"Domingo, 20 de novembro,
depois de nos vestir segundo o cerimonial do Vaticano, fizemos nossa entrada na
capela do Soberano Pontífice. Às 8 horas, nossa emoção foi profunda ao vê-lo
entrar, para celebrar a santa Missa... Depois de dar a bênção aos numerosos
romeiros reunidos ao seu redor, subiu os degraus do santo altar e mostrou-nos,
pela sua piedade digna do Vigário de Jesus, que era verdadeiramente "O
Santo Padre".
Meu coração batia muito
forte e minhas orações eram muito fervorosas, quando Jesus descia nas mãos do
seu Pontífice, e eu estava muito confiante. O Evangelho desse dia continha
essas palavras animadoras: "Não tenhais receio, pequeno rebanho, porque
foi do agrado de vosso Pai dar-vos o seu reino". Eu não receava,
esperava que o reino do Carmelo fosse meu em breve. Não pensava então nessas
outras palavras de Jesus: "Preparo para vós, como o Pai preparou para
ruim, um reino". Isto é, reservo para vós cruzes e provações; assim é
que sereis dignos de possuir esse reino pelo qual ansiais. Por ter sido
necessário o Cristo sofrer para entrar na sua glória, se desejais ter lugar ao
lado Dele, bebei do cálice que Ele bebeu!... Esse cálice foi-me apresentado
pelo Santo Padre e minhas lágrimas misturaram-se à bebida que me era oferecida.
Depois da missa de ação de graças que se seguiu à de Sua Santidade, a audiência
começou.
Leão XIII estava sentado
numa grande poltrona, vestido simplesmente da batina branca, camalha da mesma
cor e solidéu. Ao redor dele estavam cardeais, arcebispos, bispos, mas só os vi
vagamente, estando ocupada com o Santo Padre. Desfilávamos diante dele, cada
romeiro se ajoelhava, beijava o pé e a mão de Leão XIII, recebia sua bênção e
dois guardas o tocavam para indicar-lhe que se levantasse. Antes de subir ao
apartamento pontifício, eu estava muito resolvida a falar, mas senti minha
coragem falhar vendo à direita do Santo Padre "o padre Révérony!..."
Quase no mesmo instante, disseram-nos, da parte dele, que proibia falar com
Leão XIII, pois a audiência estava se prolongando demais... Virei para minha
querida Celina a fim de consultá-la: "Fala", disse-me ela.
Um instante depois, eu
estava aos pés do Santo Padre. Tendo eu beijado sua sandália, ele me apresentou
a mão. Em vez de beijá-la, pus as minhas e, levantando para o rosto dele meus
olhos banhados em lágrimas, exclamei:
"Santíssimo Padre, tenho um
grande favor para pedir-vos!..."
Então, o Soberano Pontífice inclinou
a cabeça de maneira que meu rosto quase encostou no dele e vi seus olhos pretos
e profundos fixarem-se sobre mim e parecer penetrar-me até o fundo da alma.
"Santíssimo
Padre", disse, "em honra do vosso jubileu, permitai que eu
entre no Carmelo aos 15 anos!..."
Sem dúvida, a emoção fez tremer a
minha voz e, virando-se para o padre Révérony, que me olhava surpreso e
descontente, o Santo Padre disse:
"Não compreendo muito bem".
Se Deus tivesse permitido, teria sido fácil para o padre Révérony obter para
mim o que eu desejava, mas era a cruz e não a consolação que Ele queria me dar.
"Santíssimo Padre", respondeu o vigário-geral,
"é uma criança
que deseja ingressar no Carmelo aos 15 anos, mas os superiores examinam a
questão neste momento."
"Então, minha filha", respondeu o
Santo Padre, olhando-me com bondade, "fazei o que os superiores vos
disserem."
Apoiando minhas mãos sobre seus joelhos tentei um último
esforço e disse com voz suplicante:
"Oh! Santíssimo Padre, se dissésseis
sim, todos estariam a favor!..."
Ele olhou-me fixamente e pronunciou
as seguintes palavras, destacando cada sílaba:
"Vamos... Vamos...
Entrareis se Deus quiser..."
Sua acentuação tinha alguma coisa de tão
penetrante e de tão convincente que tenho impressão de ouvi-lo ainda."
História de uma alma
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