“Não é pequena lástima e confusão que, por
nossa culpa, não nos entendamos a nós mesmos, nem saibamos quem somos. Não
seria grande ignorância, minhas filhas, que perguntassem a alguém quem era e
não se conhecesse, nem soubesse quem foi seu pai, nem sua mãe, nem sua terra?
Pois, se isto seria grande estupidez, sem comparação é maior a que há em nós
quando não procuramos saber que coisa somos e só nos detemos nestes corpos; e
assim, só a vulto sabemos que temos alma, porque o ouvimos e porque nos diz a
fé. Mas, que bens pode haver nesta alma ou quem está dentro dela, ou o seu
grande valor, poucas vezes o consideramos; e assim se tem em tão pouco procurar
com todo o cuidado conservar sua formosura. Tudo se nos vai na grosseria do
engaste ou cerca deste castelo; que são estes corpos.
Consideremos agora que este castelo tem, como
disse, muitas moradas: umas no alto, outras em baixo, outras aos lados; e, no centro
e meio de todas estas, tem a mais principal onde se passam as coisas mais
secretas entre Deus e a alma.
Pois, voltando a nosso agradável e
maravilhoso castelo, temos de ver como poderemos entrar nele.
Parece que digo algum disparate; porque, se
este castelo é a alma, claro que não se trata de entrar, pois se é ele mesmo,
pareceria desatino dizer a alguém que entrasse num aposento estando já dentro.
Mas ficai sabendo: há grande diferença entre os modos de entrar num mesmo
lugar. Muitas almas andam em torno do castelo, onde as sentinelas montam
guarda. Não têm interesse em entrar nele. Não sabem o que há naquele tão
precioso lugar, nem quem mora dentro, nem mesmo os salões que contém. Não
ouvistes dizer que alguns livros de oração, aconselham a alma a entrar dentro
de si mesma? É isso mesmo.
Dizia-me há pouco uma pessoa muito douta, que
as almas, que não têm oração são como um corpo paralítico e entrevado que,
embora tenha pés e mãos, não os podem mexer; há almas tão é bem verdade. Há
almas tão enfermas e tão habituadas às coisas exteriores, que dão a impressão
que não há remédio nem possibilidade de as fazer entrar dentro de si mesmas. É tal
a força do costume de tratarem sempre com os insetos e feras das cercanias do
castelo, que já quase se tornaram como elas. Embora tão ricas de natureza,
capazes de conversar com o próprio Deus, não têm remédio que lhes valha. E se
estas almas não procuram entender e remediar sua grande miséria, olhando para
si, tornam-se estátuas de sal, assim como ficou a mulher de Lot por voltar a
cabeça e olhar para trás.
Porque, tanto quanto
eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração, a meditação. Não
digo oração mental mais que vocal. Para ser oração é necessária a reflexão. Não
chamo oração mexer com os lábios sem pensar no que dizemos, nem no que pedimos,
nem quem somos nós, nem quem é Aquele ao qual nos dirigimos. Algumas vezes
poderá acontecer isso a pessoas que se esforçam por rezar bem, mas será por
motivos que se justificam, e será boa a oração.
Porém quem tivesse
por costume falar com a Majestade de Deus como quem fala a um estranho, que nem
repara se diz mal, dizendo o que lhe vem à boca, sem reparar se está certo, por
ter decorado ou repetido muitas vezes – a isso não tenho em conta por oração. Não permita
Deus que cristão algum reze desse modo. Que entre vós, irmãs, espero em Sua
Majestade não haverá tal oração. Nosso costume é de tratar de coisas interiores,
o que é muito bom para não cair em semelhantes brutezas.”
Castelo Interior ou Moradas – Capítulo 1,5-7
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