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Há sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos,
profissionais e até jovens qualificados, que podem acompanhar os jovens no seu
discernimento vocacional. Quando nos
toca ajudar o outro a discernir o caminho da sua vida, a primeira coisa a fazer
é ouvir. Esta escuta pressupõe três sensibilidades ou atenções diferentes e
complementares:
A primeira
sensibilidade ou atenção é à pessoa. Trata-se de
escutar o outro, que se nos dá com as suas palavras. O sinal desta escuta é o tempo que dedico ao outro. Não é questão de
quantidade, mas de que o outro sinta que o meu tempo é dele: todo o tempo que
precisar para me manifestar o que quer. Deve sentir que o escuto
incondicionalmente, sem me ofender, escandalizar, aborrecer nem cansar. Tal é a
escuta que o Senhor realiza quando Se põe a caminho com os discípulos de Emaús
e os acompanha durante longo tempo por uma estrada cuja direção seguida era
oposta à correta. Quando Jesus faz menção de continuar para diante, porque os
dois discípulos tinham chegado em casa, estes compreendem que Ele lhes
oferecera o seu tempo e, então, dão-Lhe o deles, oferecendo-Lhe hospedagem. Esta escuta atenta e desinteressada mostra
o valor que tem para nós a outra pessoa, independentemente das suas ideias e
opções de vida.
A segunda
sensibilidade ou atenção é no discernir. Trata-se de
individuar o ponto certo onde se discerne o que é a graça e o que é tentação.
Com efeito, às vezes as coisas que cruzam a nossa imaginação não passam de
tentações que nos afastam do nosso verdadeiro caminho. Aqui preciso de me interrogar: O que é que, exatamente, me está a dizer
esta pessoa? Que me quer dizer? Que deseja ela que eu compreenda do que lhe
acontece? São perguntas que ajudam a entender onde se ligam os argumentos
que movem o outro, e a sentir o peso e o ritmo dos seus afetos influenciados
por esta lógica. Esta escuta tem em vista discernir as palavras salvíficas do
Espírito bom, que nos propõe a verdade do Senhor, mas também as armadilhas do
espírito mau, os seus enganos e as suas seduções. É preciso ter a coragem, o
afeto e a delicadeza necessários para ajudar o outro a reconhecer a verdade e
os enganos ou as desculpas.
A terceira
sensibilidade ou atenção consiste em escutar os impulsos para
diante que o outro experimenta. É a escuta profunda do ponto para onde o
outro quer verdadeiramente ir. Mais além do que sente e pensa no presente e do
que fez no passado, a atenção orienta-se para o que quereria ser. Às vezes,
isto requer que a pessoa não olhe tanto para o que gosta, os seus desejos
superficiais, mas para o que mais agrada ao Senhor, o seu projeto para a
própria vida que se expressa numa inclinação do coração, mais além da casca dos
gostos e sentimentos. Esta escuta é atenção à intenção última, que é aquela
que, em última análise, decide a vida, porque há Alguém como Jesus que entende
e valoriza esta intenção última do coração. Por isso, Ele está sempre disposto
a ajudar cada um a reconhecê-la e, para isso, basta que alguém Lhe diga: Senhor, salvai-me! Tende misericórdia de
mim!
Então, o discernimento torna-se um instrumento
de compromisso forte para seguir melhor o Senhor. Assim, o desejo de reconhecer
a própria vocação adquire uma intensidade suprema, uma qualidade diferente e um
nível superior, que responde muito melhor à dignidade da vida. Porque, em
última análise, um bom discernimento é
um caminho de liberdade que faz aflorar a realidade única de cada pessoa,
aquela realidade que é tão sua, tão pessoal que só Deus a conhece. Os
outros não podem entender plenamente nem prever de fora como se desenvolverá.
Por
conseguinte, quando alguém escuta o outro desta maneira, em dado momento deve
desaparecer para o deixar seguir o caminho que ele descobriu. Desaparecer como
desaparece o Senhor da vista dos seus discípulos, deixando-os sozinhos com o
ardor do coração que se transforma num impulso irresistível de se porem a
caminho. De regresso à comunidade, os discípulos de Emaús receberão a
confirmação de que o Senhor verdadeiramente ressuscitou.
Uma vez
que o tempo é superior ao espaço, devemos suscitar e acompanhar processos, não
impor percursos. Trata-se de processos de pessoas, que sempre são únicas e
livres.
Por isso é difícil elaborar receituários, mesmo quando todos os sinais forem
positivos, porque tem-se de submeter os próprios fatores positivos a um atento
discernimento, para que não se isolem uns dos outros, nem entrem em oposição
entre si, absolutizando-se e combatendo-se mutuamente. O mesmo se diga dos
fatores negativos: não são de rejeitar em bloco e sem distinções, porque em
cada um deles pode ocultar-se algum valor que espera ser liberto e reconduzido
à sua verdade plena.
Mas, para acompanhar os outros neste caminho,
primeiro precisas de ter o hábito de o percorreres tu próprio. Maria o fez,
enfrentando as suas questões e as suas próprias dificuldades, quando era ainda
muito jovem. Que Ela renove a tua juventude com a força da sua oração e te
acompanhe sempre com a sua presença de Mãe.
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