No Evangelho da tempestade acalmada, Deus se revela como o Senhor do mar. Jesus ameaça o vento e ordena ao mar que se acalme, interpelando-o como se ele se identificasse com o poder diabólico. Com efeito, na Bíblia o mar é considerado um elemento ameaçador, caótico e potencialmente destruidor, que somente Deus, o Criador, pode dominar, governar e acalmar.
Porém, existe uma outra força uma força
positiva que move o mundo, capaz de transformar e renovar as criaturas: a força
do "amor de Cristo", portanto, não essencialmente uma força
cósmica, mas sim divina, transcendente. Age também no cosmos mas, em si mesmo,
o amor de Cristo é um "outro" poder, e esta sua alteridade
transcendente, o Senhor manifestou-a na sua Páscoa, na "santidade" do
"caminho" por Ele escolhido para nos libertar do domínio do mal, como
tinha acontecido no êxodo do Egito, quando fez sair os judeus através das águas
do Mar Vermelho. No mistério pascal, Jesus passou através do abismo da morte,
porque Deus assim quis renovar o universo: mediante a morte e a ressurreição do
seu Filho, "morto por todos", para que todos possam viver "para
Aquele que, por eles, morreu e ressuscitou", e não vivam unicamente para
si mesmos.
O gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é
claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a
pensar na sua divindade: "Quem é Este – interrogaram-se
admirados e cheios de terror os discípulos – a Quem até o vento e o
mar obedecem?" A sua fé ainda não é sólida, mas está a formar-se;
é um misto de medo e de confiança; o abandono confiante de Jesus ao Pai é, ao
contrário, total e puro. Por isso, por este poder do amor, Ele pode adormecer
durante a tempestade, completamente seguro nos braços de Deus. No entanto, virá
o momento em que também Jesus sentirá medo e angústia: quando chegar a sua
hora, Ele sentirá sobre si mesmo todo o peso dos pecados da humanidade, como
uma onda alta que está prestes a cair sobre Ele. Esta, sim, será uma tempestade
terrível, não cósmica, mas espiritual. Será o derradeiro e extremo assalto do
mal contra o Filho de Deus.
Todavia, nessa hora Jesus não duvidou do poder
de Deus Pai e da sua proximidade, embora tenha tido que experimentar plenamente
a distância do ódio em relação ao amor, da mentira em relação à verdade e do
pecado em relação à graça. Experimentou este drama em si mesmo de maneira
dilacerante, especialmente no Getsémani, antes de ser preso, e depois durante
toda a paixão, até à morte na cruz. Nessa hora Jesus, por um lado, foi um só
com o Pai, abandonando-se plenamente a Ele; por outro, enquanto
solidário com os pecadores, foi por assim dizer separado e sentiu-se como que
abandonado por Ele.
Papa Bento XVI – 21 de
junho de 2009
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