sexta-feira, 4 de novembro de 2016

São Carlos Borromeu

A sua figura sobressai no século XVI como modelo de Pastor exemplar pela caridade, doutrina, zelo apostólico e sobretudo pela oração: "as almas dizia ele conquistam-se de joelhos". 
Consagrado Bispo com apenas 25 anos, pôs em prática quanto o Concílio de Trento ditou, o qual impunha que os Pastores residissem nas respectivas Dioceses, e dedicou-se totalmente à Igreja ambrosiana: visitou-a em todas as suas partes por três vezes; proclamou seis sínodos provinciais e onze diocesanos; fundou seminários para formar uma nova geração de sacerdotes; construiu hospitais e destinou as riquezas de família ao serviço dos pobres; defendeu os direitos da Igreja contra os poderosos; renovou a vida religiosa e instituiu uma nova Congregação de sacerdotes seculares, os Oblatos. 

Em 1576, quando alastrou a peste, visitou, confortou e gastou para os doentes todos os seus bens. O seu mote consistia numa só palavra: "Humilitas". A humildade estimulou-o, como o Senhor Jesus, a renunciar a si mesmo para se fazer servo de todos.

Carlos nasceu aos 2 de outubro de 1538. Menino ainda, revelou ótimo talento e uma inteligência rara. Ao lado destas qualidades, manifestou forte inclinação para a vida religiosa, pela piedade e o temor a Deus. Era seu prazer construir altares minúsculos, diante dos quais, em presença dos irmãos e companheiros de idade, imitava as funções sacerdotais que tinha observado na Igreja. Era mero brinquedo infantil. O amor à oração e o aborrecimento aos divertimentos profanos, eram sinais mais positivos da vocação sacerdotal. 

Os pais, por seu turno, julgando garantido o futuro da família pelo primogênito Frederico, animaram a Carlos naquele modo de pensar, e levaram-no a seguir a carreira sacerdotal. Com doze anos, recebeu a tonsura e o hábito. Pela renúncia do tio Julio César, entrou no usufruto da abadia de São Graciano. Com este acontecimento formou-se o laço, que prendeu o jovem à participação da vida pública da Igreja. A administração de emolumentos que lhe provinham do benefício, Carlos considerava coisa sagrada. “Bem eclesiástico é propriedade de Cristo e por ele dos pobres; a estes aproveita o usufruto”. Foi esta a regra que a fé lhe ditou, e que as tradições da família lhe confirmaram. Não consentia que bens da abadia fossem aplicados a necessidades da família. Emprestando ao pai uma determinada quantia, exigia-lhe nota promissória. 

Tendo dezesseis anos, matriculou-se na Universidade de Pávia, onde passou  cinco anos, separado do mundo, entregue aos estudos e à prática de piedade.

Quando a notícia da morte do pai o chamou para casa, revelava em todo o modo de agir, o espírito e a tendência de um homem predestinado para grandes coisas. Inacessível às artes de sedução, com que um velho empregado da casa o procurava prender, julgou também ter a obrigação de reconduzir os monges da abadia ao fiel cumprimento dos deveres religiosos. Por meios hábeis, de bondade e energia, conseguiu este fim. Até lá, o moço de 22 anos não tinha ideia do grande futuro que o esperava e do papel importantíssimo que havia de desenvolver na igreja Católica. 

João Ângelo de Médici, tio materno de Carlos, tinha sido eleito Papa, e sob o nome de Pio IV, tomado o governo da Igreja. Carlos foi o único parente que não foi a Roma cumprimentá-lo. Pio IV mandou chamar o sobrinho à Roma e deu-lhe as posições mais elevadas na hierarquia eclesiástica. 

Foi nomeado cardeal no ano de 1560, aos 22 anos. Sua família queria festejar tais importante acontecimento, o jovem Carlos, porém, pediu apenas que celebrassem, em Arona, a Missa do Espírito Santo. De cargo em cargo, Carlos chegou ao posto mais alto que um pontífice pudesse conferir: foi nomeado secretário de Estado (e foi o primeiro da história). Tinha nas mãos praticamente todos os negócios da Igreja; muitos estavam céticos quanto às aptidões para desempenhar uma tarefa tão árdua, julgavam-no lento, pouco comunicativo. Mas o jovem cardeal sabia refletir, ponderar e tomar decisões ditadas pela clareza de visão e pela grande sabedoria.
Sabia unir a firmeza à mais primorosa delicadeza. 

Havia já alguns decênios que a igreja sofrera um doloroso golpe. O monge Lutero, que se rebelara abertamente contra Roma, havia conduzido uma revolta como nunca se tinha visto na história da cristandade.
Motivos políticos misturados com motivos religiosos causaram feridas incuráveis. O mal estava por demais difundido e até nas altas estâncias já se encontrava a coragem de dizer: “A reforma deve começar por nós mesmos.”

Pouco a pouco se foi alastrando a ideia de um Concílio ecumênico, já que este parecia um meio radical para interromper, na base, os motivos de tantas críticas e até recompor a unidade da Igreja.
O Concílio fora convocado em Mântua, em 1537, mas, de adiamento em adiamento, acabou por começar somente em dezembro de 1545 na região de Trento. Pio IV, em janeiro de 1560, constituiu uma Comissão de reforma e inicia as providencias para a reabertura do Concílio. Carlos não está materialmente presente no Concílio, mas, com o coração, não se separa um só instante da solene assembleia. No final do Concílio, em 1564, é chamado para participar da Congregação de cardeais encarregados da interpretação dos decretos. 

O ano de 1562 morrera seu irmão Frederico, sem deixar filhos. Os Parentes insistiram, então, com todo o empenho, para que Carlos abandonasse a carreira eclesiástica. O próprio Papa se fez intérprete do desejo da família. Por tudo acima que foi dito, não nos podemos admirar de ver que, a situação em que se achava a família Borromeo, nenhuma luta tivesse desencadeado no coração de Carlos. Carlos reza durante longo tempo. Depois, aconselhado e encorajado por seu confessor, toma um afirma decisão: será sacerdote.
O Papa, quando o sobrinho lhe comunica a decisão, parece por um instante contrariado. Mas tanta é a serenidade daquele olhar penetrante, a tranquila firmeza com que Carlos expõe seu pensamento, que o Papa , entende, aprova e sente-se comovido pela corajosa decisão. Ordenado sacerdote, Carlos celebra a primeira missa em 15 de agosto de 1563. Por humildade, e seguindo os ensinamentos dos padres jesuítas, Carlos esperou quase um mês, da ordenação à celebração da primeira missa. 

No silêncio da meditação, lançou Carlos planos grandiosos para a reorganização da Igreja Católica. Estes todos se concentraram na ideia de concluir o Concílio de Trento. De fato, era o que a Igreja mais necessitava, como base e fundamento da renovação e consolidação da vida religiosa.

Carlos, sem cessar, chamava a atenção para esta necessidade, reclamada por todos os amigos da Igreja. De fato, o Concílio se realizou, e não exageramos se apontamos Carlos como força motriz daquela grandiosa atuação da vida católica.
Pôs fim às caçadas, aos banquetes, aos carro luxuosos, a cúria romana mudou radicalmente de aspecto: os padres circulavam vestidos de acordo com seu estado e manifestavam, na austeridade exterior, os sinais de uma renovação interior. Carlos afirmava: “Reformar-se para reformar.”
Carlos quis ser o primeiro a executar as ordens da nova lei, ainda que por esta obediência tivesse de deixar a posição, para ocupar outra inferior. 

Quanto mudou, em tão pouco tempo a vida de Carlos. Não veste mais roupas de seda, de veludo, se desfez das escuderias, carruagens. Ele faz frequentes jejuns, e a compostura com que sobe ao altar, é edificante.
Carlos foi ordenado bispo em 1563, escolhendo 07 de dezembro, festa de Santo Ambrósio. Agora restava outro passo a ser comprido, de grande importância e de extrema delicadeza: ele decidira mora na sua diocese. Foi necessária paciência e perseverança para obter do Papa a aprovação do seu afastamento de Roma para ir morar em Milão. Já fazia 80 manos que um bispo não morava em Milão.Um mês depois da chegada, convocou o primeiro sínodo diocesano, cujo assunto principal era a reforma da vida clerical, de acordo com as determinações do Concílio Tridentino. 

O Concílio sofreu uma interrupção pela morte do Papa, chamado a Roma, assistiu ao tio na hora da morte (1572). No conclave que se reuniu, por ocasião da eleição do novo Papa, Carlos tomou parte. O primeiro pedido que dirigiu a Pio V, foi de poder voltar para a diocese, pedido a que o Sumo Pontífice, se bem que com pesar, lhe acedeu. As visitas pastorais dão-nos uma ideia bem clara do espírito apostólico de Carlos Borromeo. Não lhe era indiferente o modo como o clero cumpria o dever, e como o povo mostrava interesse em aceitar a doutrina cristã e as determinações da autoridade eclesiástica. 

Freguesia não havia, por mais pobre, por mais inacessível que fosse que não lhe tivesse recebido a distinção da visita. No meio das fadigas da viagem (muitas vezes ele mesmo carregava a bagagem), conservava sempre o bom humor. Com os pobres, partilhava o pão dos pobres. Dias havia em que não tomava senão pão e água. Não só os católicos, mas também os próprios protestantes recebiam jubilosamente o “santo bispo”.

O santo sentia-se embaraçado e magoado com tantos sinais de veneração; ele que havia escolhido para o próprio brasão o lema “HUMÍLITAS” Mas quando via que fiéis de todas as classes sociais se uniam a seu modesto séquito, recitando com ele as ladainhas e visitando as basílicas com admirável devoção, entendia que o Senhor servia-se dele, que mesmo assim se julgava um servo tão indigno, para realizar coisas admiráveis. 

Carlos sabia muito bem que a caridade abre os corações também à religião. Por isto foi que grande parte da receita pertencia aos pobres, reservando ele para si só o indispensável. Heranças ou rendimentos que lhe vinham dos bens de família, distribuía-os entre os desvalidos. Tudo isto não aguenta comparação com as obras de caridade que o arcebispo praticou, quando em 1569-1570 a fome e uma epidemia, semelhante à peste, invadiram a cidade de Milão. Não tendo mais do seu para dar, pedia em pessoa esmolas para os pobres e abria assim fontes de auxílio, que teriam ficado fechadas.

Quando, porém, em 1576 a cidade foi visitada pela peste, e o povo abandonado pelos poderes públicos, não tinha outro recurso senão o bispo; este, para não falar na ereção de hospitais e lazarentos que mantinha, visto que ninguém se compadecia do povo, ainda procurava os pobres doentes de que ninguém lembrava, consolava-os e dava-lhes os santos sacramentos. Tendo-se esgotado todas as fontes de recurso, Carlos lançou mão de tudo o que possuía, para amenizar a triste sorte dos doentes. Mais de cem sacerdotes tinham pago com a vida, na sua dedicação e serviço aos doentes. Deus conservava a vida do arcebispo, e este se aproveitou da ocasião para dizer duras verdades aos ímpios e ricos esquecidos de Deus. 

São Carlos está ainda convencido de que o remédio mais eficaz é a oração. Na cidade silenciosa, e quase totalmente paralisada, estendem-se devotas procissões penitenciais. Recita-se o rosário e o cardeal carrega uma grande cruz, caminhando de pés descalços, sem se importar com uma perigosa ferida que lhe incomoda a vários dias. São Carlos estava verdadeiramente disposto a dar a vida pelos seus, persuadido de que esta é a maior prova de amor. 

A peste ocasionou a fundação de um grande asilo para pobres. Além desta instituição, outros estabelecimentos de utilidade pública, a São Carlos devem sua fundação, como por exemplo, o Instituto dos Nobres em Milão, a Pia União pela salvação de pessoas do sexo feminino periclitadas, e diversas associações de beneficência. São Carlos escreveu ainda duas pastorais, uma intitulada “Reminiscências para o povo da cidade e do arcebispado de Milão, e instruções para todas as classes, para praticarem as virtudes da vida cristã”, e a outra: “Reminiscências dos dias dolorosos da peste”. 

Em outubro de 1582, Carlos dirige-se pela última vez a Roma. Gregório XIII recebeu Carlos, com as mais altas distinções. No entanto, Carlos continua com os mesmos costumes: às quatro horas da manhã encontra-se na Igreja, já em contemplação, e o povo se reúne com o santo par rezar com ele; ao meio dia espera-o o almoço, constituído de pão e água. Em compensação, os pobres, que àquela época povoavam os pátios de seu modesto aposento, recebem abundantes esmolas; à noite, após a oração propõe aos familiares algum tema de meditação para o dia seguinte. O descanso da noite não é muito longo, dorme de 3 ou 4 horas, estendido sobre uma caixa de sua capela. O restante do tempo passa em silenciosa prece, na capela da basílica. 

Carlos sente que, enfim, em sua lâmpada, sobrou pouco óleo, mas justamente por isso, intensifica a própria atividade. Em 15 de outubro ele inicia seus últimos exercícios espirituais, a partir do dia 22 têm fortes ataques de febre. Apesar do sofrimento celebra missa todos os dias. Dia 29 parte para Arona, para a inauguração do Colégio pontifício de Ascona. O cardeal dirige-se até lá numa embarcação na qual foi colocado para ele um colchão. Passa a noite rezando e falando aos barqueiros das coisas de Deus. São Carlos preside as cerimônias previstas, mas é necessário apressar sua volta a Milão. No caminho de volta, Carlos para novamente em Arona. Junto ao Colégio dos Jesuítas, por ele fundado, pouco distante de sua casa natal, celebra pela última vez. Chega a Milão a noitinha, de tanto em tanto, fecha os olhos. Não é para abandonar-se ao sono, mas somente para recolher-se mais profundamente. Carlos reabre os olhos para fixa-los na imagem do Cristo agonizante, que mandara colocar sobre um pequeno altar, aos pés do leito. Após ter recebido o viático e a unção dos enfermos, o arcebispo, sustentado por dois familiares, recolhe as últimas débeis forças para traçar com a mão um sinal de bênção sobre os presentes, e certamente, com o coração sobre todos os amados filhos.

Na noite de 3 de novembro de 1584 o cardeal Borromeo fecha os olhos à cena desta terra, para abri-los à contemplação do reino da luz. O “servo bom e fiel”, cumpria a obra que lhe havia sido confiada, pode entrar na alegria do teu senhor.


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