Por fim, mesmo que pareça
óbvio, lembremos que a santidade é feita de abertura habitual à transcendência,
que se expressa na oração e na adoração. O santo é uma pessoa com espírito
orante, que tem necessidade de comunicar com Deus. Não acredito na santidade
sem oração, embora não se trate necessariamente de longos períodos ou de
sentimentos intensos.
No fundo, é o desejo de Deus, que não pode deixar de se
manifestar dalguma maneira no meio da nossa vida diária: “procura que a tua
oração seja contínua e, no meio dos exercícios corporais, não a deixes. Quando
comes, bebes, conversas com outros, ou em qualquer outra coisa que faças,
sempre deseja a Deus e prende a Ele o teu coração”.
Contudo, para que isto se torne possível, são necessários
também alguns tempos dedicados só a Deus, na solidão com Ele. Para Santa Teresa
de Ávila, a oração é “uma relação íntima de amizade, permanecendo muitas vezes
a sós com Quem sabemos que nos ama”. Gostaria de insistir no fato de que isto
não é dito apenas para poucos privilegiados, mas para todos, porque todos
precisamos deste silêncio repleto de presença adoradora. A oração
confiante é uma resposta do coração que se abre a Deus face a face, onde são
silenciados todos os rumores para escutar a voz suave do Senhor que ressoa no
silêncio.
Neste silêncio, é possível discernir, à luz do Espírito,
os caminhos de santidade que o Senhor nos propõe. Para todo o discípulo, é
indispensável estar com o Mestre, escutá-Lo, aprender d’Ele, aprender sempre.
Se não escutarmos, todas as nossas palavras serão apenas rumores que não servem
para nada.
Atrevo-me a perguntar-te: Tens
momentos em que te colocas na sua presença em silêncio, permaneces com Ele sem pressa,
e te deixas olhar por Ele? Deixas que o seu fogo inflame o teu coração? Se não
permites que Jesus alimente nele o calor do amor e da ternura, não terás fogo
e, assim, como poderás inflamar o coração dos outros com o teu testemunho e as
tuas palavras?
Peço, porém, que não se entenda o silêncio orante como
uma evasão que nega o mundo que nos rodeia.
Nem a própria história desaparece. A oração, precisamente
porque se alimenta do dom de Deus que se derrama na nossa vida, deveria ser
sempre rica de memória. A memória das obras de Deus está na base da experiência
da aliança entre Deus e o seu povo. Se Deus quis entrar na história, a oração é
tecida de recordações: não só da recordação da Palavra revelada, mas também da
vida própria, da vida dos outros, do que o Senhor fez na sua Igreja. Contempla
a tua história quando rezas e, nela, encontrarás tanta misericórdia. Ao mesmo
tempo, isto alimentará a tua consciência com a certeza de que o Senhor te
conserva na sua memória e nunca te esquece. Consequentemente tem sentido
pedir-Lhe que ilumine até mesmo os pequenos detalhes da tua existência, que não
Lhe passam despercebidos.
A súplica é expressão do coração que confia em Deus, pois
sabe que sozinho não consegue. Na vida do povo fiel de Deus, encontramos muitas
súplicas cheias de ternura crente e de profunda confiança. Não desvalorizemos a
oração de petição, que tantas vezes nos tranquiliza o coração e ajuda a
continuar a lutar com esperança. A súplica de intercessão tem um valor particular,
porque é um ato de confiança em Deus e, ao mesmo tempo, uma expressão de amor
ao próximo.
Se verdadeiramente reconhecemos que Deus existe, não
podemos deixar de O adorar, por vezes num silêncio cheio de enlevo, ou de Lhe
cantar em festivo louvor. Assim expressamos o que vivia o Beato Carlos Foucauld,
quando disse: “Logo que acreditei que Deus existia, compreendi que só podia
viver para Ele”.
A leitura orante da Palavra de Deus, consente de nos
determos a escutar o Mestre fazendo da sua palavra farol para os nossos passos,
luz para o nosso caminho. Como justamente nos lembraram os Bispos da Índia, "a
devoção à Palavra de Deus não é apenas uma dentre muitas devoções, uma coisa
bela mas facultativa. Pertence ao coração e à própria identidade da vida
cristã. A Palavra tem em si mesma a força para transformar a vida".
O encontro com Jesus nas Escrituras conduz-nos à
Eucaristia, onde essa mesma Palavra atinge a sua máxima eficácia, porque é
presença real d’Aquele que é a Palavra viva. Lá o único Absoluto recebe a maior
adoração que se Lhe possa tributar neste mundo, porque é o próprio Cristo que
Se oferece. E, quando O recebemos na Comunhão, renovamos a nossa aliança com
Ele e consentimos-Lhe que realize cada vez mais a sua obra transformadora.
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