Parece-me que no Céu
a minha missão será atrair as almas
ajudando-as a sair de si
para se unirem a Deus
por um movimento bem simples e amoroso
e a guardá-las
nesse grande silêncio interior
que permite a Deus
imprimir-se nelas
transformando-as em si
Elisabete da Trindade é uma
jovem carmelita descalça, cheia de vida e de entusiasmo. Ao longo dos seus 26
anos de vida, soube vivenciar o mistério da Trindade que habita no coração
humano.
Os Santos são homens e mulheres que se
entranham profundamente no mistério da oração. Homens e mulheres que lutam mediante a oração,
deixando rezar e lutar neles o Espírito Santo; lutam até ao fim, com todas as suas forças; e vencem, mas não
sozinhos: o Senhor vence neles e com eles. Também estas sete testemunhas, que
hoje foram canonizadas, travaram o bom combate da fé e do amor através da
oração. Por isso permaneceram firmes
na fé, com o coração generoso e
fiel. Que Deus nos conceda também a nós, pelo exemplo e intercessão delas, ser
homens e mulheres de oração; gritar a Deus dia e noite, sem nos cansarmos;
deixar que o Espírito Santo reze em nós, e orar apoiando-nos mutuamente para
permanecermos com os braços erguidos, até que vença a Misericórdia Divina.
Papa Francisco – Homilia de Canonização – 16 de outubro de
2016
Elisabete nasceu em um
acampamento militar, no campo de Avor, perto de Bourges, França, pois seu pai
era capitão do exército francês. Desde muito cedo mostrou ser uma criança
turbulenta, muito viva, faladora, precoce e de temperamento colérico.
Sua mãe conta: “ Quando
tinha apenas 1 ano, já se manifestava sua natureza ardente e
colérica”.
Sua irmã chega mesmo a dizer
que era tão violenta que os familiares a ameaçavam enviar para uma casa de
correção. No entanto, sua mãe, atenta, soube modelar a fúria de Elisabete e
fazer sobressair nela a ternura. E de tal maneira a ternura ganhou
terreno que o maior castigo de Elisabete acontecia quando sua mãe, à noite, se
despedia dela sem lhe dar um beijo. Então, Elisabete compreendia que não tinha
se portado bem, e, meditando fazia exame de consciência e corrigia-se.
Ainda era uma criança quando
a família se mudou para a cidade de Dijon, onde com apenas 7 anos e 2 meses,
perdeu o pai tão querido que a morte lhe roubou.
O dia da primeira comunhão,
a 19 de abril de 1891, foi “o grande dia” da vida de Elisabete, tinha
então 10 anos, pois nascera no dia 18 de julho de 1880. Chora de
alegria. Ao sair da igreja, ao descer as escadas diz à sua amiguinha
Marie-Louise Hallo: “ Não tenho fome, Jesus saciou-me” ...
Estudou piano desde os 8
anos de idade no Conservatório vindo a tornar-se uma “excelente pianista”
segundo a expressão do seu professor de música. Participou em concertos
organizados, e, os jornais falaram do seu grande talento ainda mal a menina
chegava aos pedais do piano. Entre as músicas e os festivais, entre os bailes,
as férias e as diversões foram decorrendo os anos de Elisabete.
Estava perto
dos catorze anos de idade quando se
sentiu irresistivelmente atraída por Jesus. Escreve futuramente: “
Ia fazer catorze anos, quando um dia, durante uma ação de graças, me senti
irresistivelmente inspirada a escolher Jesus como único esposo e imediatamente
a Ele me liguei por um voto de virgindade. Não nos dissemos nada, mas
entregamo-nos um ao outro de tal maneira que a resolução de lhe pertencer
totalmente tornou-se em mim ainda mais definitiva”.
Aos 18 anos sua mãe
pretendeu casá-la com esplêndido noivo, mais Elisabete responde: “
o meu coração já não está livre, dei-o ao Rei do reis, já dele não posso
dispor”.
O desgosto da mãe foi
grande. Mas foi mais amargo quando soube que Elisabete
queria entrar para o Carmelo, onde tantas vezes tinham entrado e que
ficava ali apenas 200 metros de sua casa. Entre lágrimas a mãe
apenas consentiria na entrada da filha no Carmelo quando essa alcançasse a
maioridade, aos 21 anos de idade.
Elisabete vai regularmente
visitar a prioresa Maria de Jesus. Ali encontra também o padre Vallée, superior
dos dominicanos de Dijon, que a encoraja
muito: “Elisabete espera com todo o seu coração os seus 21 anos:
então poderá subir essa montanha solitária que parece um cantinho do céu”.
Certo dia ela declara: “
Se soubésseis tudo o que sofro ao ver minha querida mãe desolada ao
aproximarem-se os meus vinte e um anos.... Ela sofre várias influências: um dia
diz-me uma coisa, no dia seguinte é o contrário.... Como é doloroso fazer
sofrer aqueles que amamos, mas é por Ele! Se Ele não me ajudasse, em certos
momentos pergunto o que seria de mim, mas Ele está comigo, e com Ele tudo
posso”.
A irmã Elisabete tomou o
hábito a 8 de Dezembro de 1901. Iniciada a vida de noviciado a paz e a
felicidade mudou-se em noite escura. No decurso do ano de 1902, o sofrimento
interior a visita. Está numa grande neblina. Há dias de confusão e, em certas
horas a angústia e a tempestade. Mas ela ama o Crucificado ressuscitado e
entrega-se a Ele cegamente. Foi o momento da purificação interior.
Os seus escritos relatam a
felicidade de acreditar no seu amor e de O seguir. A sua noite ilumina-se com
as claridades da fé e da confiança, como ela explica nesse mesmo ano à senhora
de Sourdon: “O abandono, eis o que nos entrega a Deus. Sou muito nova, mas
parece-me que algumas vezes sofri bastante. Oh ! Então quando tudo se
obscurecia, quando o presente era tão doloroso e o futuro me aparecia ainda
mais sombrio, fechava os olhos e abandonava-me como uma criança nos
braços desse Pai que está nos céus...”
Com a profissão religiosa,
que fez a 11 de janeiro de 1903, recobrou a paz e a serenidade interior. Depressa
a Irmã Elisabete descobriu a sua vocação. Lendo São Paulo descobriu que ela
devia ser o “louvor da glória de Deus”. Esta ideia e esta vocação serão o
rumo e o norte de Elisabete da Santíssima
Trindade:
“louvor e glória” é uma alma que mora em Deus e o ama com
amor puro, amante do silêncio qual lira mantida sobre o toque misterioso do
Espírito Santo, fazendo sair de si harmonias divinas”.
“Louvor e glória” é uma alma que contempla a
Deus em fé simples e permanece como um eco perene do eterno cântico celeste. O
segredo da felicidade é não se preocupar consigo mesmo, é negar-se em todo o
momento”.
Seguindo o caminho que é
Cristo, a Irmã Elisabete entrou no mistério de Deus através de Maria
a quem gosta de chamar a Porta do Céu. Seguindo a Santa Teresa de Jesus e, sobretudo São João da Cruz,
de quem constantemente fala nos seus escritos, Elisabete mergulha no mistério
das Três Pessoas Divinas, nesse Oceano sem fundo que é a Santíssima Trindade e
que ela sente envolvê-la por dentro e por fora.
Tal como São João da Cruz se
sentiu fascinado pela formosura de Deus, também ela se sente atraída pela
beleza de Deus. Elisabete gostava de ver o sol penetrar nos claustros e
recordar aquela comparação de Santa Teresa: “Santa Teresa diz que a alma é
como um cristal no qual se reflete a Divindade. Gosto tanto desta comparação e,
quando vejo o sol invadir os nossos claustros com os seus raios, penso que Deus
invade a alma que O procura !”
Deixou-nos escrito acerca do
tempo depois da sua profissão: “ cada dia da minha vida de esposa me parece
mais belo, mais luminosos, mais envolto em paz e amor”.
Mas foi a vivência total
daquela frase de São João da Cruz: “ a alma perfeita e unida a Deus em tudo
encontra alegria e motivo de deleite até naquilo que entristece os outros, e
sobretudo alegra-se na cruz” que levou a Irmã Elisabete a perder-se em Deus
como uma gota de água no Oceano, segundo a sua própria expressão. Foi perfeito
louvor da glória de Deus, por isso, apenas com 26 anos se encontrava preparada
para voar para a paz: “tudo é calma, tudo fica tranqüilo e é tão bom, a paz
do Senhor”.
Nos fins de março de 1906, a
Irmã foi colocada na enfermaria. Sentia-se feliz por morrer
carmelita. As Irmãs rezavam pela sua cura e Elisabete juntou o seu
pedido às orações da comunidade, mas sentiu que Jesus lhe dizia que os ofícios
da terra já não eram para ela.
No dia 1 de novembro
comungou pela última vez e dois dias antes da sua morte disse ao seu médico: “é
provável que dentro de dois dias esteja no seio da Santíssima Trindade. É a
Virgem Maria, aquele ser tão luminoso, tão puro, com a pureza do mesmo Deus,
quem me levará pela mão e me introduzirá no céu tão deslumbrante”.
Alguns dias antes de sua
morte, Elisabete disse às sua Irmãs esta frase tão bela e que ficou célebre:
“ Tudo passa ! No
declinar da vida só o amor nos resta...”
Frase que se parece com
aquela outra de São João da Cruz, também muito bela e conhecida: “à tarde serás
examinado no amor”.
A sua última noite foi
terrivelmente penosa, pois às suas horríveis dores juntou-se-lhe também a falta
de ar, mas ao amanhecer Elisabete sossegou, e inclinando a cabeça abriu os
olhos, e exclamou: “vou para a Luz, para o Amor, para a Vida”, e
adormeceu para sempre.
Era a madrugada do dia 9 de
novembro de 1906.
“Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente de mim mesma para fixar-me em vós, imóvel e pacífica, como se minha alma já estivesse na eternidade.
Que nada possa perturbar-me a paz nem me fazer sair de vós, ó meu Imutável, mas que, em cada minuto, eu adentre mais na profundidade de vosso Mistério.
Pacificai minha alma, fazei dela o vosso céu, vossa morada preferida e o lugar de vosso repouso.
Que eu jamais vos deixe só, mas que aí esteja toda inteira, totalmente desperta em minha fé, toda em adoração, entregue inteiramente à vossa Ação criadora.
Ó meu Cristo amado, crucificado por amor; quisera ser uma esposa para vosso Coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos... até morrer de amor! Sinto, porém, minha impotência e peço-vos revestir-me vós mesmo, identificar a minha alma com todos os movimentos da vossa, submergir-me, invadir-me, substituir-vos a mim, para que minha vida seja uma verdadeira irradiação da vossa.
Vinde a mim como Adorador, como Reparador e como Salvador.
Ó Verbo eterno, Palavra de meu Deus, quero passar minha vida a escutar-vos, quero ser de uma docilidade absoluta para tudo aprender de vós. Depois, através de todas as noites, de todos os vazios, de todas as impotências, quero ter sempre os olhos fixos em vós e ficar sob vossa grande luz, ó meu Astro amado, fascinai-me, a fim de que não me seja mais possível sair da vossa irradiação.
Ó Fogo devorador, Espírito de amor, “vinde a mim” para que se opere em minha alma como que uma encarnação do Verbo: que eu seja para ele uma humanidade de acréscimo na qual ele renove todo o seu Mistério.
E vós, ó Pai, inclinai-vos sobre vossa pobre e pequena criatura, cobria-a com vossa sombra vendo nela só o Bem-Amado, no qual puseste todas as vossas complacências”
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