“Aqui estou, eu te dou meus olhos, a fim de que possas ver todas as coisas; dou-te meus ouvidos, para que possas ouvir tudo o que ouço; dou-te minha boca, para que por esse meio pronuncies tudo aquilo que dizes ao falar, rezar ou cantar; dou-te meu coração, para que julgues todas as coisas pelo meu amor.”
A estas palavras Matilde sentiu-se toda atraída ao Senhor e a ele intimamente unida, como sinal de que lhe parecia ver com os olhos de Deus, ouvir com os ouvidos de Deus, falar com a boca de deus e, por fim, não ter mais outro coração que o Coração de Deus.
“Meu amor”, disse Jesus a Santa Matilde, “de tal modo em ti adentrou e se difundiu em ti, que me pareces amar mais com meu coração do que com o teu.”
“Santa Matilde de Hackeborn
foi uma das grandes figuras do mosteiro de Helfta, que viveu no século XIII. A
sua irmã Santa Gertrude a Grande, na obra O livro da graça
especial, em que são narradas as graças especiais que Deus deu a Santa Matilde,
assim afirma: "Isso que escrevemos é bem pouco em comparação àquilo que
omitimos. Unicamente para a glória de Deus e utilidade do próximo publicamos
estas coisas, porque parece-nos injusto manter o silêncio sobre tantas graças
que Matilde recebeu de Deus não tanto por ela mesma, a nosso ver, mas para nós
e para aqueles que virão depois de nós".
Essa obra foi redigida por
Santa Gertrude e uma outra coirmã de Helfta e tem uma história singular.
Matilde, com a idade de
cinquenta anos, atravessava uma grave crise espiritual, unida a sofrimentos
físicos. Nesta condição, confidenciou a duas coirmãs amigas as graças
singulares com que Deus a tinha guiado desde a infância, mas não sabia que elas
anotavam tudo. Quando soube disso, ficou profundamente
angustiada e perturbada. O Senhor, no
entanto, tranquilizou-a, fazendo-lhe compreender que tudo o que era escrito era
para a glória de Deus e o proveito do próximo. Assim, essa obra é a fonte
principal para obter informações sobre a vida e espiritualidade da nossa Santa.
Com ela, somos introduzidos
na família do Barão de Hackeborn, uma das mais nobres, ricas e poderosas da
Turíngia, aparentada com o imperador Federico II, e entramos no mosteiro de
Helfta no período mais glorioso da sua história. O Barão havia dado ao mosteiro
uma filha, Gertrude de Hackeborn (1231/1232 – 1291/1292), dotada de uma forte
personalidade, Abadessa por quarenta anos, capaz de dar uma impressão peculiar
à espiritualidade do mosteiro, levando-o a um extraordinário florescer enquanto
centro de mística e cultura, escola de formação científica e teológica.
Gertrude ofereceu às monjas uma elevada instrução intelectual, que as permitia
cultivar uma espiritualidade fundada sobre a Sagrada Escritura, sobre a
Liturgia, sobre a tradição Patrística, sobre a Regra e espiritualidade
cisterciense, com particular predileção por São Bernardo de Claraval e Guglielmo
de St-Thierry.
Foi uma verdadeira mestra,
exemplar em tudo, na radicalidade evangélica e no zelo apostólico. Matilde,
desde a infância, recebeu e apreciou o clima espiritual e cultural criado por
sua irmã, oferecendo depois a sua própria marca.
Matilde nasce em 1241 ou
1242 no castelo de Helfta; é a terceira filha do Barão. Aos sete anos,
juntamente com sua mãe, visita a irmã Gertrude no mosteiro de Rodersdorf. É tão
fascinada por aquele ambiente que deseja ardentemente fazer parte dele. Entra
como educanda e, em 1258, torna-se monja no convento, transferindo-se,
entretanto, para Helfta, na propriedade dos Hackeborn. Distingue-se pela
humildade, fervor, amabilidade, limpidez e inocência de vida, familiaridade e
intensidade com que vive o relacionamento com Deus, a Virgem, os Santos. É
dotada de elevadas qualidades naturais e espirituais, entre as quais "a
ciência, a inteligência, o conhecimento das coisas humanas, a voz de uma
maravilhosa suavidade: tudo a tornava apta a ser para o mosteiro um tesouro,
sobre todos os aspectos".
Assim, "o rouxinol
de Deus" – como era chamada – ainda muito jovem, torna-se diretora da
escola do mosteiro, diretora do coro, mestre de noviças, serviços que
desempenhou com talento e infatigável zelo, não somente para proveito das
monjas, mas a todos desejava fazer chegar a sua sabedoria e bondade.
Iluminada pelo dom divino da contemplação mística, Matilde compõe
numerosas orações. É mestra de
fiel doutrina e de grande humildade, conselheira, consoladora, guia no
discernimento: "Ela – lê-se – distribuía a doutrina com uma abundância que
nunca havia se visto no mosteiro, e temos, ai de mim! grande temor, de que não
se verá nunca mais nada semelhante. As irmãs reuniam-se em torno dela para
sentir a palavra de Deus como junto de um pregador. Era o refúgio e a
consoladora de todos, e tinha, por dom singular de Deus, a graça de revelar
livremente os segredos do coração de cada um. Muitas pessoas, não somente no
mosteiro, mas também estrangeiros, religiosos e seculares, vindos de longe,
atestavam que essa santa virgem havia livrado-lhes das suas penas e que nunca
tinham experimentado tanta consolação quanto junto dela. Compôs e também
ensinou tantas orações que, se fossem reunidas, excederiam o volume de um
saltério".
Em 1261, chega ao convento
uma menina de cinco anos, de nome Gertrude: é confiada aos cuidados de Matilde,
com apenas vinte anos, que a educa e guia na vida espiritual até fazê-la não
somente excelente discípulas, mas a sua confidente. Em 1271 ou 1272, entra
no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. O lugar acolhe, assim, quatro grandes
mulheres – duas Gertrude e duas Matilde –, glória do monaquismo germânico.
Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligida por contínuos e
intensos sofrimentos, aos quais se juntam duríssimas penitências escolhidas
para a conversão dos pecadores.
Desse modo, participa da
paixão do Senhor até o fim da vida. A oração e a
contemplação são o húmus vital da sua existência: as revelações, os seus ensinamentos, o
seu serviço ao próximo, o seu caminho na fé e no amor têm aqui as suas raízes e
o seu contexto.
No primeiro livro da obra Liber specialis
gratiae, as redatoras recolhem as
confidências de Matilde explicadas nas festas do Senhor, dos Santos e, de modo
especial, da Beata Virgem. É impressionante a capacidade que essa Santa tem de viver a
Liturgia nos seus vários componentes, também aqueles mais simples, levando-os à
vida cotidiana monástica.
Algumas imagens, expressões,
aplicações às vezes estejam distantes da nossa sensibilidade, mas, se se
considera a vida monástica e a sua missão de mestra e diretora do coro,
colhe-se a sua singular capacidade de educadora e formadora, que ajuda as coirmãs
a viver intensamente, partindo da Liturgia, todos os momentos da vida
monástica.
Na oração litúrgica, Matilde
dá particular relevância às horas canônicas, à celebração da Santa Missa,
sobretudo a santa Comunhão. Aqui é frequentemente tomada em êxtase em uma
intimidade profunda com o Senhor no seu ardentíssimo e dulcíssimo Coração, em
um diálogo estupendo, no qual pede luzes interiores, enquanto intercede de modo
especial pela sua comunidade e as suas coirmãs. Ao centro estão os mistérios de
Cristo, com relação aos quais a Virgem Maria refere constantemente para
caminhar sobre a via da santidade: "Se tu desejas a verdadeira
santidade, estejas próxima ao meu Filho; Ele é a própria santidade que
santifica todas as coisas". Nesta sua intimidade com Deus está
presente o mundo inteiro, a Igreja, os benfeitores, os pecadores. Para ela, Céu e terra unem-se.
As suas visões, os seus
ensinamentos, os acontecimentos da sua existência são descritos com expressões
que evocam a linguagem litúrgica e bíblica. Compreende-se assim o seu
profundo conhecimento da Sagrada Escritura, que era o seu pão cotidiano. A
ela recorre continuamente, seja valorizando os textos bíblicos na liturgia,
seja desenhando símbolos, termos, paisagens, imagens, personagens.
A sua predileção é pelo
Evangelho: "As palavras do Evangelho eram para ela um alimento maravilhoso
e suscitavam no se coração sentimentos de tamanha doçura que frequentemente,
pelo entusiasmo, não podia terminar a leitura [...]
O modo com que lia aquelas
palavras era tão fervoroso que em todos suscitava a devoção. Da mesma forma,
quando cantava no coro, era toda absorvida em Deus, transportada por tal ardor
que ás vezes manifestava os seus sentimentos com gestos [...] Outras vezes,
como que tomada em êxtase, não sentia aqueles que a chamavam ou moviam e
contrariada retomada o sentido das coisas exteriores".
Em uma das visões, é Jesus
mesmo a recomendar-lhe o Evangelho; abrindo-lhe a chaga do seu dulcíssimo
Coração, diz-lhe: "Considera quanto imenso seja o meu amor: se desejas
conhecê-lo bem, em nenhum lugar o encontrarás expresso mais claramente que no
evangelho. Ninguém nunca ouviu falar de sentimentos mais fortes e macios quanto
estes: Como o Pai me amou, assim também eu vos amei (Jo 15, 9)".
Queridos amigos, a oração pessoal
e litúrgica, especialmente a Liturgia das Horas e a Santa Missa são as raízes
da experiência espiritual de Santa Matilde de Hackeborn. Deixando-se guiar pela
sagrada Escritura e nutrir pelo Pão eucarístico, Ela percorreu um caminho de íntima
união com o Senhor, sempre na plena fidelidade à Igreja. É isso também para nós
um forte convite a intensificar a nossa amizade como Senhor, sobretudo através
da oração cotidiana e da participação atenta, fiel e atrativa na Santa Missa. A
Liturgia é uma grande escola de espiritualidade.
A discípula Gertrude
descreve com expressões intensas os últimos momentos da vida de Santa Matilde
di Hackeborn, duríssimos, mas iluminados pela presença da Santíssima Trindade,
do Senhor, da Virgem Maria, de todos os Santos, também da irmã de sangue
Gertrude. Quando chegou a hora em que o Senhor desejou levá-la para Si, ela Lhe
pede ainda poder viver no sofrimento pela salvação das almas e Jesus se compraz
deste ulterior sinal de amor.
Matilde tinha 58 anos. Percorreu o
último trecho da estrada caracterizado por oito anos de graves doenças. A sua
obra e a sua fama de santidade difundiram-se amplamente.
Santa Matilde de Hackeborn
confia-nos ao Sagrado Coração de Jesus e à Virgem Maria. Convida a louvar o
Filho com o Coração da Mãe e a louvar Maria com o Coração do Filho: "Saúdo-vos,
ó Virgem veneradíssima, naquele dulcíssimo orvalho, que do Coração da
Santíssima Trindade difunde-se em vós; saúdo-vos na glória e na alegria com que
agora vos alegrais na eternidade, vós que, preferida entre todas as criaturas
da terra e do céu, fostes eleita ainda antes da criação do mundo! Amém"
Papa Bento XVI
29/09/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário