domingo, 18 de novembro de 2018

18 de novembro - II Dia Mundial dos Pobres

 “Este pobre clama e o Senhor o escuta!”

Façamos também nossas estas palavras do Salmista, quando nos vemos confrontados com as mais variadas condições de sofrimento e marginalização em que vivem tantos irmãos e irmãs, que nos habituamos a designar com o termo genérico de pobres. Hoje, este Salmo permite-nos também a nós, rodeados por tantas formas de pobreza, compreender quem são os verdadeiros pobres para os quais somos chamados a dirigir o olhar a fim de escutar o seu clamor e reconhecer as suas necessidades.

O primeiro elemento que sobressai nesta oração é o sentimento de abandono e confiança num Pai que escuta e acolhe. Sintonizados com estas palavras, podemos compreender mais profundamente aquilo que Jesus proclamou com a bem-aventurança “felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu”.

O Salmo caracteriza a atitude do pobre e a sua relação com Deus, por meio de três verbos.
O primeiro: clamar”. A condição de pobreza não se esgota numa palavra, mas torna-se um brado que atravessa os céus e chega a Deus. Que exprime o brado dos pobres senão o seu sofrimento e solidão, a sua desilusão e esperança? Podemos interrogar-nos: como é possível que este brado, que sobe à presença de Deus, não consiga chegar aos nossos ouvidos e nos deixe indiferentes e impassíveis? Num Dia como este, somos chamados a fazer um sério exame de consciência para compreender se somos verdadeiramente capazes de escutar os pobres.

Um segundo verbo éresponder. O Salmista diz que o Senhor não só escuta o clamor do pobre, mas também responde. A sua resposta – como atesta toda a história da salvação – é uma intervenção cheia de amor na condição do pobre. A resposta de Deus ao pobre é sempre uma intervenção salvadora para cuidar das feridas da alma e do corpo, repor a justiça e ajudar a retomar a vida com dignidade. A resposta de Deus é também um apelo para que toda a pessoa que acredita n’Ele possa, dentro dos limites humanos, fazer o mesmo.

Dia Mundial dos Pobres pretende ser uma pequena resposta, dirigida pela Igreja inteira dispersa por todo o mundo, aos pobres de todo o gênero e de todo o lugar a fim de não pensarem que o seu clamor caíra em saco roto. Provavelmente, é como uma gota de água no deserto da pobreza; e contudo pode ser um sinal de solidariedade para quantos passam necessidade a fim de sentirem a presença ativa dum irmão ou duma irmã. Não é de um ato de delegação que os pobres precisam, mas do envolvimento pessoal de quantos escutam o seu brado. A solicitude dos crentes não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela “atenção amiga” que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem.

O terceiro verbo é libertar. O pobre da Bíblia vive com a certeza de que Deus intervém em seu favor para lhe devolver dignidade. A pobreza não é procurada, mas criada pelo egoísmo, a soberba, a avidez e a injustiça: males tão antigos como o homem, mas sempre pecados são, acabando enredados neles tantos inocentes com dramáticas consequências sociais. A ação libertadora do Senhor é um ato de salvação em prol de quantos Lhe manifestaram a sua aflição e angústia. As amarras da pobreza são quebradas pelo poder da intervenção de Deus.

A salvação de Deus toma a forma duma mão estendida ao pobre, que oferece acolhimento, protege e permite sentir a amizade de que necessita. É a partir desta proximidade concreta e palpável que tem início um genuíno percurso de libertação: “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres, para que possam integrar-se plenamente na sociedade; isto supõe estar docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre e socorrê-lo”.

Os primeiros habilitados a reconhecer a presença de Deus e a dar testemunho da sua proximidade à própria vida são os pobres. Deus permanece fiel à sua promessa e, mesmo na escuridão da noite, não deixa faltar o calor do seu amor e da sua consolação. Contudo, para superar a opressiva condição de pobreza, é necessário aperceber-se da presença de irmãos e irmãs que se ocupem deles e que, abrindo a porta do coração e da vida, lhes façam sentir benvindos como amigos e familiares. Somente deste modo podemos descobrir “a força salvífica das suas vidas” e “colocá-los no centro do caminho da Igreja”.

Neste Dia Mundial, somos convidados a tornar concretas as palavras do Salmo: “Os pobres comerão e serão saciados”. Sabemos que no templo de Jerusalém, depois do rito do sacrifício, tinha lugar o banquete. Esta foi uma experiência que, no ano passado, enriqueceu a celebração do primeiro Dia Mundial dos Pobres, em muitas dioceses. Muitos encontraram o calor duma casa, a alegria duma refeição festiva e a solidariedade de quantos quiseram compartilhar a mesa de forma simples e fraterna. Gostaria que, também neste ano e para o futuro, este Dia fosse celebrado sob o signo da alegria pela reencontrada capacidade de estar juntos. Rezar juntos em comunidade e compartilhar a refeição no dia de domingo é uma experiência que nos leva de volta à primitiva comunidade cristã, que o evangelista Lucas descreve em toda a sua originalidade e simplicidade: “Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações. (…) Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um”.

Inúmeras são as iniciativas que a comunidade cristã empreende para dar um sinal de proximidade e alívio às muitas formas de pobreza que estão diante dos nossos olhos. Muitas vezes, a colaboração com outras realidades, que se movem impelidas não pela fé mas pela solidariedade humana, consegue prestar uma ajuda que, sozinhos, não poderíamos realizar. O facto de reconhecer que, no mundo imenso da pobreza, a nossa própria intervenção é limitada, frágil e insuficiente leva a estender as mãos aos outros, para que a mútua colaboração possa alcançar o objetivo de maneira mais eficaz. Somos movidos pela fé e pelo imperativo da caridade, mas sabemos reconhecer outras formas de ajuda e solidariedade que se propõem, em parte, os mesmos objetivos; desde que não transcuremos aquilo que nos é próprio, ou seja, conduzir todos a Deus e à santidade. Uma resposta adequada e plenamente evangélica, que podemos realizar, é o diálogo entre as diversas experiências e a humildade de prestar a nossa colaboração, sem qualquer espécie de protagonismo.

À vista dos pobres, não se perca tempo a lutar pela primazia da intervenção, mas reconheçamos humildemente que é o Espírito quem suscita gestos que sejam sinal da resposta e da proximidade de Deus. Quando encontramos o modo para nos aproximar dos pobres, saibamos que a primazia compete a Ele que abriu os nossos olhos e o nosso coração à conversão. Não é de protagonismo que os pobres têm necessidade, mas de amor que sabe esconder-se e esquecer o bem realizado. Os verdadeiros protagonistas são o Senhor e os pobres. Quem se coloca ao serviço é instrumento nas mãos de Deus, para fazer reconhecer a sua presença e a sua salvação.

Uma palavra de esperança torna-se o epílogo natural para onde nos encaminha a fé. Muitas vezes, são precisamente os pobres que põem em crise a nossa indiferença, filha duma visão da vida, demasiado imanente e ligada ao presente. O clamor do pobre é também um brado de esperança com que manifesta a certeza de ser libertado; esperança fundada no amor de Deus, que não abandona quem a Ele se entrega.

Santa Teresa de Ávila deixara escrito no seu Caminho de Perfeição: “A pobreza é um bem que encerra em si todos os bens do mundo; assegura-nos um grande domínio; quero dizer que nos torna senhores de todos os bens terrenos, uma vez que nos leva a desprezá-los”.
Na medida em que somos capazes de discernir o verdadeiro bem é que nos tornamos ricos diante de Deus e sábios diante de nós mesmos e dos outros. É mesmo assim: na medida em que se consegue dar à riqueza o seu justo e verdadeiro significado, cresce-se em humanidade e torna-se capaz de partilha.

Convido os irmãos bispos, os sacerdotes e de modo particular os diáconos, a quem foram impostas as mãos para o serviço dos pobres, juntamente com as pessoas consagradas e tantos leigos e leigas que, nas paróquias, associações e movimentos, tornam palpável a resposta da Igreja ao clamor dos pobres, a viver este Dia Mundial como um momento privilegiado de nova evangelização.

Os pobres evangelizam-nos, ajudando-nos a descobrir cada dia a beleza do Evangelho. Não deixemos cair em saco roto esta oportunidade de graça. Neste dia, sintamo-nos todos devedores para com eles, a fim de que, estendendo reciprocamente as mãos uns para os outros, se realize o encontro salvífico que sustenta a fé, torna concreta a caridade e habilita a esperança a prosseguir segura no caminho rumo ao Senhor que vem.

Papa Francisco


Nenhum comentário:

Postar um comentário