Hildebrando —
futuro Papa São Gregório VII — era monge na célebre abadia de Cluny, na França,
na época em que São Hugo dirigia como abade esse extraordinário mosteiro, onde
o espírito feudal encontrou seu pleno equilíbrio católico.
Em 1049, ali foi
procurá-lo o Papa Leão IX e o levou consigo para Roma e nomeou-o arquidiácono,
primeira dignidade do Sacro Colégio de Cardeais e administrador da Santa
Igreja. Iniciava-se assim um longo combate, de muitos anos de duração, daquele que
talvez tenha sido o maior dos Papas da História.
Filho de um pequeno
proprietário de terras, Hildebrando nasceu na diocese de Soana, na Toscana,
entre os anos de 1020 e 1025. Em 1045 entrou em cena ao ser nomeado capelão do
Papa Gregório VI. O estado de decadência em que se encontrava a Igreja o fazia
sofrer, ao mesmo tempo em que aumentava sua disposição e seu ânimo para uma autêntica
luta.
Um dos maiores
perigos que naquele tempo a Igreja teve que enfrentar foi a chamada luta das
investiduras. Na instituição feudal, a investidura consistia numa cerimônia
durante a qual o senhor concedia simbolicamente o feudo ao vassalo. Neste ato,
entregava-lhe um objeto simbólico: um punhado de terra do feudo e um ramo. No
caso de serem terras eclesiásticas, entregava o báculo ou o anel. Em consequência,
o vassalo ficava vestido do feudo que recebia, adquirindo sobre ele um
direito que compartilhava com o senhor. Após a investidura, realizava-se o
juramento de fidelidade e a homenagem do vassalo ao senhor.
O problema se
colocava nas grandes propriedades de terras que a Igreja possuía. Com efeito,
durante séculos Ela havia recebido numerosas doações de terras. E os bispos e
abades de toda a Europa administravam tais propriedades como grandes senhores
feudais. Surgia, assim, o problema político da relação temporal entre o rei e o
bispo ou o abade, como proprietário de terras. Era natural que o rei exigisse
uma certa sujeição temporal do bispo, enquanto senhor de grandes domínios
dentro do reino. Mas, pouco a pouco, para assegurar essa fidelidade, os
imperadores passaram a nomear leigos de sua confiança para os grandes feudos
eclesiásticos. O imperador então os investia do anel e do báculo. Não
apenas lhes outorgava a terra como feudo, mas também decidia quem seria sagrado
bispo. Em vista disso, geralmente os candidatos às abadias e aos bispados não
eram eclesiásticos, mas simples leigos, que pagavam ao imperador enormes somas
pela investidura. A autoridade jurídica da Igreja sobre os clérigos assim
nomeados se perdia, porque eles ficavam sujeitos à autoridade civil. A investidura
laica tornou-se, pouco a pouco, um fato consumado que era necessário
erradicar, sob pena de a Igreja perder sua independência.
E ainda, para
piorar as coisas, os bispos assim nomeados pelo imperador pretendiam que seu
cargo se transmitisse por herança à sua família. Para isso, procuravam ter
descendência. E, em consequência, não respeitavam o celibato, que havia séculos
já estabelecera na Igreja do Ocidente.
Foi
a partir dos imperadores saxões e sálicos (Otos e Henriques, com exceção de
Santo Henrique II) que o problema se tornou mais agudo. Roma passou a ser
considerada apenas como uma diocese a mais.
Desde sua chegada a
Roma com o Papa São Leão IX, Hildebrando empenhou-se na luta com o máximo
ardor, mas ao mesmo tempo com prudência cheia de sabedoria. Antes de enfrentar
o imperador, era necessário reformar a hierarquia eclesiástica, infestada pela
simonia (venda dos bens eclesiásticos) e pelo nicolaísmo (heresia que, ademais,
sustentava que os sacerdotes poderiam se casar).
Muitos bispos
sujeitaram-se às ordens procedentes dos chamados Papas gregorianos. Outros,
porém, especialmente muitos alemães e da Lombardia (norte da Itália),
resistiram violentamente, apoiando-se no imperador alemão, de quem recebiam as
dioceses como feudo. Na Lombardia, convém ressaltar, o Papado encontrou heroicos
colaboradores.
Em Milão, principal
cidade da Lombardia, os católicos fervorosos organizaram uma associação
combativa conhecida como Pataria. Dois de seus líderes foram santos,
Santo Arialdo e Santo Eslembaldo, enquanto seu fundador, o Papa Alexandre II,
foi o antecessor imediato do monge Hildebrando no trono pontifício. São Pedro
Damião foi um dos maiores sustentáculos da Pataria.
Os momentos auges
do enfrentamento do Papado contra os abusos do Império coincidem com a ascensão
de Hildebrando ao trono pontifício, em 1073. O novo Pontífice não tardou em dar
um primeiro passo decisivo. No Concílio de Roma (Quaresma de 1074), o Papa
decretou que todo simoníaco e todo nicolaíta seria excomungado se não
renunciasse ao cargo ilegitimamente adquirido, ou à mulher com quem vivesse
contrariamente à lei canônica. O clero alemão protestou e resistiu, enquanto
Henrique IV por algum tempo simulou submeter-se.
Em outro Concílio,
no ano de 1075, o Papa excomungou vários bispos alemães. É durante este
primeiro enfrentamento que a doutrina de São Gregório VII se define.
O Papa escreve seu
famoso Dictatus Papae, no qual estão resumidos os princípios da
autoridade papal:
1– a Igreja é de origem divina; 2– o Papa tem todos os direitos sobre os bispos;
3– o Papa é o juiz de todos, não é julgado por ninguém. Ata e desata,
pode desligar os vassalos do juramento de fidelidade feito a seus suseranos;
4– fica afirmada, pela primeira vez, a monarquia papal, a subordinação do poder
civil ao pontifício em temas de doutrina e moral.
A crise produziu-se
durante o reinado do tirânico Henrique IV. Este, já aos 25 anos, era um déspota
cheio de vícios e odiado por seus vassalos. Além disso, havia-se entregado a
todos os excessos no tráfico das dignidades eclesiásticas. Ao subir ao trono
pontifício, em 1073, São Gregório VII já o havia advertido de que teria de
reprimir seus excessos. Numa carta que havia escrito a Godofredo, um dos
grandes senhores alemães, lemos: “Não
cedo a ninguém em zelo pela glória presente e futura do imperador. E na
primeira ocasião que tiver, hei de fazer-lhe admoestações caritativas e
paternas. Se me atender, terei tanto
júbilo pela sua salvação como pela minha própria. Se pagar com ódio o interesse
que tenho por ele, Deus me livre da ameaça que Ele faz dizendo: ‘Maldito seja o
homem que se recusa a banhar a espada em sangue!’”.
Henrique IV toma
inteiramente partido dos bispos excomungados. Organiza um atentado contra São
Gregório VII, nomeia um antipapa e, no Concílio de Worms, pretende destituir o
Papa. Em 1076, o Santo Pontífice dá o golpe decisivo: depõe e excomunga
Henrique IV com um anátema.
Era tal o prestígio
do Papa, que toda a Alemanha e o Império voltaram-se contra o Imperador
excomungado. Este vê-se forçado a pedir perdão. Segue-se então a famosa cena do
castelo de Canossa, onde São Gregório VII, refugiado nos domínios da Condessa
Matilde, obriga o péssimo Imperador a esperar três dias e três noites sob a
neve, para ser recebido e lhe pedir perdão. Perdão que o Papa concede, contra
sua vontade, pressionado por seus mais íntimos colaboradores.
Pois bem, apenas
voltou ao poder, Henrique IV recomeçou a trair o Sumo Pontífice e a combatê-lo.
O Papa excomunga e
depõe Henrique IV pela segunda vez em 1080. Mas, então, o imperador consegue
manter-se no poder e se coloca contra Roma, nomeando um antipapa. São Gregório
VII refugia-se no Castelo de Santo Ângelo, em Roma.
Os normandos acodem
a Roma para socorrer o Papa. Mas é um auxílio interesseiro, pois eles querem
apoderar-se do Sumo Pontífice para antepô-lo ao Imperador. E comportam-se em
Roma como invasores bárbaros. São Gregório VII retira-se com eles para Salermo,
a fim de evitar piores males para a capital da Cristandade. Naquela cidade é
mantido mais ou menos prisioneiro pelos normandos.
Afligido por aquela
aparente derrota, após uma luta de toda sua vida, o Papa morre em 25 de maio de
1086, exclamando: “Amei a justiça e
odiei a iniquidade, por isso morro no exílio”.
Estas palavras
sublimes recordam-nos aquelas outras, divinas: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Talvez
se possam aproximar ambas as expressões, porque é na aparente derrota de uma
causa que se produzem as maiores vitórias.
Com efeito, menos
de 30 anos depois, na Concordata de Worms, em 1122, os senhores feudais leigos
e religiosos, impõem ao Imperador Henrique V, filho de Henrique IV, o abandono
das investiduras do anel e do báculo, e também aceitam a liberdade das eleições
canônicas. Em 1095, o Beato Urbano II, Papa gregoriano ardoroso defensor das
reformas propugnadas por seu grande antecessor, convoca a Primeira Cruzada. Por
fim, devemos recordar que Inocêncio III, no século XIII, que explicita a teoria
das duas espadas (a espiritual e a temporal), continuador da obra de São
Gregório VII, é considerado o Papa que levou o poder e a glória da Igreja ao
seu ápice.
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