Geraldo
nasceu em Aurillac, por volta do ano de 855. Como o filho mais velho deveria suceder ao
pai, como Conde, assim teve uma educação comum à nobreza: aprendeu a ler o bastante
para recitar o saltério, conduzir matilhas de cães à caça, atirar ao arco e
lançar o falcão. Aprouve a Deus, que durante muito tempo Geraldo fosse bastante
doentio não sendo possível dedicar-se aos exercícios da época, mas não
tanto que o impedisse de estudar. Por isso seus pais resolveram que se
consagrasse mais particularmente às letras para assim fazê-lo ingressar no
clero.
Ao
atingir a adolescência, sua saúde melhorou; tornou-se tão ágil que saltava
facilmente por cima de um cavalo. Destacava-se nos exercícios militares, mas
continuava a amar o estudo; as Escrituras Sagradas eram-lhe tão familiares como
a poucos clérigos. Tendo o pai falecido, foi obrigado, muito jovem ainda, a
governar o domínio na qualidade de conde. Nem por isso se tornou mais
orgulhoso, como frequentemente acontece. O dever levava-o a ocupar-se de negócios,
mas sentia-se cada vez mais atraído pela meditação das coisas divinas.
Meigo
e pacífico, preferia sofrer o mal que lhe faziam a revidar. Porém,
demonstraram-lhe que tanta indulgência prejudicava o povo, exposto às incursões
e à pilhagem. Então, pôs-se a imaginar um meio de proteger os órfãos, as
viúvas, e os habitantes do campo. O amor aos pobres fez dele um militar. Sempre
disposto a perdoar e a aceitar a paz, lutou por diversas vezes e sempre
derrotou os inimigos. Tal era o jovem conde de Aurillac.
O
inimigo armou-lhe uma cilada, onde quase caiu. Tendo um dia detido o olhar numa
jovem escrava que lhe pertencia, Geraldo enamorou-se da sua rara beleza; num
primeiro impulso de paixão, mandou dizer à mãe da rapariga que iria visitá-la à
noite. Foi efetivamente; mas em caminho, rogava a Deus que não o deixasse
sucumbir à tentação. A moça e seu pai permaneciam junto ao fogo, pois estava-se
no rigor do inverno. O jovem conde achou-a tão disforme que julgou à principio
que fosse outra pessoa. Ao ouvir o pai afirmar que era a mesma moça, Geraldo
viu naquele fato uma advertência do céu, tornou a montar precipitadamente no
cavalo, dando graças a Deus, e permaneceu durante a noite inteira exposto ao
frio intenso, a fim de punir-se, e extinguir os ardores da concupiscência.
Mal
retornou à casa, o jovem conde tomou precauções para fugir àquela situação
delicada. Assim sendo, libertou a jovem escrava e ordenou a seus pais que a
casassem imediatamente. Algum tempo depois, Geraldo perdeu o uso dos olhos e
permaneceu cego durante mais de um ano. Aceitou a provação como um castigo como
o qual Deus o punia pelos olhares criminosos que lançara à jovem escrava.
Tendo
recobrado a vista, Geraldo ainda se tornou mais fervoroso e só se preocupou com
os exercícios de piedade compatíveis com seu estado. Decidiu conservar-se solteiro, a fim de mais livremente se
entregar à prática das boas obras.
Tornou-se
particularmente estimado por causa da sua caridade para com os pobres, do seu
amor pela castidade, do seu zelo em relação à justiça. Fez, no mínimo, sete
peregrinações a Roma, desejoso de reverenciar o túmulo dos santos apóstolos; e
nunca se apresentava de mãos vazias; pois entregava à Igreja de São Pedro um
tributo anual dos seus bens.
Dava
um sem número de esmolas; não mandava embora um único pobre; ordenava que
arrumassem mesas para os indigentes e assistia à distribuição do alimento, a
fim de certificar-se da qualidade da comida fornecida, chegando ao ponto de
experimentá-la. Seus oficiais conservavam pronto, sempre, um prato que ele
mesmo servia aos pobres. Além dos que apareciam à última hora, costumava
alimentar um determinado número de mendigos. Contudo, vivia muito frugalmente.
Ao jantar, sua mesa era bem servida, e convidava pessoas cultas e piedosas para
participarem da refeição, e com as quais se entretinha à respeito da leitura
feita em voz alta enquanto comiam. Ocupava-se durante o resto do dia com a
administração de seus negócios, com resolver contendas, dar instrução aos seus
subordinados, visitar hospitais, ler as Sagradas Escrituras. Jejuava três vezes
por semana, e se acontecia haver uma festa no seu dia de jejum, transferia-o
para outro e antecipava no sábado o do domingo. Não usava seda, nem tecidos
preciosos, em qualquer ocasião que fosse; suas roupas eram simples e modestas.
Certo
dia, quando voltava de Roma, acampou perto de Pavia. Alguns mercadores de
Veneza vieram oferecer-lhe tecidos preciosos. Respondeu-lhes que já fizera suas
compras em Roma, mas que ficaria muito satisfeito caso se certificasse de que
fizera um bom negócio. Entre os tecidos que mostrou aos mercadores, havia um
que estes garantiram poderia ser vendido por preço bem mais alto em
Constantinopla. Imediatamente ele foi assaltado por escrúpulos e pediu a um de
seus amigos que entregasse ao mercador de Roma o excedente do preço já pago, de
acordo com a avaliação do mercador de Veneza.
Durante
a mesma viagem, seus servos descobriram um dos escravos fugidos da propriedade
de Geraldo e que era considerado um indivíduo de importância na nova pátria por
ele adotada. Levantaram-no, pálido e trêmulo, à presença do conde e este,
interrogando-o, ficou sabendo que ocupava uma bela posição naquele lugar.
Disse-lhe então: “Não quero prejudicar-vos”. E proibiu aos criados contarem a
quem quer que fosse o passado do ex-escravo. Ao mesmo tempo, à vista dos
vizinhos, fez-lhes alguns presentes e designou-lhe um lugar de destaque na
mesa.
Apesar
de tudo, nunca achava que trabalhava suficientemente para Deus no meio da
confusão gerada por seus encargos, e quis renunciar a tudo aquilo para abraçar
a vida monástica.
Pediu
conselhos a um amigo que disse-lhe que poderia entregar seus bens a São Pedro,
se assim o quisesse, mas que prestaria maiores serviços à religião, caso
continuasse a viver no mundo da maneira edificante por que vivia; que assim o
seu exemplo seria mais eficaz, e que um senhor que tão bem usava a sua
autoridade, tinha maiores merecimentos e poderia atrair mais glória para Deus
do que o mais austero solitário.
Geraldo
aceitou aquele sábio conselho; porém, sem abandonar o mundo, encontrou meio de
observar quase todas as práticas da vida monástica, sujeitando-se a jejuns,
orando, e recitando todos os dias o saltério. Enfim, desejoso de possuir um
retiro, onde pudesse de tempos em tempos, recolher-se, mandou construir um mosteiro em Aurillac. Mas era tão alta
a sua ideia da perfeição religiosa, que custou muito para encontrar monges
bastante fervorosos para habitarem a nova casa.
Fez, durante a sua vida, e a
contragosto, um grande número de milagres; a água com que lavava as mãos, e que
seus criados ocultamente entregavam a doentes, restituiu a vista a sete cegos,
fato, entre outros, mencionado na sua biografia.
O
próprio conde Geraldo perdeu o uso dos olhos vários anos antes de falecer e
aproveitou a provação como meio de preparar-se para a morte com redobrado
fervor. Libertara grande número de escravos no decurso da vida; muitos deles
tinham preferido permanecer a seu serviço. No seu testamento deu a liberdade a
mais cem escravos e legou as melhores terras ao mosteiro de Aurillac, ao redor
do qual se formou depois a cidade do mesmo nome.
Enquanto
permaneceu enfermo, Geraldo mandava que o levassem diariamente à Igreja, onde
primeiro ouvia a missa do dia; em seguida, mandava dizer em sua intenção uma
missa pelos mortos. Na manhã de sexta-feira, 13 de outubro de 909, sentiu-se
mal e pediu a seus capelães que oficiassem no quarto; depois de terem sido
cantadas as completas, fez o sinal da cruz e pronunciou as palavras que compõem
a recomendação da alma, depois, fechou os olhos e permaneceu em silêncio; e
expirou.
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