contra o estrangeiro residente
nem o oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egito” (Ex 22,
20). Por isso, não se trata da invenção de um Papa nem dum delírio passageiro.
Também nós, no contexto atual, somos chamados a viver o caminho de iluminação
espiritual que nos apresentava o profeta Isaías quando, interrogando-se sobre o
que agrada a Deus, respondia: é “repartir o teu pão com os esfomeados, dar
abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu
irmão. Então, a tua luz surgirá como a aurora”.
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