O Beato Paulo VI mencionava,
entre os obstáculos da evangelização, precisamente a carência de parresia,
“a falta de ardor, tanto mais grave [porque] provém de dentro”. Quantas
vezes nos sentimos instigados a deter-nos na comodidade da margem! Mas o Senhor
chama-nos a navegar pelo mar adentro e lançar as redes em águas mais profundas.
Convida-nos a gastar a nossa vida ao seu serviço. Agarrados a Ele, temos a
coragem de colocar todos os nossos carismas ao serviço dos outros. Oxalá
pudéssemos sentir-nos impelidos pelo seu amor e dizer com São Paulo: “ai de mim
se eu não evangelizar!”
A parresia é selo do Espírito,
testemunho da autenticidade do anúncio. É uma certeza feliz que nos leva a
gloriar-nos do Evangelho que anunciamos, é confiança inquebrantável na
fidelidade da Testemunha fiel, que nos dá a certeza de que nada “poderá
separar-nos do amor de Deus”.
Precisamos do impulso do Espírito para não ser
paralisados pelo medo e o calculismo, para não nos habituarmos a caminhar só
dentro de ambientes seguros. Lembremo-nos disto: o que fica fechado acaba
cheirando a mofo e criando um ambiente doentio.
À semelhança do profeta Jonas, sempre permanece latente
em nós a tentação de fugir para um lugar seguro, que pode ter muitos nomes:
individualismo, espiritualismo, confinamento em mundos pequenos, dependência...
Talvez nos sintamos relutantes em deixar um território que nos era conhecido e
controlável.
Deus é sempre novidade, que nos impele a partir sem
cessar e a mover-nos para ir mais além do conhecido, rumo às periferias e aos
confins. Leva-nos aonde se encontra a humanidade mais ferida e aonde os seres
humanos, sob a aparência da superficialidade e do conformismo, continuam à
procura de resposta para a questão do sentido da vida. Deus não tem medo! Não
tem medo! Ultrapassa sempre os nossos esquemas e não Lhe metem medo as
periferias.
É verdade que precisamos de abrir a porta a Jesus Cristo,
porque Ele bate e chama. Mas, pensando no ar irrespirável da nossa auto
centralidade, pergunto-me se às vezes Jesus não estará já dentro de nós,
batendo para que O deixemos sair.
O comodismo seduz-nos e diz-nos que não tem sentido
procurar mudar as coisas, que nada podemos fazer perante tal situação, que
sempre foi assim e todavia sobrevivemos. Pelo hábito, já não enfrentamos o mal
e permitimos que as coisas continuem como estão. Deixemos então que o Senhor
venha despertar-nos, dar-nos uma sacudida na nossa sonolência, libertar-nos da
inércia.
Move-nos o exemplo de tantos sacerdotes, religiosas,
religiosos e leigos que se dedicam a anunciar e servir com grande fidelidade,
muitas vezes arriscando a vida e, sem dúvida, à custa da sua comodidade. O seu
testemunho lembra-nos que a Igreja não precisa de muitos burocratas e
funcionários, mas de missionários apaixonados, devorados pelo entusiasmo de
comunicar a verdadeira vida. Os santos surpreendem, desinstalam, porque a sua
vida nos chama a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora.
Peçamos ao Senhor a graça de não hesitar quando o
Espírito nos exige que demos um passo em frente; peçamos a coragem apostólica
de comunicar o Evangelho aos outros e de renunciar a fazer da nossa vida um
museu de recordações. Em qualquer situação, deixemos que o Espírito Santo nos
faça contemplar a história na perspectiva de Jesus ressuscitado. Assim a
Igreja, em vez de cair cansada, poderá continuar em frente acolhendo as
surpresas do Senhor.
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